Malu Gaspar
PUBLICIDADE
Malu Gaspar

Análises e informações exclusivas sobre política e economia

Informações da coluna

Por Malu Gaspar e Johanns Eller

O general e candidato a vice de Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto (PL), não foi o único ministro palaciano a pressionar a cúpula do Exército a aderir a um plano de golpe de estado após a vitória de Lula nas eleições de 2022. O general e ex-ministro interino da Secretaria-Geral Mário Fernandes, investigado pela Polícia Federal (PF) na operação Tempos Veritatis, também participou da ofensiva com a divulgação de uma carta aberta pedindo ruptura institucional que circulou nas redes bolsonaristas e em grupos de oficiais das Forças Armadas.

Fernandes, que foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, estava na reunião gravada em vídeo em que Bolsonaro exortou seus ministros a agirem contra o TSE e o sistema eleitoral brasileiro. Na delação firmada com a Polícia Federal e homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ajudante de ordens Mauro Cid define o general Mário, seu nome de guerra, como um dos militares mais radicais do núcleo golpista e defensor “incisivo” de um golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder. Fernandes foi alvo de busca e apreensão na última quinta-feira (8).

Na reunião, que ocorreu em julho de 2022, Fernandes, que era então o ministro interino da Secretaria-Geral, disse a Bolsonaro que era preciso agir logo, porque o segundo turno estava próximo, haveria pressão internacional para que o resultado das urnas fosse aceito e o risco de a população pensar que não houve fraude nas eleições, e portanto seria melhor “assumir um pequeno risco de conturbar o país” do que aguardar pelo “day after”.

Em sua fala, Fernandes chega a afirmar que seria preciso agir antes que uma “segunda alternativa” seja tomada e menciona 1964, o ano do golpe militar que instaurou a última ditadura no Brasil. “Porque no momento que acontecer, é 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo o que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado”.

De acordo com a PF, Fernandes, que antes de ir para a reserva havia chefiado o Comando de Operações Especiais (Copesp) do Exército em Goiânia, foi acionado pelo núcleo golpista do Planalto em dezembro para tentar convencer o chefe do comando, Carlos Alberto Rodrigues Pimental, a aderir ao plano de golpe.

Isso porque Fernandes já esteve à frente da mesma divisão do Exército. Em um dos diálogos interceptados pela PF, um homem identificado como Coronel Élcio justifica o caráter estratégico do Copesp por ter “a tropa na mão” em conversa com outro interlocutor, o coronel Laércio Virgílio.

Foi nessa mesma época que o general Mário Fernandes dobrou a aposta em uma carta aberta dirigida especificamente a Freire Gomes e distribuída em grupos de WhatsApp bolsonaristas, em que defende que o momento de reagir à iminente transição de poder para Lula seria “agora ou nunca mais”.

Segundo uma fonte da equipe do blog que recebeu a mensagem e a arquivou em seu aparelho, o texto circulou às vésperas da diplomação de Lula como presidente eleito, em 12 de dezembro – mesmo dia em que Brasília foi alvo de tumultos, com quebra-quebra e queima de veículos promovidos por bolsonaristas acampados na capital federal clamando por um golpe.

Na mensagem, Fernandes diz que uma auditoria nas urnas é “urgente” e deveria ser “imposta ao Judiciário”. Quando a mensagem foi enviada, em dezembro, manifestantes já se aglomeravam nas portas de quartéis pelo país, pedindo intervenção militar.

O general se refere a eles no texto: “E talvez o senhor concorde comigo, COMANDANTE”, quanto ao fato de que as atuais manifestações tendem a recrudescer, propiciando eventos disparadores a partir da ação das Forças de Segurança contra as massas populares”.

E prossegue: “ Precisamos tomar as rédeas da situação, COMANDANTE! O respaldo popular está aí e se prosseguirmos na atual passividade, corremos o risco de perder tanto o apoio como a histórica confiança de nossa sociedade!” (leia a íntegra do texto no final desta reportagem)

De acordo com a representação da PF a Alexandre de Moraes, a resistência de Freire Gomes a apoiar o plano antidemocrático foi um dos principais obstáculos ao plano do núcleo de oficiais de alta patente de utilizar as Forças Armadas para dar um golpe de estado.

Freire Gomes não foi alvo da operação da PF na semana passada, mas será ouvido pela PF porque detalhar sua atuação nos bastidores naquele período será crucial para elucidar o papel das Forças Armadas no planejamento levado a cabo pelos bolsonaristas.

A carta do general Mário, que não consta da representação da PF, demonstra como os generais utilizavam as redes sociais como instrumento de mobilização da tropa.

Fernandes se refere a Freire Gomes como comandante – em caixa alta – durante toda a carta, com exceção do desfecho, no qual chama o dirigente do Exército de “kid preto” – um apelido dado aos integrantes das Forças Especiais do Exército pelo gorro utilizado em suas operações. O então comandante serviu no 1º Batalhão das chamadas FE.

De acordo com as investigações, os kids pretos eram uma peça-chave nos planos de golpe e participaram da ação que levou à invasão das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.

Mas Freire Gomes, segundo os próprios investigados afirmam nas mensagens captadas pela PF, “negou porta” ao golpe.

Por isso, o ex-ministro Walter Braga Netto (PL) o definiu como “cagão” em uma das conversas com o capitão reformado Ailton Barros, expulso do Exército após uma sindicância interna por razões disciplinares.

