Malu Gaspar
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Informações da coluna

Por Johanns Eller

O ex-ministro dos governos petistas Aldo Rebelo (PDT), escolhido pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), para substituir Marta Suplicy na Secretaria de Relações Institucionais com o aval de Jair Bolsonaro, mantém laços fraternais com o grupo Nova Resistência, apontado pelos Estados Unidos como uma organização “neofascista” responsável por disseminar desinformação pró-Rússia no Brasil.

O grupo foi objeto de um relatório de 28 páginas divulgado pelo Departamento de Estado americano em outubro do ano passado. O inquérito faz parte de um monitoramento de iniciativas estrangeiras de propaganda e desinformação contra os EUA e seus aliados, entre os quais o Brasil.

O documento, revelado pelo GLOBO, aponta que a Nova Resistência “promove os objetivos geopolíticos do Kremlin de desestabilizar as democracias e minar a ordem internacional” e que seus integrantes têm proximidade com o governo russo e o filósofo Alexander Dugin, espécie de “guru” do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ambos alvos de sanções dos EUA.

No Brasil, o grupo foi classificado em 2021 pelo Banco Central e pelo Centro de Controle de Atividades Fiscais (Coaf) como uma ameaça à segurança nacional. Em uma avaliação de risco elaborada pelas instituições para coibir o financiamento ao terrorismo, a primeira do tipo no Brasil, a Nova Resistência foi listada como um “ator-ameaça” na categoria “grupos extremistas não violentos não islâmicos”, que abarca desde integralistas até neonazistas.

Aldo Rebelo palestra durante live da Nova Resistência sobre Forças Armadas e exploração da Amazônia, em março de 2023, que contou com a presença do líder do grupo, Raphael Machado — Foto: Reprodução
Aldo Rebelo palestra durante live da Nova Resistência sobre Forças Armadas e exploração da Amazônia, em março de 2023, que contou com a presença do líder do grupo, Raphael Machado — Foto: Reprodução

Isso não impediu Aldo Rebelo de participar regularmente de lives e eventos organizados pelo grupo, nos quais não economiza elogios às suas atividades, após o alerta do Banco Central e do Coaf. Em novembro de 2022, por exemplo, compareceu pessoalmente a um congresso da organização em São Paulo, onde discursou e posou para fotos com os integrantes, entre eles o líder do grupo, Raphael Machado.

Meses antes, em maio de 2022, participou de uma live da organização na qual elogiou fortemente a atuação do grupo.

“Quero destacar, em primeiro lugar, enaltecer, exaltar, reconhecer, o esforço que a Nova Resistência faz no conhecimento do nosso país em ajudar a construir um pensamento nacionalista”, disse o ex-ministro durante a transmissão no canal oficial da organização.

Além disso, Rebelo foi um dos seletos candidatos apoiados pela Nova Resistência a nível nacional nas eleições de 2022. Ele disputou o Senado por São Paulo pelo PDT e acabou em sétimo lugar, não sendo eleito. As teses do ex-comunista também são divulgadas amplamente no site da organização, que está hospedado na Rússia, segundo as autoridades americanas.

Procurado desde a última quinta-feira para comentar sua ligação com a Nova Resistência, o futuro secretário de Relações Internacionais de São Paulo não retornou às ligações e às mensagens da equipe da coluna até o fechamento deste texto. O espaço segue aberto.

Integrantes da entidade encontraram abrigo no PDT de Aldo Rebelo, mas acabaram expulsos da legenda trabalhista após militantes denunciarem por mais de um ano a atuação do grupo com bandeiras contrárias às do partido e da esquerda – a sigla justificou as expulsões pelo veto estatutário à participação em grupos de militância sem ligação com a legenda.

Como adiantou o colunista Lauro Jardim, Rebelo foi convidado por Ricardo Nunes para assumir a Secretaria de Relações Internacionais durante uma reunião na última terça-feira e aceitou a empreitada. Isso o coloca em rota de colisão com o PDT, que apoia a pré-candidatura do principal rival do emedebista, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). Para assumir o cargo, ele se licenciará do partido.

A costura contou com o aval de Jair Bolsonaro, hoje o principal ativo da estratégia de reeleição do prefeito, como também noticiou O GLOBO. Marta Suplicy, sua antecessora na pasta, deixou o cargo após aceitar compor chapa com o parlamentar do PSOL e deve se filiar ao PT no próximo dia 2.

Na data do encontro entre Rebelo e Nunes, antes do convite para integrar a prefeitura ser revelado pela imprensa, lideranças da Nova Resistência já compartilhavam no X, o antigo Twitter, conteúdos elogiosos ao prefeito paulistano e disseminavam postagens críticas a Boulos que classificavam o pré-candidato, entre outras coisas, de “globalista”.

Após a oficialização, houve celebração entre os integrantes da organização nas redes sociais.

“São Paulo ganha MUITO com essa escolha. Infelizmente, o PDT não sabe aproveitar os poucos bons quadros que tem”, escreveu Raphael Machado, líder da Nova Resistência.

