Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por Marcelo Ninio — Pequim

Foi um discurso sem grandes surpresas, como se esperava, mas revestido de simbolismo ao reafirmar as prioridades do Partido Comunista da China (PCC) em sua reunião política mais relevante. Prestes a assumir o terceiro mandato, o presidente Xi Jinping abriu o 20° Congresso do PC chinês neste domingo (noite de sábado no Brasil) dando ênfase à importância de consolidar a posição do partido no controle do governo a longo prazo.

Num discurso de quase duas horas, Xi defendeu a controvertida política de Covid zero mantida pelo governo e disse que o país continuará a se empenhar pela reunificação pacífica de Taiwan, mas sem renunciar à opção de usar a força. Como costumam ser esses pronunciamentos, destinados a oferecer um balanço do desempenho do partido desde seu último congresso, há cinco anos, não houve maior detalhamento das políticas. Sua relevância está no fato de servir como uma carta de princípios para os quase 97 milhões de membros do PC chinês — além de uma demonstração de força e unidade do partido para o país e o mundo.

— Como o maior partido marxista no governo do mundo, temos que ficar sempre alertas e determinados para enfrentar os desafios especiais que um grande partido como o nosso encara, a fim de manter o apoio do povo e consolidar nossa posição como o partido no governo a longo prazo — disse o presidente. — Jamais podemos afrouxar nossos esforços.

Xi afirmou que a união em torno do partido deverá ser capaz de guiar a China a uma "glória incomparável" até 2049, quando se completam 100 anos da República Popular e espera-se que o país se torne uma grande potência em todos os aspectos, incluindo o militar, o tecnológico e o ambiental.

Para chegar lá, porém, o partido deve se preparar para enfrentar tempestades perigosas, alertou Xi, sem em nenhum momento se referir diretamente aos EUA, que em sua mais recente estratégia de segurança nacional traçaram como meta “superar” a China e acabam de anunciar novas medidas destinadas a coibir a produção pelos chineses de chips de última geração:

— Nosso país entrou em período de desenvolvimento em que as oportunidades estratégicas, os riscos, os desafios e as incertezas são simultâneos, e fatores imprevistos estão surgindo. Temos, portanto, que estar conscientes dos perigos potenciais, estar preparados para os piores cenários, e estar prontos para aguentar fortes ventos, águas agitadas e mesmo tempestades perigosas — disse ele.

Partido-Estado

Em quase dez anos no poder, Xi deu prioridade ao fortalecimento do PC, que aumentou o controle sobre a economia e a sociedade e solidificou o modelo Estado-partido, num distanciamento da separação entre os dois que havia sido uma das marcas da abertura econômica iniciada na década de 1980 por Deng Xiaoping. Em outra mudança em relação aos últimos anos, o sistema de liderança coletiva defendido por Deng foi enfraquecido e passou a concentrar-se em Xi. Neste congresso, que vai até o próximo sábado, Xi, de 69 anos, deve ser reconduzido a mais cinco anos na liderança do partido, rompendo o limite de dois mandatos que vigorava desde 1982.

No imponente auditório do Grande Salão do Povo, situado na Praça da Paz Celestial, delegados de máscara receberam com palmas ritmadas ao som de uma orquestra militar a entrada de Xi e os demais seis membros do Comitê Permanente, o topo da liderança do PCC. Sob faixas com dizeres como “Vida longa ao Partido Comunista da China” e “Implementem totalmente o pensamento de Xi Jinping”, eles acompanharam o discurso do presidente e secretário-geral do partido de olho na versão escrita recebida de antemão.

Nos últimos dias, a capital chinesa intensificou a segurança e as medidas contra a pandemia em preparação para o congresso. Três dias antes do encontro, um raro protesto pedindo o fim da ditadura comunista deu o que falar nas redes sociais do país, antes de ser apagado pela censura. Um manifestante aparentemente solitário pendurou faixas num viaduto de Pequim e bradou dizeres num megafone, entre eles “Queremos comida, não testes de Covid; Queremos liberdade, não lockdowns; Somos cidadãos, não escravos”. As faixas foram retiradas pela polícia e não há notícia sobre a identidade e o destino do autor.

