Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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No centro de um cabo de guerra entre o Legislativo e o Judiciário na última semana, contido pelo acordo entre representantes dos Três Poderes na última terça-feira (20), as emendas impositivas individuais e as especiais – chamadas de Pix no jargão de Brasília – inspiraram Assembleias Legislativas de todo o Brasil a criar modalidades idênticas no formato e na falta de transparência para o repasse de recursos nos estados.

Só neste ano de 2024 os parlamentos estaduais gastarão R$ 7,97 bilhões em emendas em condições precárias de rastreabilidade e fiscalização. É o que aponta um levantamento da equipe do blog a partir de dados das plataformas de transparência dos 26 estados e do Distrito Federal.

Esse movimento ocorreu nos últimos quatro anos, a reboque da criação das emendas Pix no Congresso. Copiando a "inovação orçamentária" de Brasília, deputados estaduais enxertaram nas constituições locais emendas individuais com a possibilidade de adoção da modalidade Pix. No caso das Assembleias, o dinheiro sai do caixa dos estados direto para os projetos indicados pelos deputados nos municípios ou no DF.

As emendas Pix, estabelecidas por um projeto de emenda à Constituição (PEC) em 2019, foram turbinadas no último ano como alternativa ao orçamento secreto, ou emendas RP9, depois que elas foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O dinheiro das emendas Pix é enviado pelos parlamentares diretamente para a conta dos municípios e estados e sem destinação obrigatória. O prefeito ou governador pode fazer o que quiser com o dinheiro e, até janeiro deste ano, a prestação de contas era opcional. Essas mesmas regras foram reproduzidas nos estados.

Uma norma do Tribunal de Contas da União (TCU) tornou obrigatória uma prestação de contas minuciosa e com atualização anual das informações até a execução de toda a verba. Ainda assim, muitos municípios e estados não seguem a regra, o que levou a Procuradoria-Geral da República (PGR) a pedir a suspensão dos repasses, o que foi acatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino no último dia 8.

Efeito cascata

Questionado pela equipe do blog, o Supremo informou que as decisões de Dino que suspenderam tanto as emendas Pix quanto as emendas individuais impositivas (ou seja, de pagamento obrigatório) “por enquanto” só se referem às emendas do orçamento da União. Mas, no Congresso e entre especialistas, a leitura é de que haverá um “efeito cascata” nos estados.

Isso porque, ressaltam assessores da Câmara dos Deputados com experiência no acompanhamento de emendas e ouvidos pela equipe do blog, as Constituições estaduais estão subordinadas à Federal e ao regramento jurídico do Supremo.

A avaliação é compartilhada por Ariel Uarian, advogado e mestre em Direito Constitucional.

“Há um efeito cascata que precisa ser analisado pelo STF e que está sendo ignorado”, argumenta Uarian. “Conforme o próprio Supremo já decidiu, as normas do processo legislativo orçamentário são normas de repetição obrigatória”, completa, em referência aos regramentos federais que devem ser seguidos pelas Constituições estaduais.

Neste raciocínio, ainda segundo o advogado, os termos do acordo acertado na última terça-feira entre os Três Poderes também se aplicariam às verbas das Assembleias, que por sua vez são fiscalizadas pelos Tribunais de Contas estaduais.

Apesar da negativa inicial do STF, o efeito dominó foi discutido no encontro entre representantes da Corte, do Congresso e do Palácio do Planalto, segundo reportou a colunista do GLOBO Renata Agostini.

Segundo a nota conjunta assinada por representantes do Congresso, do STF e do governo Lula, os repasses individuais e impositivos serão retomados desde que não haja empecilhos técnicos, como obras embargadas. Já as emendas Pix deverão ter a aplicação definida antes do dinheiro ser encaminhado, priorizar obras inacabadas e serão fiscalizadas pelo TCU.

Em ambos os casos, o prazo para a definição de critérios objetivos para garantir a fiscalização e a rastreabilidade dos recursos é de 10 dias. Até lá, o repasse das emendas continua suspenso por ordem do STF.

