Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por Marcelo Ninio — Pequim

Se de fato existe uma divisão no governo brasileiro sobre o plano de ampliação do Brics, como apontam diversos interlocutores, o que não está claro é o que o Brasil quer do grupo. Essa é a questão fundamental, a única que realmente importa para determinar a posição do país em relação à entrada de novos membros e aos critérios que regerão esse processo. O resto é fumaça.

Diplomatas da África do Sul, sede da cúpula do grupo que começa no dia 22, dão como certo um anúncio sobre os primeiros passos da ampliação durante o encontro. As regras da adesão continuam indefinidas, assim como quais são os primeiros países na fila e se eles serão membros plenos ou parte de um subgrupo. Se os critérios forem de fato aprovados, será o início oficial de um processo que o Brasil terá que encarar com pragmatismo, para que a expansão lhe abra oportunidades.

Entre os membros do grupo — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — cada um tem seu foco, como é natural. Na estratégia diplomática da China, o Brics visivelmente ganhou maior relevância no último ano, como contraponto às alianças ocidentais. Pequim vê na entrada de mais países a oportunidade de aumentar o peso geopolítico do grupo e de sua própria influência. O Brics representa um terço do PIB mundial. Metade vem da China.

Ocupado com a guerra na Ucrânia, a tendência natural do Kremlin é apoiar a ampliação, a fim de amortecer os impacto da campanha do Ocidente para isolar a Rússia. Sem o presidente Vladimir Putin, que faltará à reunião devido à ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional, será a primeira cúpula presencial do Brics sem todos os líderes.

Para o Brasil, os argumentos mais frequentes contra a expansão do Brics são o de que ela sugere um alinhamento com valores estranhos à tradição diplomática do país, como o antagonismo ao Ocidente da parceria sino-russa e de autocracias que poderiam se tornar a maioria. A ironia é que os mesmos críticos que não veem sentido na existência do grupo agora alertam para a perda de espaço do Brasil num Brics ampliado.

Pode ser, mas não são resultados inevitáveis. Vai depender do tipo de expansão aprovada. Sim, a China é a locomotiva, mas os outros podem pisar no freio. Na declaração da cúpula do ano passado, presidida pela China, não há aprovação explícita à iniciativa, só um apoio à discussão do processo de expansão e seus critérios “com base em ampla consulta e consenso”.

Era ainda a diplomacia do governo Bolsonaro, que não gostava da ideia. Já o presidente Lula tem demonstrado simpatia por ela. Houve sinais de avanços sobre os critérios de adesão no encontro em Johanesburgo do mês passado, da qual participou o assessor especial Celso Amorim. Com uma estratégia clara o Brasil pode usar o Brics para ampliar seu papel no “sul global” sem abrir mão dos laços históricos com o Ocidente.

Até agora, o Brasil podia contar com a Índia para resistir em dupla à ampliação. Mas essa frente perdeu força diante dos sinais de flexibilização do governo indiano. Um dos critérios exigidos por Nova Délhi seria que os novos membros apoiem a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, segundo a imprensa indiana. A mudança pegou o Brasil no contrapé. E acentuou a necessidade de que o país tenha uma visão nítida de seus interesses ao negociar a versão ampliada do Brics.

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