Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Por — Brasília

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, desconsiderou um parecer técnico elaborado pela própria PGR ao denunciar – sem obter antes uma cópia com a íntegra das imagens – os três passageiros que hostilizaram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e a família dele no aeroporto de Roma, em julho passado.

Isso porque, segundo o parecer elaborado no ano passado pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República, “a boa prática preconiza que toda a análise pericial e investigativa, sempre que tecnicamente possível, seja realizada em uma cópia de trabalho absolutamente fiel à original, justamente para evitar contaminação da evidência ou prova digital”.

Mas Gonet decidiu conferir as imagens do aeroporto indo ao gabinete do relator do caso, ministro Dias Toffoli, sem obter uma cópia das imagens, que mostram a briga de uma família paulista com Moraes em uma sala VIP do aeroporto da capital italiana.

Na ocasião, Moraes foi chamado de “bandido”, “comunista”, “ladrão” e “fraudador das eleições” – na época, o ministro do STF também presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde deixou de atuar em junho deste ano.

Toffoli autorizou no ano passado que a PGR e a família Mantovani – que nega ter agredido Moraes no episódio – pudessem assistir às imagens apenas mediante agendamento prévio e assinatura de um termo de sigilo, com acompanhamento de um servidor e somente na sede do STF.

Ou seja: tanto os acusados quanto o órgão acusador, a PGR, teriam de se deslocar até o Supremo, para, in loco, assistir às cenas, mas sem poder copiá-las – justamente o roteiro que Gonet acabou fazendo. Toffoli também impôs sigilo sobre as imagens para impedir vazamentos.

Antes de Gonet assumir o comando da PGR, em dezembro do ano passado, as restrições impostas por Toffoli foram contestadas pela gestão interina de Elizeta Ramos. A equipe de Elizeta recorreu ao parecer da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise para insistir na obtenção da íntegra das imagens, em novembro.

Segundo o parecer, a decisão de Toffoli – em vigor até hoje – “na prática, tende por inviabilizar a execução das atividades técnicas” e “vai de encontro às melhores práticas adotadas no mercado e na academia”.

“Trata-se de uma determinação tecnicamente bastante temerária e desnecessária, haja vista que o dispositivo questionado e os dados lá mantidos, por diversos fatores, poderiam ser indevidamente excluídos ou editados, intencionalmente ou não”, sustenta o parecer.

Cadeia de custódia

De acordo com a Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da PGR, o analista ou o perito, em seu próprio local de trabalho, possui em mãos “acesso pronto a todas as ferramentas, computadores de alta performance, softwares especializados, procedimentos, manuais, livros de referência, bases de conhecimento e tudo mais necessário”.

“Dessa forma, realizar as atividades de cunho pericial e/ou investigativo fora do adequado ambiente tende a inviabilizar o adequado desempenhar das atividades. Sob o ponto de vista jurídico, a realização das atividades de cunho pericial e/ou investigativo num ambiente não controlado pelos peritos/analistas poderia colocar sob questionamentos a adequada manutenção da cadeia de custódia”.

O termo “cadeia de custódia” se refere a uma série de procedimentos técnicos que devem ser empregados ao recolher vestígios de crimes. O protocolo já esteve no centro da argumentação de Dias Toffoli para anular as provas do acordo de leniência da Odebrecht na Lava-Jato, quando o ministro do STF alegou que não era possível comprová-lo e, por consequência, garantir a integridade das evidências.

Os trechos do parecer da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da PGR foram destacados pela então vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho, ao defender o direito de os investigados e do próprio Ministério Público Federal terem acesso a uma cópia das imagens que registraram o incidente no aeroporto de Roma.

“A decisão de restrição de acesso à mídia contendo imagens captadas pelo circuito de câmeras do Aeroporto Internacional de Roma macula gravemente as funções institucionais do Ministério Público de promover, privativamente, a ação penal pública e de requisitar diligências investigatórias; atinge o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, ao qual incumbe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático; e, ainda, impacta a autonomia funcional do Ministério Público", frisou Ana Borges à época.

“Não é demais assinalar que o acesso restrito a provas pelo Ministério Público e à defesa poderá levar à compreensão de que toda a dimensão do evento não foi revelada, o que obstaculizará a busca da verdade em torno dos fatos”, alertou.

A então número 2 da PGR pediu a Toffoli que a família investigada e o Ministério Público pudessem extrair uma cópia “a partir do material bruto, sem qualquer edição ou manipulação”, para que seja possível confrontar o vídeo original e a cópia, além de averiguar a cadeia de custódia. O ministro, no entanto, não cedeu.

Procurado pela equipe da coluna, o STF informou que Toffoli – em duas decisões, de setembro e outubro do ano passado – deu acesso às partes (tanto à PGR quanto à defesa dos denunciados) da mídia, ou seja, autorizou às partes assistirem às imagens. As decisões, “porém, não permitiram extração de cópia”, ressaltou o STF.

“No caso, o procurador-geral da República solicitou a visualização e isso ocorreu em computador e na sede deste tribunal”, esclareceu o Supremo.

Em nota, o advogado Ralph Tórtima Filho, defensor da família denunciada, afirmou que a acusação foi “fruto de uma investigação arbitrária, marcada por abusivas e reiteradas ilegalidades, e que merecia o arquivamento sugerido pelo próprio delegado da polícia federal que a presidiu”.

A Polícia Federal havia concluído em fevereiro a investigação sem indiciar ninguém, mas Toffoli determinou que fossem realizadas diligências complementares. Quatro meses depois, o delegado do caso foi trocado, e a PF indiciou Mantovani Filho, Andréia Munarão e Alex Zanatta por calúnia contra Moraes, pavimentando o caminho da denúncia oferecida agora.

Para o advogado, se a denúncia for recebida pelo STF, ao menos a defesa "finalmente" terá cópia das imagens do aeroporto de Roma e "com elas a verdade será restabelecida e tudo será devidamente esclarecido".

A equipe da coluna procurou a PGR ontem à noite, mas não havia obtido resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

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