Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Johanns Eller

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, não recorreu da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que determinou a “nulidade absoluta” dos processos contra o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) na operação Lava-Jato e o trancamento de investigações amparadas em quatro operações a nível estadual no fim de dezembro.

No despacho assinado no último dia 8, Gonet dá ciência à decisão do Supremo, sem qualquer objeção. Isso significa que o procurador-geral abriu mão de recorrer e, na prática, endossou a tese jurídica da liminar monocrática do ministro, que acolheu os argumentos da defesa de Richa.

A decisão de Toffoli que não contou com qualquer óbice do procurador-geral também desfere duras críticas à atuação do Ministério Público Federal (MPF), agora chefiado por Gonet, na condução da Lava-Jato. O magistrado cita “flagrante ilegalidade” refletida na “manipulação de contexto jurídico-processual entre os órgãos acusador e jurisdicional”.

É justamente a linha adotada pela defesa do tucano, atualmente deputado federal, ao apontar a suposta atuação ilegal do então juiz federal Sergio Moro, à época titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, do então coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, e do procurador Diogo Castor de Mattos.

A base do pedido são as informações obtidas pela Operação Spoofing da Polícia Federal (PF), que recuperou as mensagens trocadas entre Moro e integrantes da Lava-Jato reveladas pela Vaza-Jato, como ficou conhecido o escândalo dos diálogos captados pelo hacker Walter Delgatti e divulgados pelo site The Intercept Brasil em 2019.

O advogado de Beto Richa é Rodrigo Mudrovitsch, que também já representou o ministro decano do STF, Gilmar Mendes, um dos padrinhos da indicação de Gonet para a PGR. Gilmar foi o magistrado que libertou Richa da primeira de suas três prisões, em 2018, às vésperas das eleições em que o tucano disputaria o Senado pelo Paraná.

A decisão de não recorrer causou estranheza no meio jurídico paranaense. Isso porque Gonet não apenas ignorou as críticas ao próprio MPF como também agiu na direção contrária do Ministério Público do Paraná, que ainda em dezembro recorreu da decisão do Supremo sustentando que a instituição não foi ouvida por Toffoli como parte do processo.

Para o MP-PR, a deliberação afeta “diretamente investigações criminais e ações penais iniciadas e em trâmite perante a Justiça Comum Estadual”.

Além disso, o MP paranaense alega que o ministro do Supremo violou o princípio do juiz natural, que fixa a competência prevista em lei para preservar a imparcialidade em julgamentos. Para a promotora Hermínia Dorigan, que assina o recurso, Toffoli não poderia ter trancado as persecuções penais que tramitam a nível estadual, ou seja, fora do âmbito da Lava-Jato e inseridas em quatro operações distintas.

São elas a Quadro Negro, que apura o desvio de dinheiro de obras de escolas paranaenses e está situada na 9ª Vara Criminal de Curitiba, e a Rádio Patrulha, que investiga o desvio de verbas para a recuperação de estradas rurais e foi deslocada para a Justiça Eleitoral do Paraná por ordem do STF, em um processo relatado por Gilmar.

Por essa razão, o MP-PR argumenta que o STF é incompetente para decidir sobre estas frentes de investigação.

Para a defesa de Richa, a nulidade também deveria contemplá-las porque as operações seriam desdobramentos de ações de integrantes da Lava-Jato – como a delação do ex-deputado Tony Garcia, firmada pelo procurador Castor de Mattos e que embasou as operações em questão – ou do compartilhamento de provas entre o Ministério Público Federal e o MP estadual.

A tese foi acolhida por Toffoli, mas é contestada pelo MP-PR. Ao STF, a instituição argumentou que não existem “atos investigativos ou processuais praticados pelos membros da força-tarefa da Lava-Jato ou decisões judiciais proferidas” por Moro no âmbito da Quadro Negro e da Rádio Patrulha.

Já as operações Piloto (que se debruça sobre irregularidades na duplicação de uma rodovia estadual que envolveriam a Odebrecht) e Integração (voltada para a investigação de concessões de rodovias do Paraná à iniciativa privada) foram deflagradas pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Elas também foram trancadas por Toffoli.

Nenhum dos pontos levantados pelo MP estadual parecem ter sido levados em conta por Paulo Gonet, bem como as críticas de Toffoli ao próprio MPF.

Nós questionamos Gonet, através da assessoria de imprensa da PGR, sobre a decisão de não recorrer à liminar monocrática do ministro do Supremo. Indagamos ainda se os argumentos sobre a competência do STF levantados pelo MP-PR foram considerados pelo procurador-geral. A instituição respondeu que o MPF não se manifestará sobre o caso.

No discurso que fez aos procuradores do MPF durante a posse de Gonet, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse esperar que seu escolhido para a PGR trabalhasse apenas “com a verdade”, e não com “acusações levianas” e subserviência ao que chamou de “manchetes de jornal” – em referência direta à Lava-Jato.

A chamada Vaza-Jato e a decisão do STF de julgar legítimas as mensagens obtidas pela Operação Spoofing pavimentaram o caminho para a anulação dos processos contra o petista e a suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos casos envolvendo o petista, mas também provocaram um efeito dominó sobre outros casos oriundos da Lava-Jato.

O salvo-conduto dado a Richa por Toffoli é, em si, um desdobramento direto da Spoofing. Os dados obtidos pela operação foram apresentados pela defesa do tucano como “fatos novos” para defender a anulação de todos os casos ligados à Lava-Jato e também à Justiça estadual.

Em junho do ano passado, o magistrado já havia beneficiado Richa ao estender ao deputado tucano o mesmo entendimento concedido pelo STF ao seu ex-correligionário e atual vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O MP paranaense, por sinal, também afirma não ter sido ouvido nesta decisão do Supremo.

No episódio, Toffoli entendeu que as ações contra o político paranaense dentro da Operação Piloto também não poderiam levar em conta provas apresentadas pela própria Odebrecht em seu acordo de leniência.

Em 2022, o então ministro Lewandowski trancou uma ação contra Alckmin que tramitava em São Paulo e apurava suspeitas de pagamento de caixa 2 às suas campanhas de 2010 e 2014 para o governo paulista pela empreiteira. A justificativa é que os diálogos da Vaza-Jato teriam demonstrado falhas na cadeia de custódia de evidências cruciais do caso Odebrecht por parte da força-tarefa da Lava-Jato.

No centro da questão está o manuseio incorreto de discos rígidos com dados dos sistemas Drousys e MyWebDay, usados pelo setor de Operações Estruturadas na Odebrecht, conhecido como “departamento da propina”. Um laudo da PF, no entanto, já comprovou que não houve violação dos dados.

Toffoli é o signatário de outras duas decisões monocráticas controversas baseadas na Spoofing no ano passado: a anulação das provas do acordo de leniência da Odebrecht, em setembro, e da multa de R$ 10 bilhões imposta ao grupo J&F em outro acordo firmado pela PGR, no apagar das luzes de 2023.

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