Os diálogos sugerem que os esforços pela cooptação do Alto Comando do Exército, incluindo Freire Gomes, se estenderiam ao longo do mês. No mesmo período em que a carta de Mário Fernandes circulou na bolha bolsonarista, Barros entrou em contato com Mauro Cid indagando se “FG”, em referência ao comandante do Exército, havia voltado “a negar porta”, em referência aos apelos antidemocráticos.

“Voltou”, respondeu Cid, ao que Ailton Barros retornou com um xingamento a Freire Gomes.

No roteiro do golpe, o ministro Alexandre de Moraes seria preso em São Paulo no dia 18 de dezembro, culminando na ruptura democrática. No dia seguinte, seria lido um decreto de garantia da lei e da ordem (GLO) que delinearia o regime de exceção.

A reportagem tentou contato com o general Mário Fernandes para comentar as mensagens e as afirmações da representação da PF, mas não obteve resposta. O espaço permanece aberto para manifestação.

'Veja a íntegra da mensagem do general Fernandes, mantida na sua redação original:

"Boa noite, COMANDANTE...

Ao cumprimenta-lo cordialmente, reforço, uma vez mais, a grande honra de tê-lo à frente dos destinos de nosso Exército, particularmente neste momento em que nenhum outro nome seria tão líder e capaz para tal Missão. Destaco também, COMANDANTE, a minha condição de seu eterno aluno e subordinado, cuja lealdade e confiança, a qualquer tempo ou por qualquer motivo, jamais serão abaladas!

COMANDANTE, eu gostaria, inicialmente, de reforçar ao Sr que mantenho minhas esperanças no Relatório da Defesa, instrumento este que, ao menos, deverá manter acesa a chama que atualmente estimula o clamor de nossa Sociedade! Clamor este que brada a indignação de nosso Povo, tanto com a manobra jurídica que anulou a condenação do Sr LULA, como com sua elegibilidade para concorrer ao mais importante Cargo desta grande Nação... O que foi alcançado por meio de um Sistema Eleitoral vulnerável, não transparente e totalmente fraudável.

COMANDANTE, os nossos pais viveram momentos tão tenebrosos como o que vivemos hoje, e como no passado, as nossas Instituições devem compreender que a vontade popular é a base da Democracia e que um apelo social tão significativo não pode simplesmente ser taxado como um Ato Antidemocrático, sendo desconsiderado e censurado. Uma AUDITORIA urgente deve ser imposta ao Judiciário, ao recente Pleito Eleitoral e aos Sistemas Integrados de Recursos Humanos, Hardware e Software da Justiça Eleitoral... Pelo simples motivo de que nossa Constituição Federal prevê “contagem pública” de votos!

Igualmente, COMANDANTE, por outro lado, a Sociedade Brasileira deve compreender que Instituições como as nossas Forças Armadas são de Estado, e como tal, com base em sua história e servidões, jamais poderão intervir em qualquer processo no País, sem uma base de apelo social e de amparo legal que justifique tal ato. Assim, contamos com um Evento Disparador, como no passado!

E talvez o Sr concorde comigo, COMANDANTE, quanto ao fato de que as atuais manifestações tendem a recrudescer, propiciando eventos disparadores a partir da ação das Forças de Segurança contra as massas populares, com uso de artefatos como gás lacrimogêneo e Gr de efeito moral… Tudo isto, bem próximo ou em nossas áreas militares!

Questões jurisdicionais vão ocorrer e o STF/TSE, seguramente, logo determinará a ação de Forças de Segurança em nossas áreas... Mas por enquanto, diferente da ações da VPR no passado, ações que vitimaram o Sgt MARIO KOZEL, o povo apenas canta o Hino Nacional e reverencia nossa Bandeira! Será que não é o momento de nos posicionarmos e cobrarmos da Justiça a postura que lhe é devida!

Desculpando-me pelo desabafo, General, eu acredito que nós seguimos discutindo política como se estivéssemos falando de futebol, sendo que uma ruptura institucional já ocorreu há muito tempo entre os Poderes. Precisamos tomar as rédeas da situação, COMANDANTE! O respaldo popular está aí e se prosseguirmos na atual passividade, corremos o risco de perder tanto o apoio como a histórica confiança de nossa Sociedade!

Com o atual Governo, existem, além do Sr, diversos Oficiais Generais e competentes Civis, todos indiscutivelmente PATRIOTAS, dedicados a um futuro digno para esta Nação. Com LULA, quantos serão? Não seremos mais ouvidos! Quem mais se preocupa com o destino desta Nação não se sentará mais à mesa das decisões! Que pressões sofrerão as nossas Forças Armadas? Nós nos conhecemos, COMANDANTE, não admitiremos o que está por vir... E reagiremos! Então, porque não reagir agora?

É agora ou nunca mais, COMANDANTE, temos que agir! E não existe motivação maior do que a proteção e o futuro desta Grande Nação e de seus filhos… Os nossos filhos!

Por fim, KID PRETO, permita-me reforçar, que eu não possuo honra maior em minha vida, do que a de pertencer ao Exército de Caxias, e que este Soldado das Operações Especiais sempre lhe dedicará lealdade e confiança incontestes. Reforçar, ainda, COMANDANTE, que somos Aves de mesma Plumagem, que voam e pensam juntas, e cujo sacrifício pela Pátria não é apenas uma rotina, mas sim, a nossa motivação! Sempre juntos... Força!!!

Gen MARIO"

Mais recente Próxima Pistas da PF mostram que apuração sobre golpismo precisa ir fundo em segredos militares