Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

O presidente Lula exibiu uma cautela incomum ao comentar a morte do líder da oposição russa Alexei Navalny, anunciada na semana passada. Segundo Lula, sua decisão de não se pronunciar seria “questão de bom senso”, já que a causa da morte de Navalny, inimigo número um do Kremlin, ainda não fora esclarecida.

Bom senso, assim como a verdade, é antes uma meta que um valor absoluto e universal. E quando está inserido num contexto político, com frequência ele se torna um conceito maleável e seletivo, guiado ao sabor de visões de mundo, ideologias e interesses. Cumprindo pena de 19 anos por “extremismo”, Navalny salvou-se de um atentado por envenenamento, cujo maior suspeito foi o Kremlin. Mas não sobreviveu ao encarceramento numa colônia penal da Sibéria, uma das mais severas do sistema penitenciário russo. Ainda assim, por meio de advogados, notícias dele continuavam a ser publicadas nas redes sociais.

Por mais duras que tenham sido as condições da prisão de Navalny, ainda restava algum espaço para comunicação com o mundo exterior. Não é o que acontece na China, considerada por grupos de direitos humanos como o país com o maior número de prisioneiros políticos do mundo. É uma liderança impossível de ser comprovada com precisão, já que as autoridades chinesas não divulgam os números.

Com base em fontes abertas, a organização humanitária Dui Hua (diálogo, em mandarim) calcula que atualmente mais de 7 mil detentos na China estejam pagando por suas convicções políticas ou religiosas. É uma estimativa por baixo, diz a organização, que mantém um banco de dados com presos políticos condenados no país desde 1980. Raros são os casos de ativistas com planos de derrubar o regime.

Os detentos da relação do Dui Hua são divididos em quatro categorias: dissidentes políticos (que manifestaram oposição ao monopólio de poder do Partido Comunista); praticantes de religiões vetadas no país; membros de minorias étnicas (geralmente acusados de separatismo, como os uigures); e os chamados “peticionários”, presos por contrariarem decisões do governo, como expropriação de terras. Nos últimos anos, advogados de direitos humanos tornaram-se alvo crescente de perseguição, tornando ainda mais indefesos os que ousam antagonizar o poder.

O cerceamento a vozes dissonantes é um ponto em comum entre regimes autoritários, mas é um erro igualá-los só por isso. Na China, o PC tem como uma de suas principais fontes de legitimidade o desenvolvimento do país nas últimas quatro décadas, que concedeu à população um nível de prosperidade sem precedentes em sua História. Por outro lado, é nisso que o governo se apoia para adulterar o conceito de direitos humanos, permitindo-se colocar o desenvolvimento coletivo acima (e no lugar) das liberdades individuais.

Assim como foi cauteloso ao falar da morte de Navalny na prisão siberiana, Lula também é generoso com o governo da China, preferindo poupá-lo de críticas sobre as denúncias de abusos no país por respeito a sua soberania. Evitar comentários sobre assuntos domésticos de outros países até poderia ser considerado uma “questão de bom senso” diplomático, caso o recurso fosse usado de forma indiscriminada pelo presidente.

O princípio de Lula parece claro: aos amigos, tudo; aos demais, um senso seletivo de justiça que compromete a sua ambição de recuperar a credibilidade do Brasil no mundo.

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