Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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O caráter sensível do processo do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que pode cassar o mandato de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), tem se refletido desde abril na dificuldade de convencer testemunhas a depor e até de definir a relatora do caso, descrito como “brasa viva” por alguns de seus integrantes. Mas, pela primeira vez, um integrante do colegiado verbalizou o desconforto publicamente.

Foi o caso de João Leão (PP-BA), que abriu a reunião do conselho na última terça-feira (9) a pedido do presidente do órgão, Leur Lomanto Júnior (União Brasil-BA), que se atrasou. Era o primeiro encontro do colegiado em 20 dias, reflexo direto do impasse na oitiva de testemunhas – que, como publicamos no blog, travou o andamento dos trabalhos.

Leão fez uma breve fala fora do protocolo e em tom de desabafo antes de conceder o microfone à relatora, Jack Rocha (PT-ES), que daria início à oitiva do também deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ). Tarcísio conviveu com Marielle na Câmara dos Vereadores carioca e havia sido convidado pela parlamentar capixaba.

“Eu quero dizer uma coisa aqui, senhores e senhoras. Esse é um dos pontos desse conselho e das reuniões desse conselho: que nem eu, nem os senhores, senhoras e senhoritas gostaríamos de estar aqui participando dessa reunião”, disse o deputado baiano diante do plenário esvaziado no anexo II da Câmara.

“Mas infelizmente as coisas acontecem na vida e a vida nos demonstra que nós estamos e temos que participar [das reuniões]”, completou.

Afora a relatora petista, somente deputados do PSOL, partido que move a representação contra Chiquinho Brazão, participaram da inquirição de Tarcísio. Chico Alencar (RJ), Sâmia Bomfim (SP) e Pastor Henrique Vieira (RJ) fizeram perguntas a Tarcísio. O colegiado também é composto por titulares do PL, Republicanos, MDB e PSD, que não estavam presentes.

Espécie de corregedoria de uma Câmara historicamente corporativista, o Conselho de Ética é visto dentro da Casa como uma tarefa ingrata, uma vez que as representações contra parlamentares são relatadas pelos seus próprios pares e, em caso de punições que chegam à cassação do mandato, os processos costumam expor seus integrantes ao escrutínio da opinião pública.

Mas o caso de Chiquinho Brazão, acusado de mandar matar uma parlamentar e então colega de plenário no Rio de Janeiro, é bem mais espinhoso. Nas últimas semanas, parlamentares que integram o colegiado vêm relatando à equipe do blog um clima de tensão em torno do processo. Aliados de Jack Rocha têm apontado que a relatora está mais reclusa e tem se mostrado apreensiva no cotidiano da Casa.

Talvez por isso o deputado João Leão, logo após seu desabafo, tenha feito questão de fazer uma defesa dos trabalhos do colegiado diante da relatora, de Tarcísio Motta e do próprio Chiquinho Brazão, que participou remotamente da reunião a partir da Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), onde está preso preventivamente desde março.

“Quero dizer aqui que esta Casa, este conselho, ele tem o intuito em nome do meu presidente, deputado Leur Lomanto Júnior, e esse conselho tem sido durante toda esta legislatura e outras o mais justo possível. O mais justo dentro das condições que nós temos aqui nessa Casa”, declarou Leão.

“Aqui nós absolvemos já diversos deputados que as pessoas achavam até que não era possível essa absolvição, e nós absolvemos. Mas também condenamos aqueles que praticaram um ato ilícito”, complementou, em tom de mistério.

A oitiva de Tarcísio transcorreu tranquilamente, inclusive sem perguntas dos advogados de Chiquinho Brazão presentes na reunião. O clima mudou após o início do depoimento da segunda testemunha, o servidor da Câmara de Vereadores carioca Marcos Rodrigues Martins, que assessorou Chiquinho Brazão entre 2013 e 2018, quando o então vereador se elegeu deputado e se mudou para Brasília.

Martins, que participou virtualmente e buscou ocultar o ambiente em que estava com um filtro na câmera frontal do celular, oscilou entre se descolar do caso Marielle Franco e defender o antigo chefe.

