Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Malu Gaspar e Johanns Eller

A Petrobras abriu uma investigação interna contra o presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, que é funcionário da companhia, a pedido do conselho de Administração, depois de fazer duas críticas a executivos da empresa nas redes sociais.

O pano de fundo das trocas de acusações é a venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, para um fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos durante o governo Jair Bolsonaro. A FUP afirma que a refinaria, rebatizada de Mataripe após a privatização, foi vendida aos árabes abaixo do preço de mercado e tem batido pesado em executivos que participaram das negociações nas gestões anteriores.

A Petrobras pretende recomprar 51% das ações do fundo árabe Mubadala para reincorporar a refinaria aos ativos da estatal, como mostrou O GLOBO na semana passada.

Após a publicação da reportagem, a FUP anunciou que solicitará à estatal a abertura de uma investigação pelo que chamou de “conduta antiética de funcionários de alto escalão da empresa, que vazaram informações de um processo que, por sua natureza, deveria correr em sigilo”.

Segundo apurou a equipe do blog, o tom das críticas incomodou conselheiros do colegiado, que viram na conduta do funcionário possíveis infrações ao Código de Conduta Ética da Petrobras e pediram a abertura de um procedimento disciplinar.

O documento prevê, por exemplo, sanções disciplinares à quebra de decoro profissional nas redes sociais que possa prejudicar a imagem e a reputação da companhia – inclusive a rescisão do contrato de trabalho, em casos extremos.

O dirigente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — Foto: Ricardo Stuckert/PR
O dirigente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — Foto: Ricardo Stuckert/PR

Em um vídeo publicado no Instagram, Bacelar chegou a pedir a saída do gerente-executivo de Energia Renovável da gestão Prates, Daniel Pedroso, que teria participado das tratativas de venda da refinaria.

Após pressão da federação, a Petrobras abriu no início de janeiro uma investigação para apurar supostas irregularidades na privatização do ativo.

Além disso, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou também no mês passado um relatório que concluiu que a refinaria teria sido vendida abaixo do valor de mercado. A refinaria foi vendida por R$ 1,8 bilhão em 2021, na gestão de Roberto Castello Branco, com aval do Tribunal de Contas da União (TCU).

No ano passado, parlamentares da base de Lula e sindicalistas disseminaram a tese de que as joias presenteadas pela Arábia Saudita a Bolsonaro – e omitidas da Receita Federal e do patrimônio do Palácio do Planalto – serviram de propina para a privatização da estrutura da Petrobras para compensar o trâmite desfavorável à petroleira nas negociações com o fundo Mubadala.

O burburinho em torno do relatório da CGU ocorreu em meio a rumores no mercado de que a gestão Prates pretende comprar a RLAM, a mais antiga do Brasil.

“Nós estamos com a CGU dizendo que há problemas nesse processo de venda e o Daniel Pedroso estava no meio dessa baderna toda. Tá na hora dele sair”, declarou em um vídeo publicado no Instagram no dia 5 de janeiro, na mesma data em que a Petrobras anunciou a abertura da investigação sobre a privatização da refinaria.

“Ele ajudou em todo esse processo de privatização e ainda é gerente-executivo na Petrobras. Infelizmente, o diretor [de Transição Energética e Sustentabilidade] Maurício Tolmasquim, companheiro nosso, professor da UFRJ, que está à frente da diretoria de transição energética, colocou o Daniel Pedroso ao seu lado”.

Em outro trecho, o presidente da FUP enfatiza que Pedroso deveria ser afastado “imediatamente, porque ele pode esconder informações” relativas à apuração interna sobre a venda da Landulpho Alves.

Questionada sobre o andamento do inquérito, a companhia informou que não poderia se manifestar “sobre a existência ou não” de apurações internas em curso. A existência da apuração, no entanto, foi confirmada à equipe do blog por três fontes do alto escalão da estatal. Nós também apuramos que a investigação estaria parada na Diretoria de Governança e Conformidade.