Os laços entre Rebelo e a controversa organização chamam atenção no contexto em que o pedetista deve assumir uma pasta cuja principal atribuição é realizar a interlocução entre a prefeitura de São Paulo e entes do exterior – como países, estados, cidades e empresas.

O relatório do Departamento de Estado dos EUA situa o grupo como parte de uma rede internacional com atuação na Europa e na América do Norte. A célula brasileira da Nova Resistência seria, segundo os americanos, “a mais desenvolvida e ativa” do mundo.

As plataformas da Nova Resistência no país, ainda segundo o inquérito dos Estados Unidos, “publica regularmente materiais de desinformação pró-Kremlin e pró-autoritarismo” com “conteúdo e timing” compatíveis com aqueles replicados por canais com ligações comprovadas com a inteligência da Rússia – incluindo conteúdos falsos sobre vacinas e a pandemia de Covid-19.

A investigação dos americanos também destaca a proximidade da Nova Resistência com o russo Alexander Dugin. O conselheiro de Putin, que já escreveu artigos para o site da organização e participou de conferências virtuais, é autor da chamada Quarta Teoria Política – citada expressamente no relatório de ameaças nacionais do Banco Central e do Coaf.

Baseada no livro de mesmo nome lançado em 2009, a tese defende um novo modelo político que superaria as três outras teorias da modernidade, na concepção de Dugin – o liberalismo, o comunismo e o fascismo – em oposição ao Iluminismo e ao Ocidente. No contexto europeu, suas teses serviram de base para a defesa do expansionismo russo capitaneada por Putin na invasão da Ucrânia.

Para o Departamento de Estado dos EUA, ao eleger conceitos vagos como a “modernidade” e “globalismo” como inimigos, Dugin e seus seguidores, como a Nova Resistência, são capazes de alienar grupos de extrema-esquerda e extrema-direita com o objetivo de desestabilizar democracias e o desenho geopolítico global formado a partir do fim da Segunda Guerra.

Seu papel de “guru” de Putin é comparado à figura de Olavo de Carvalho, morto em 2022, no contexto do bolsonarismo no Brasil. Os dois, que compartilham da oposição ao chamado “globalismo”, já realizaram um seminário juntos em 2011, como mostrou O GLOBO, e compartilhavam da mesma sanha contra o fantasma do “Ocidente”.

Em 2021, Rebelo publicou um livro que, desde então, se tornou referência para a Nova Resistência. O título “O Quinto Movimento” e a própria obra são uma alusão descarada à Quarta Teoria Política de Dugin em uma espécie de versão brasileira, adaptada ao contexto local.

Em maio de 2023, o ex-ministro fez uma defesa de Putin no X ao compartilhar uma notícia do ano anterior sobre os elogios de Bolsonaro à suposta defesa da soberania da Amazônia pelo presidente russo.

“O retrato da desorientação: o herói de ontem pode ser facilmente o vilão de hoje. O que leva setores da direita à militância anti-Putin? As mesmas razões do globalismo que dizem combater?”, escreveu Rebelo, no contexto em que Lula era criticado pelo bolsonarismo em razão da relação ambígua com o líder russo em meio à guerra na Ucrânia.

“Posicionamento irrepreensível”, respondeu o líder da Nova Resistência, Raphael Machado.

Rebelo ainda não adiantou qual perfil pretende adotar em sua gestão na prefeitura de São Paulo. Mas sua cruzada aos “globalistas” soa como música para os ouvidos de Bolsonaro, pressionado pela cúpula do PL a apoiar a reeleição de Ricardo Nunes e reticente em relação ao compromisso do prefeito com as bandeiras conservadoras.

O mesmo não pode ser dito sobre Rebelo, que, embora tenha sido filiado ao PCdoB por 40 anos e tenha ocupado cargos de destaque nos primeiros governos Lula e na era Dilma Rousseff, carrega diversas pautas em comum com Bolsonaro – com quem mantém “boa relação”, segundo aliados do ex-presidente.

O ex-ministro conduziu nos últimos anos uma guinada ao conservadorismo que por vezes converge com a Nova Resistência e com as bandeiras de Bolsonaro. Mais recentemente, classificou como “fantasia” a tese de que os atos terroristas do 8 de janeiro consistiram em uma tentativa de golpe contra Lula.

Assim como Bolsonaro, Rebelo defende a exploração da Amazônia, a mineração em terras indígenas e adota o mesmo discurso conspiracionista sobre o suposto conluio de organizações não governamentais (ONGs) estrangeiras no bioma em prejuízo à soberania brasileira.

Em entrevista ao GLOBO em janeiro do ano passado, acusou o PT de propagar uma “agenda identitária” que “divide o país”.

Rebelo também defendeu enfaticamente o legado do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, indicado e reconduzido por Bolsonaro e criticado pela inércia diante da condução desastrosa do governo federal na pandemia.

A fala ocorreu em um documentário do Ministério Público Federal (MPF) sobre a gestão de Aras e foi compartilhada pelo então PGR no dia em que ele deixou o cargo, em setembro do ano passado.

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