Divisão por estados

Minas Gerais, o segundo estado mais populoso do Brasil, lidera a lista de estados brasileiros com R$ 1,37 bilhão em emendas equivalentes às impositivas e Pix. São Paulo, no topo do ranking populacional, tem R$ 1 bilhão. O Rio de Janeiro, que é o terceiro mais habitado, está na décima posição, com R$ 190 milhões.

O levantamento da equipe do blog mostra que o volume de emendas previstas nos orçamentos de cada estado e do Distrito Federal é muitas vezes desproporcional em relação ao número de parlamentares.

O numero de parlamentares de cada assembleia varia de acordo com uma fórmula baseada no tamanho da bancada do estado na Câmara dos Deputados, que por sua vez é definida pela Constituição, conforme a população de cada unidade federativa. São Paulo, o estado mais populoso do país, tem 94 deputados estaduais, enquanto o Rio, em terceiro lugar, tem 70.

A unidade da federação que concentra mais dinheiro na mão de parlamentares é o Distrito Federal. São R$ 648 milhões do orçamento distrital destinados a estas transferências, que representam R$ 27 milhões para cada um dos 24 deputados distritais. Já o Rio está em 23º lugar, com R$ 2,7 milhões em emendas para cada um.

No top 10 nacional dos valores por parlamentar, chamam atenção ainda as Assembleias do Mato Grosso (R$ 24 milhões), em segundo lugar, apesar de não estar entre os 15 estados mais populosos; a do Amazonas (R$ 20,5 milhões) e as de Rondônia (R$ 11,6 milhões) e Tocantins (R$ 7,1 milhões) – ambos entre as cinco unidades menos habitadas, com menos de 25 deputados em cada Casa.

Mesmo se levado em conta o ranking da soma total de emendas disponibilizadas em cada estado, há outras discrepâncias. Paraná, Rio Grande do Sul e Ceará, respectivamente o quinto, sexto e oitavo mais populosos do país, estão entre as unidades que menos destinam emendas aos deputados estaduais e também as que concentram em menor grau a verba.

O Paraná aparece em último nos dois parâmetros – soma de emendas (R$ 52 milhões) e o valor recebido por parlamentar (R$ 962,9 mil). Roraima, o menos populoso, reserva R$ 127,4 milhões no seu orçamento (mais do que o dobro do que no caso do PR). Cada um dos 24 parlamentares tem direito a R$ 5,3 milhões, mais do que o quíntuplo dos parlamentares paranaenses.

Controvérsia das emendas

As transferências especiais, como são chamadas oficialmente no Congresso, estiveram no centro da disputa entre o Judiciário e o Legislativo deflagrada pela decisão de Dino de suspender os repasses – dessas e de todas as outras emendas de pagamento obrigatório, que ao todo representam R$ 42 bilhões.

Na decisão que suspendeu as emendas, Dino condenou essa falta de controle, argumentando que mantê-las sem aprimorar os mecanismos de rastreabilidade do dinheiro provocaria “um perigoso e inconstitucional ‘jogo de empurra’” no qual “ninguém se identifica como responsável pela aplicação de parcela relevante do dinheiro público”.

“Nesse atípico ‘jogo’, o parlamentar pode argumentar que apenas indica, mas não executa; o Executivo pode informar que está apenas operacionalizando uma ‘emenda impositiva’; e o gestor estadual ou municipal pode alegar ser mero destinatário de algo que vem ‘carimbado’”, escreveu o ministro, ao acolher um pedido da PGR pela suspensão das emendas Pix.

Já no caso das emendas impositivas, Flávio Dino decidiu suspendê-las seis dias depois sob o argumento de que a transferência dos recursos deve obedecer critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade.

Foi o suficiente para deflagrar uma guerra contra o Congresso com o aval tácito do governo Lula. Desde o início de seu terceiro mandato, o presidente ambiciona reduzir o poder do Congresso sobre o orçamento da União, que cresceu principalmente sob a presidência de Jair Bolsonaro.

O acordo assinado na última terça-feira pode ter servido para distensionar o ambiente na capital federal em clima de confraria, mas, até que sejam conhecidos os critérios para a retomada das emendas parlamentares, não resta claro se as mudanças serão suficientes para conferir às verbas a transparência necessária.

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