Depois de meses de calmaria, o relacionamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a ter ruídos. Desta vez o foco da tensão é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que dá autonomia financeira ao Banco Central.
A proposta que transforma o BC de autarquia em empresa pública, dando a ele recursos próprios e permitindo que a instituição defina sua política de pessoal sem depender da União foi feita pelo presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO).
Campos Netto a defende sob o argumento de que o banco precisa conter debandada de funcionários para o mercado privado em busca de remunerações melhores.
Haddad, porém, não só não quer nem ouvir falar no assunto como preferia que o presidente do BC não estivesse defendendo o projeto publicamente – como fez no final de fevereiro em entrevista à colunista do GLOBO Miriam Leitão e na semana passada à repórter Adriana Fernandes, da Folha de S. Paulo.
O ministro se queixou a interlocutores de que Campos Neto teria descumprido um acordo entre eles na entrevista à Folha, publicada no último sábado (2).
Na entrevista, o presidente do BC contou como foi sua conversa com o ministro da Fazenda sobre o projeto. "Eu tentei dar conforto para ele, que o BC tem flexibilidade, que a gente pode discutir, que nada vai ser feito à revelia."
Segundo o que Haddad disse a aliados, na reunião em São Paulo os dois teriam combinado de não discutir o assunto pela mídia – dias antes, Campos Netto tinha dito a Miriam Leitão que o BC estava derretendo com a perda de pessoal qualificado e defendido a PEC.
Haddad ficou contrariado com a atitude de Campos Neto. Nos bastidores, ele tem dito que considera a proposta da autonomia precipitada e afirma temer que outras autarquias, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou a Superintendência de Seguros Privados (Susep) também reivindiquem o mesmo status.
No ministério da Fazenda, a proposta é tratada jocosamente como uma tentativa de criar um "quarto poder". Auxiliares de Haddad a ironizam dizendo que o Brasil tem o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e, se a proposta for aprovada, teria o BC.
Para a equipe de Haddad, o empenho do presidente do Banco Central na proposta tem a ver com o desejo dele de deixar um legado ao deixar o banco. Sua gestão termina junto com o ano de 2024.
Haddad também não gostou de Campos Neto ter dito que todos os diretores do banco apoiam a proposta de autonomia, já que ficou subentendido que os indicados pelo governo Lula também estão a seu lado. O presidente do BC disse ainda que havia espaço para negociar o texto com o governo e o Senado.
Apesar do mal estar, Haddad preferiu não rebater Campos Neto publicamente porque, segundo ele tem dito, não quer atiçar o PT e nem o próprio presidente Lula, já que nos bastidores é um aliado no apoio a projetos da Fazenda no Congresso.
Os parlamentares do PT já declararam que vão se mobilizar contra a proposta, e a Advocacia Geral da União também considera produzir um parecer dizendo que ela é inconstitucional, caso o texto avance no Congresso.
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Procurada, a assessoria de imprensa do BC disse que não comentaria o episódio.
O relator da PEC, senador Plínio Valério (PSDB-AM) planeja apresentar seu parecer até junho. Se até lá Haddad e Campos Neto não se entenderem, o que hoje é apenas um ponto de atrito pode se transformar em mais uma crise entre o governo e o BC.