Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Por Malu Gaspar e Johanns Eller

Em mais um revés para a Braskem, a Defensoria Pública de Alagoas decidiu questionar na Justiça os acordos de indenização por danos morais firmados entre a petroquímica e os moradores de bairros condenados de Maceió que foram realocados a partir de 2018 em razão dos afundamentos provocados pela desestabilização de minas de sal-gema exploradas pela companhia.

O defensor público do estado, Ricardo Melro, prepara uma ação para pedir que a Justiça anule os acordos, alegando que as famílias afetadas pelas rachaduras e pelo afundamento do solo de cinco bairros foram obrigadas a aceitar uma espécie de "indenização tabelada" pelos danos morais.

A decisão será formalizada em meio ao risco iminente de colapso na mina 18 da Braskem no entorno da lagoa de Mundaú, com um afundamento que já chegou a 2,06 metros, e a movimentação do solo em regiões vizinhas, que levaram a Justiça a determinar novas remoções de moradores diante da ampliação das áreas de risco na cidade.

A defensoria encerrou no último dia 30 o prazo para que vítimas que se enquadram nesse contexto enviassem declarações relatando o ocorrido. Ao todo, o órgão recebeu 750 relatos. A partir deles, fará uma triagem para ajuizar o caso.

Na ação civil pública, a defensoria vai argumentar que a Braskem obrigou os moradores a aceitar uma indenização "tabelada" – prática é vedada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O valor proposto pela empresa foi de R$ 40 mil por núcleo familiar, sem levar em consideração as circunstâncias de cada família - se são numerosas ou não, a renda perdida ou o tempo de moradia nos bairros afetados, por exemplo.

A Braskem, por sua vez, afirma que o programa de compensação financeira representou uma “alternativa de solução consensuada” de “adesão voluntária” e frisa que buscou “a jurisprudência sobre danos morais em geral e a relativa a processos de alguma maneira análogos” na definição dos parâmetros utilizados para as reparações.

Para o defensor público que atua no caso, Ricardo Melro, o tabelamento fez parte do que ele chama de “chantagem” da Braskem contra os moradores. Isso porque a reparação dos danos materiais, estipulada pelo chamado Programa de Compensação Financeira desenhado pela empresa, foi condicionado à adesão dos moradores à essa indenização de R$ 40 mil.

“O valor do dano moral foi imposto e as vítimas tiveram que aceitar. Se não aceitassem, a Braskem não fecharia o acordo dos danos materiais”, explica Melro.

Quem não aceitasse o acordo, portanto, seria obrigado a apelar ao Judiciário pelas duas indenizações.

“É uma verdadeira chantagem, uma vez que a empresa que estava se aproveitando da necessidade das pessoas – a maioria delas de origem simples e que precisava retomar suas vidas em um local seguro e adequado. A imensa maioria acabou por aceitar”.

No dia 21 de setembro , o defensor fez uma reunião com mais de 200 advogados representantes de vítimas para colher elementos para a ação.

Carlos Lima, do Lima & Machado Advogados Associados, escritório que representou cerca de 400 famílias afetadas pela Braskem, estava no encontro e critica o tabelamento imposto pela Braskem.

“O tabelamento é completamente ilegal e desarrazoável e a indenização de R$ 40 mil é até imoral. Há muitas decisões judiciais no contexto de situações muito menos graves, como o extravio de bagagens, cujos valores vão de R$ 15 mil a R$ 20 mil”, afirma Lima.

“Essas pessoas foram obrigadas a sair de seu convívio, perderam laços com sua comunidade, com o templo que frequentava. Muitos viviam ali há 40, 50, 60 anos”.

Na ação civil, a Defensoria argumentará que as vítimas foram afetadas de forma distinta e, por isso, a indenização por danos morais deveria ser avaliada individualmente. A arbitragem do valor deveria levar em conta múltiplos fatores a partir do impacto do desastre sobre cada morador.

“Além de tabelar, a Braskem criou o dano moral por adesão. Isso não existe. É um tipo de acordo que você lê e não tem o que mudar. Nada ali era passível de mudança. As famílias aceitaram porque não havia alternativas”, afirma Cleto Carneiro, do escritório Carneiro Advogados, que já representou cerca de 25 famílias afetadas.

Carlos Lima, por sua vez, atribui ao condicionamento forçado a taxa de adesão de 93% dos moradores ao Programa de Compensação Financeira, celebrada pela própria petroquímica em comunicados oficiais.

“A Braskem usou isso como uma propaganda linda e maravilhosa, mas a empresa não disse a verdade à sociedade sobre os diversos motivos que levaram a isso”, critica o advogado.

Entre os exemplos do descompasso entre a indenização tabelada e os danos morais sofridos pelas vítimas do desastre em Maceió estão os relatos de depressão e ansiedade sofridos pelos moradores e comerciantes afetados.

Advogados relatam que parte de seus clientes não conseguem arcar sequer com o tratamento para a saúde mental. Há casos registrados de suicídio entre os realocados.

Procurada pela equipe da coluna, a Braskem alegou ter buscado “entender a jurisprudência sobre danos morais em geral e a relativa a processos de alguma maneira análogos” ao programa de compensação financeira, sem explicar quais seriam os casos similares ao que se vê em Maceió – classificado por políticos alagoanos como “a maior tragédia urbana do mundo”.

Instada a comentar as acusações de chantagem e de quebra da jurisprudência do STF e STF feitas pela Defensoria Pública, a empresa não se posicionou. No entanto, a companhia defendeu a política de atrelar as indenizações de dano material ao moral, descrito como uma “adesão voluntária” e “alternativa de solução consensuada”.

“Todos os participantes do programa são acompanhados por um advogado de sua escolha (o custo é reembolsado pela Braskem) ou por um defensor público. A Defensoria Pública do Estado, por exemplo, acompanhou até este momento mais de 150 acordos no PCF, representando moradores e comerciantes da região”, justifica a Braskem.

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