Procurado através da assessoria de imprensa da FUP, Bacelar afirmou, por meio de nota, que não foi notificado oficialmente sobre a apuração e manifestou “estranheza” em relação ao vazamento do processo para a imprensa antes de tomar conhecimento sobre o caso enquanto funcionário e objeto do inquérito.

“Quando eu for notificado, a defesa analisará se se trata de abuso de autoridade do denunciante ou de tentativa de intimidação contra a liberdade de manifestação e de expressão de um dirigente sindical”, declarou o presidente da FUP.

O quiproquó dentro da alta gestão da Petrobras é um banho de água fria sobre os esforços do CEO, Jean Paul Prates, de se equilibrar entre a defesa dos executivos que integraram a gestão da Petrobras no governo Bolsonaro na mira da FUP e o apoio da entidade sindical à sua gestão.

Como publicamos no blog em março do ano passado, Prates se cercou de aliados e quadros ligados à FUP na composição de sua equipe na presidência da Petrobras em meio a uma diretoria ainda remanescente da era bolsonarista.

Em novembro, Deyvid Bacelar e a FUP cobraram publicamente a demissão de “diretores e gerentes da Petrobras que são alinhados ao governo Bolsonaro”. Dois dias depois, Jean Paul Prates divulgou um longo vídeo nas redes sociais elencando uma série de recados aos companheiros sindicalistas.

O presidente da estatal, visivelmente incomodado, argumentou que a mudança “de visão do Brasil e da Petrobras” não mudaria abruptamente e comparou a petroleira a um “transatlântico” incapaz de dar um cavalo-de-pau.

“Não é de uma hora para a outra. Não é chegar aqui, bater na mesa e dizer ‘fora esse, fora aquele, troca aqui e acolá e vamos fazer tudo diferente’”, disse o CEO na época.

Em uma referência quase explícita às demandas da FUP, Prates disse que não toleraria “linchamento moral, político e justiçamento” dentro da Petrobras e, em referência à Operação Lava-Jato, defendeu que eventuais denúncias sejam acompanhadas do amplo direito à defesa dos acusados:

“Não vamos fazer injustiça com as próprias mãos. E não vamos permitir que se faça isso. É bom que fique bem claro. Enquanto estivermos aqui, isso não vai acontecer. Porque foi isso que aconteceu com a gente [PT], com o presidente Lula. Nós não somos esse tipo de gente. Qualquer pessoa que quiser acusar alguém, acuse formalmente”.

Os recados foram ignorados por Bacelar, que não economizou críticas a Pedroso após a divulgação do relatório da CGU que aponta supostas irregularidades na venda da RLAM. O documento também reacendeu a hipótese de que a privatização tem relação com as joias sauditas entregues a Bolsonaro, impulsionada por aliados próximos do presidente Lula.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a investigação do suposto elo. Além disso, segundo o blog da jornalista Andréia Sadi no G1, a Polícia Federal (PF) – que investiga o caso das joias – decidiu apurar se há alguma conexão entre os fatos.

O argumento dos defensores da tese é que as joias foram dadas a Bolsonaro durante um périplo do então presidente pelo Oriente Médio, que incluiu visitas tanto aos Emirados Árabes quanto à Arábia Saudita em novembro de 2021 - mesmo mês em que o acordo final foi selado entre a Petrobras e o Mubadala.

Só que o contrato de venda foi assinado em março, oito meses antes da viagem. Além disso, não há até o momento qualquer elemento concreto ligando o fundo dos Emirados Árabes Unidos ao governo saudita. No campo do petróleo, inclusive, as duas monarquias absolutistas já viveram disputas tensas no âmbito da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Somente uma apuração séria e independente, no formato que Prates disse prezar ao advertir a FUP em novembro do ano passado, poderá esclarecer em definitivo o que é fato e o que se resume a uma cortina de fumaça.

Mas, considerando o nível de ruído em torno do assunto, há o risco das narrativas políticas imperarem sobre fatos concretos, o que cairia como uma luva para o governo Lula. Além de servir como álibi para a recompra da RLAM, a tese está em harmonia com o revisionismo dos escândalos que assolaram a Petrobras na década passada. O simbólico retorno das obras na refinaria Abreu e Lima está aí para provar.

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