Malu Gaspar
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Um projeto de lei apresentado pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR) para tipificar novos crimes do mercado de capitais após a eclosão do escândalo das Lojas Americanas, no início do ano passado, tem preocupado os investigadores do caso.

Isso porque o texto cria um novo tipo de crime, o de induzir os investidores a erro, e estabelece para ele uma pena de dois a seis anos. Só que a legislação já prevê o tipo penal de manipulação de mercado, para o qual as penas previstas são maiores – de um a oito anos.

Esse é um dos crimes pelos quais o Ministério Público Federal e a Polícia Federal pretendem acusar os envolvidos no esquema. Os outros são insider trading, fraude contábil, lavagem de dinheiro e associação criminosa, por fraudes estimadas em R$ 25, 7 bilhões.

O temor entre os investigadores é que a aprovação do projeto na redação atual leve os acusados a apelarem a uma pena menor, sob o argumento de que a legislação mais recente se sobrepõe à antiga – o que para eles poderia vir a ser usado mesmo sem que a lei nova tenha revogado os efeitos da anterior.

Se isso de fato ocorrer, a punição para a prática de manipular o mercado "vendendo" expectativas que não se confirmam – um crime em geral cometido contra dezenas de milhares de investidores — pode acabar sendo menor do que, por exemplo, a pena máxima para crime de estelionato cometido contra um indivíduo, que é de cinco anos.

Segundo o último formulário de referência entregue pelas Lojas Americanas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) antes do esquema ser desvelado, a companhia informou ter 146,3 mil pessoas físicas entre seus acionistas, além de 2 mil pessoas jurídicas. Desde que o rombo de R$ 20 bilhões nas cifras da Americanas foi revelado, as ações caíram quase 93% e o valor de mercado despencou de R$ 10,8 bilhões para R$ 785 milhões.

Como O GLOBO publicou no último sábado, 418 acionistas minoritários brasileiros e 70 fundos americanos que investiam na empresa acionaram a Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos em busca de indenizações que podem chegar a R$ 1 bilhão.

O projeto de Moro foi aprovado pelo Senado Federal em maio do ano passado, quatro meses após a divulgação da fraude da Americanas, e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

Por ter tramitado em caráter terminativo, a pauta não precisou ser votada pelo plenário, e avançou diretamente para a Câmara dos Deputados – onde está desde o último dia 20 na mesa do presidente, Arthur Lira (PP-AL).

“A recente crise instalada pela gigantesca fraude contábil das Lojas Americanas deixa claro que a legislação é precária e insuficiente para evitar casos como este”, escreveu Moro na justificativa do projeto.

Questionado pela equipe do blog sobre a apreensão dos investigadores, Sergio Moro disse que não considera que a nova lei revogaria ou se sobreporia à atual legislação contra a manipulação de mercado.

“Os novos crimes constituem aspecto secundário da proposta e não revogam os crimes previstos na lei 10.303. O crime de manipulação de mercado permanece sem ser afetado”, afirmou o senador e ex-juiz da Operação Lava-Jato.

Moro também disse que não se opõe a modificações do texto pela Câmara para igualar na dosimetria das penas.

“Não há qualquer intenção em reduzir penas. De todo modo, não há qualquer óbice à alteração desta parte do projeto caso se entenda - o que não parece ser a hipótese - que ele afetaria o crime de manipulação de mercados”, completou o senador paranaense.

Segundo ele, o objetivo principal do projeto é assegurar a segurança de informantes que denunciam fraudes corporativas e crimes contra o mercado de capitais.

A questão da sobreposição das penas, porém, tem potencial para tumultuar os processos da Americanas.

Procurado pela equipe da coluna, um dos advogados mais experientes nesse ramo do direito avaliou sob reserva que, embora as duas leis sejam complementares e tratem sobre tipos penais distintos, as defesas de acusados pela fraude podem sim tentar fazer uso da nova legislação, caso ela entre em vigor, para tentar obter uma pena menor do que a prevista na lei de manipulação de mercados.

“Entendo o receio dos investigadores. Tudo é possível no Brasil de hoje”, resumiu.

O projeto de Moro passou na frente de outra proposta similar, curiosamente de autoria de uma senadora petista, Augusta Brito (CE), protocolado um mês antes.

Mas o texto da parlamentar cearense se ateve apenas à criação de novas tipificações de crimes contra o mercado de capitais. A matéria também previa para o novo ilícito de indução ao erro a metade da pena de oito anos hoje prevista para quem manipula investidores em operações ou para receber benefícios.

Procurada através da assessoria de imprensa da Secretaria de Articulação Política do Ceará, pasta que assumiu após se licenciar do Senado em abril passado, Augusta Brito não retornou até o fechamento desta reportagem.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
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