Também evitou responder a questionamentos básicos como admitir a existência de milícias no Rio, um fato público e notório e, em dado ponto, disse acreditar na inocência de Brazão ao mesmo tempo em que admitiu ter sido convencido a depor por uma irmã do deputado preso.

Um parlamentar que acompanhou a reunião do Conselho de Ética observou que, mesmo tendo aceitado depor – o convite não é mandatório –, a testemunha se mostrou apreensiva e evasiva na presença do ex-chefe.

“Ele conviveu com Brazão, foi em Rio das Pedras e diz nunca ter ouvido falar em milícia. É claro que ele foi super cauteloso, se fechou muito e não quis se comprometer com nada e nem fazer críticas aos milicianos”, comentou sob reserva. “Uma análise semiótica do depoimento dele seria riquíssima”.

Mas o clima de precaução não tem se restringido aos depoentes.

Isso porque, antes mesmo de começar a ouvir as testemunhas arroladas no processo, o Conselho de Ética já estava atrasado.

Impasse na relatoria

O impasse na definição de quem seria o relator do caso, que levou todo o mês de abril, atrasou consideravelmente os trabalhos porque os deputados que iam sendo sorteados para assumir a relatoria foram desistindo, um a um.

Bruno Ganem (Podemos-SP), Ricardo Ayres (Republicanos-TO) e Gabriel Mota (Republicanos-RR) recusaram tocar o processo alegando que estavam envolvidos com as eleições municipais ou já cuidando de outros relatórios na Câmara.

Depois, foram sorteados Jack Rocha e mais dois deputados, Joseildo Ramos (PT-BA) e Rosângela Reis (PL-MG). Mas Rosângela também se recusou. O conselho sorteou então outro nome, o de Jorge Solla (PT-BA), formando, ao acaso, uma lista tríplice apenas de petistas. Por fim, o presidente, Leur Lomanto Júnior, escolheu Jack.

Lomanto Junior admitiu ao final da reunião desta terça-feira que o encontro na próxima semana se dará pela corrida contra o relógio do processo, que está atrasado. O recesso parlamentar começa no próximo dia 17.

Como publicamos no blog, recusaram o convite para depor o atual procurador-geral da República, Paulo Gonet, a ex-PGR Raquel Dodge, que denunciou o irmão de Chiquinho, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão em 2019 por obstrução da investigação e o apontou como “arquiteto” do homicídio, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Leandro Almada, e os delegados da PF Guilhermo Catramby e Jaime Nunes, que lideraram as investigações.

Os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa se tornaram réus no Supremo Tribunal Federal (STF) como mandantes do assassinato de Marielle, morta em março de 2018 junto de seu motorista, Anderson Gomes, pelo matador Ronnie Lessa, que firmou delação premiada com a PF no início deste ano.

A velocidade do avanço do processo na Justiça contrasta diretamente com o clima de marcha lenta que tem sido a marca do processo contra Brazão no Conselho de Ética.

Em outra instância da Câmara, a votação do plenário da Casa para manter ou derrubar a prisão preventiva de Chiquinho, uma previsão do regimento interno, serviu de termômetro inicial para medir a disposição de seus pares para mantê-lo na prisão ou ignorar as acusações gravíssimas apontadas pela Polícia Federal.

Embora derrotada, a articulação a favor de Chiquinho Brazão chacoalhou os corredores do Congresso e colocou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em rota de choque com o Palácio do Planalto. A votação também serviu de pano de fundo para a disputa pela sucessão de Lira no comando da Casa, com seu braço-direito, Elmar Nascimento (União-BA), se empenhando pela soltura do ex-correligionário.

Por fim, a prisão foi mantida por 277 votos, apenas 20 a mais do que o necessário. Embora o episódio também tenha sido permeado pelo esgarçamento da relação entre o Congresso e o STF, a mobilização tampouco mobilizou deputados a monitorar de perto o processo no Conselho de Ética.

Afinal, como disse com outras palavras o deputado João Leão, ninguém quer participar de uma trama tão intrincada.

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