Malu Gaspar
PUBLICIDADE
Malu Gaspar

Análises e informações exclusivas sobre política e economia

Informações da coluna

Por Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura — Brasília

Em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (26), empresas que fecharam acordo de leniência ao longo dos últimos anos em operações como Lava-Jato e Greenfield negaram ter sofrido coação para fechar os acordos que incluíam o pagamento de multas milionárias.

A audiência de duas horas ocorreu a portas fechadas e foi convocada pelo ministro André Mendonça, relator de uma ação movida pelo PSOL, PCdoB e Solidariedade, que pede a suspensão dos pagamentos das multas e a repactuação das condições dos acordos de leniência firmados por empresas investigadas no âmbito da Lava-Jato.

O argumento central da ação é de que os acordos teriam sido feitos sob “absoluta coação”, num contexto que configuraria um “Estado de coisas inconstitucional”. A petição inicial menciona 19 vezes a suposta “coação”.

Diante de Mendonça, porém, nenhuma das empresas sustentou esse mesmo argumento. De acordo com relatos de cinco participantes obtidos pela equipe da coluna, antes de começar a discussão, o ministro disse que a conciliação não servirá para “revisionismo histórico” e pediu que cada empresa dissesse se sofreu ou não coação para fechar seus acordos.

Representantes da Samsung, Braskem, UTC, CR Almeida e e Andrade Gutierrez disseram explicitamente que não. Os demais não responderam claramente à pergunta ou tergiversaram. Além de Camargo Correa e Novonor (ex-Odebrecht), estão nesse rol Nova Engevix, Coesa, SOG Óleo e Gás, Metha e Companhia Paranaense de Construção.

Em sua fala, um dos advogados que assinam a ação, Walfrido Warde, negou que as empresas tivessem dito o que não queriam, por exemplo. E disse que adotava para definir coação a compreensão do jurista Pontes de Miranda. Segundo a descrição feita pelo advogado na reunião, de acordo com esse entendimento, se há uma situação em que o alvo da investigação não tem outra saída – como no caso das empreiteiras, que ficaram impedidas de fechar contratos com o setor público por conta dos processos por corrupção –, está caracterizada a coação.

Segundo a equipe da coluna apurou, alguns advogados citaram ainda um “contexto difícil” na época em que os acordos foram fechados e um deles citou expressamente a “perseguição do Ministério Público”.

Um dos representantes da Camargo Corrêa, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, que integra o grupo Prerrogativas, disse que as empresas gostariam de “reenquadrar alguns delitos”, mas que não considerava isso um revisionismo histórico. Mendonça, porém, disse que não aceitaria refazer os relatos.

A “tese da coação” foi aceita recentemente por outro ministro do Supremo, Dias Toffoli, no âmbito de uma reclamação movida pelo presidente Lula para obter acesso às provas do acordo de leniência da Odebrecht. O caso ganhou novos contornos após virem à tona as mensagens obtidas ilegalmente pelo hacker Walter Delgatti Netto, conhecido como hacker de Araraquara, no bojo da Operação Spoofing, que invadiu o celular do ex-juiz federal Sergio Moro.

Em uma das decisões tomadas nesse processo, Toffoli chegou a se referir à Lava-Jato como “pau de arara do século XXI” . Entre dezembro do ano passado e fevereiro deste ano, o ministro suspendeu o pagamento das multas da Odebrecht e da J&F nos acordos de leniência firmados com o Ministério Público Federal. Ele aceitou o argumento dessas empresas de que seus acordos não teriam sido fechados com “voluntariedade”.

Mas na audiência de segunda-feira, nem mesmo essas duas empresas repetiram o argumento. Segundo relatos, a J&F tergiversou a respeito da coação, mas insistiu que há erros de cálculo no seu acordo, tese já contestada pela PGR – que também estava representada na audiência pelo próprio procurador-geral, Paulo Gonet.

Os acordos com a Advocacia-Geral da União e com a Controladoria-Geral da União (CGU) foram fechados em negociações conjuntas com o MPF, mas de acordo com Toffoli eles continuam válidos.

Na audiência com Mendonça, a AGU se mostrou aberta à conciliação. Em uma curta intervenção, o ministro da CGU, Vinicius Carvalho, se limitou a dizer que estava à disposição para analisar os pedidos de renegociação dos acordos.

Durante a audiência, André Mendonça alertou que, caso as empresas faltem com boa-fé, está prevista a perda dos benefícios e a rescisão dos acordos.

“É hora de elas tentarem negociar para saírem de uma situação que as inviabiliza. Espera-se que elas aproveitem a oportunidade com colaboração e boa-fé”, diz uma fonte que acompanha de perto o caso.

O ministro André Mendonça também ouviu queixas das empreiteiras, que alegam ter acumulado prejuízos por causa da operação Lava Jato e sustentam que estão sem condições de pagar o valor das multas, acertado em uma época em que o faturamento delas seria maior.

As empresas defendem, por exemplo, abrandar a classificação dos delitos confessados no acordo – como passar a considerar que doações ilegais de campanha eram apenas “caixa 2” e não contrapartida ou propina por vantagens em contratos com o setor público.

Isso é importante para as empresas porque mudaria o peso desses crimes no cálculo da multa e poderia reduzir os valores – além é claro, de abrir espaço para “mudar a versão da história” e refazer a narrativa a respeito do que se passou em cada caso .

De acordo com os relatos obtidos pela equipe da coluna, Mendonça não se opôs a debater essa mudança e também não rejeitou abater os prejuízos fiscais das multas.

Mas as questões específicas de cada acordo terão que ser negociadas diretamente pelas empresas com cada instituição envolvida nos próximos 60 dias. Só depois disso é que se saberá que rumo vai tomar a ação – e até onde ainda pode prosperar a tese da coação.

Mais recente Próxima Fala de Bolsonaro na Paulista será usada pela PF como evidência de minuta do golpe