Malu Gaspar
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Informações da coluna

Por Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura — Rio e Brasília

Em depoimento prestado à Polícia Federal, o ex-comandante do Exército Marco Antonio Freire Gomes disse que se amparou em um parecer jurídico do próprio governo para não desmobilizar os acampamentos que se espalhavam na porta dos quartéis após a apertada derrota de Jair Bolsonaro nas últimas eleições.

O parecer citado pelo general diz que as Forças Armadas não têm atribuição de cuidar da segurança pública, e por isso, de acordo com fontes ligadas à investigação, Freire Gomes afirmou à PF que não havia base jurídica para a remoção dos manifestantes, já que nunca houve uma ordem da Justiça para que ele o fizesse.

Segundo a equipe da coluna apurou, o parecer em questão é da consultoria jurídica do Ministério da Defesa, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela defesa dos interesses do governo.

O documento foi elaborado em 5 de julho de 2019, ou seja, mais de três anos antes da aglutinação de militantes bolsonaristas em acampamentos ao redor dos quartéis de todo o país, especialmente em Brasília, palco da invasão e depredação da sede dos três poderes.

Era uma resposta aos questionamentos do Comando da Aeronáutica sobre os limites de atuação das Forças Armadas nas áreas ao redor dos quartéis, tendo como objetivo a preservação da segurança de suas instalações.

Conforme o documento, as funções das Forças Armadas são a defesa “da pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, em casos excepcionais, da lei e da ordem, não lhes incumbindo, portanto, atividades típicas de segurança pública.”

Freire Gomes depôs à PF durante quase oito horas na última sexta-feira (1). Ele deu detalhes sobre as reuniões com os ex-comandantes em que Bolsonaro apresentou uma minuta de golpe e afirmou que se opôs a toda e qualquer tentativa de impedir a posse de Lula não só diante do presidente mas também em discussões reservadas com generais no Ministério da Defesa.

O ex-comandante do Exército relatou também ter avisado a Bolsonaro que não havia sido encontrada nenhuma irregularidade ou fraude nas urnas eletrônicas.

No caso dos acampamentos, Freire Gomes citou o parecer como base para seu comportamento de não remover os acampamentos, muito criticado à época.

O parecer citado por Freire Gomes em seu depoimento na última sexta-feira (1) afirma que “os militares das Forças Armadas, que não são policiais e tampouco estão inseridos no art. 144 da Carta Magna como integrantes de órgão de segurança pública”.

No documento, a advogada da União Leyla Andrade Veras afirma que “o argumento de manutenção da ordem ou segurança pública não enseja o dever legal de realização de prisão em flagrante delito em caso de crimes comuns por parte da Marinha, o Exército ou a Aeronáutica na área de servidão militar.”

A consultoria jurídica conclui que essa tarefa caberia a autoridades policiais e não ao Exército.

Procurada pela equipe da coluna, a defesa de Freire Gomes informou que não se manifestaria.

Conforme informou o blog, logo no início da mobilização, após o resultado do segundo turno, Freire Gomes foi cobrado por colegas da caserna sobre os riscos de manter os acampamentos. O Exército chegou a suspender operações conjuntas com o governo do Distrito Federal para retirar as tendas e instalações do local, sob a alegação de risco de confronto com os manifestantes.

Na época, o general teria dito que as manifestações não durariam e que bastaria esperar que elas se dissolveriam sozinhas. Não só duraram dois meses como funcionaram como ponto de partida para as invasões golpistas de 8 de janeiro.

Em novembro, quando os acampamentos já se espalhavam por todo o país para contestar a vitória de Lula nas urnas, Freire Gomes assinou uma nota pública em conjunto com os ex-comandantes da Marinha, Almir Garnier, e o da Aeronáutica, Carlos Eduardo Baptista Júnior, defendendo o direito de manifestação e condenando tentativas de restringir esse direito.

Na época, o texto foi interpretado como uma resposta aos pedidos públicos para que se retirassem os manifestantes das portas dos quartéis.

“São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”, dizia a nota.

Logo após tomar posse, em 2 de janeiro de 2023, já sob o governo Lula, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, chegou a afirmar que os acampamentos eram “uma manifestação da democracia” e que com o passar do tempo a mobilização na porta dos quartéis ia se “esvair”.

“Eu falo com autoridade porque tenho parentes lá. No de Recife, tenho alguns amigos aqui [Brasília]. É uma manifestação da democracia. A gente tem que entender que nem todos os adversários são inimigos, a gente tem até inimigos correligionários. Eu acho que daqui um pouquinho aquilo vai se esvair e chegar a um lugar que todos nós queremos”.

No final das contas, os acampamentos chegaram ao ponto que os extremistas queriam: a invasão e a depredação da sede dos três poderes, em Brasília.

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