Fábricas paradas e céu azul

Foi um incidente isolado. Após alguns dias de tempo encoberto, Pequim amanheceu com céu azul e ar limpo, facilitado pela determinação do governo para que fábricas da capital e da província de Hebei reduzissem sua atividade a fim de evitar o aumento da poluição. Jornalistas presentes na abertura do congresso tiveram que apresentar testes de Covid e ficar em quarentena num hotel dois dias antes do evento.

A expectativa de que fosse anunciado durante o Congresso um relaxamento da política de Covid zero já havia sido afastada por autoridades chinesas nos últimos dias. Em seu pronunciamento, Xi defendeu a rígida política de controle da pandemia, que teve impacto considerável na desaceleração da economia chinesa este ano e no ânimo de boa parte da população, cansada com as restrições ao movimento e com as seguidas quarentenas em massa em várias cidades.

Sem usar máscara em nenhum momento da sessão, Xi defendeu a política, afirmando que ela faz parte de uma “guerra popular contra o vírus” e fez-se necessária para proteger a saúde da população. Sob o comando de Xi, a economia chinesa tornou-se mais sujeita ao controle estatal, em nome de um redirecionamento que o presidente considera necessário para promover a “prosperidade comum”, título dado à política de distribuição mais justa da riqueza do país. As palavras de Xi sugerem um sistema híbrido, em que o Estado direciona uma economia que tem no setor privado seu motor principal.

— Precisamos construir um sistema econômico de mercado socialista de alto nível, consolidar e desenvolver constantemente o setor de propriedade pública, encorajar e apoiar a economia privada, dar espaço total ao papel decisivo do mercado na alocação de recursos e também ao papel do governo — disse Xi.

Aplausos à reunificação

Sem dúvida o momento mais aplaudido foi quando Xi disse que as “as rodas da história estão se movendo em direção à reunificação de Taiwan”. Considerada pelo PC uma província rebelde, a ilha de Taiwan mantém um governo autônomo de Pequim desde 1949, quando os derrotados pelos comunistas na guerra civil chinesa lá se refugiaram.

O território tem sido um dos focos da tensão entre a China e os EUA, agravada depois da visita à ilha da presidente da Câmara dos Deputados americana, Nancy Pelosi, em agosto. Para o governo chinês, foi uma interferência inaceitável numa questão interna do país, e uma violação do compromisso americano com o princípio de “uma só China”. Em resposta à visita, Pequim implementou sanções econômicas contra Taiwan, suspendeu canais de diálogo com Washington e executou um amplo exercício militar em torno da ilha.

— Resolver a questão de Taiwan é um assunto para os chineses — disse Xi. — Continuaremos a nos empenhar pela reunificação pacífica com a maior sinceridade e o máximo esforço, mas jamais prometeremos renunciar ao uso da força e nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias. A completa reunificação de nosso país deve ser realizada, e pode, sem dúvida, ser realizada.

Além de reafirmar o compromisso com a reunificação, posição da qual nenhum líder chinês jamais moveu-se um milímetro, Xi também fez um aceno à cooperação, afirmando que a opção militar é direcionada “somente contra a interferência de forças estrangeiras e os poucos separatistas que buscam a independência de Taiwan”. O governo chinês respeita “os compatriotas taiwaneses”, disse Xi, e irá encorajar as populações dos dois lados do estreito a “trabalhar juntos para promover a cultura chinesa e ter relações mais próximas”.

Em outro trecho, Xi prometeu maior integração econômica entre Hong Kong e o território continental e disse que a cidade autônoma "passou do caos à governabilidade", uma referência à repressão aos protestos pró-democracia de 2019.

Xi reiterou ainda que a China rejeita a "mentalidade da Guerra Fria" assim como "qualquer forma de hegemonia e política de poder" e "busca firmemente uma política externa independente e pacífica".

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