Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por Marcelo Ninio — Pequim

Em sua rápida e intensa passagem por Pequim, uma das cobranças da secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, foi a necessidade de que a China assuma a posição de país desenvolvido no apoio financeiro a fundos climáticos. Pode parecer um aspecto menor, mas tem consequências que vão além da disputa Washington-Pequim.

Quando o presidente Lula visitou a China, em abril, uma das propostas do Brasil era que o comunicado conjunto sobre mudanças climáticas incluísse o anúncio de um aporte de recursos chineses para o Fundo Amazônia, como já haviam feito países como Noruega, Alemanha e EUA. A ideia, porém, recebeu um sumário não. Como país em desenvolvimento, a China não poderia atender ao pedido, alegou Pequim.

Faz parte do argumento da China e do Brasil de que os países desenvolvidos têm “responsabilidade histórica” pela crise climática e, portanto, devem liderar o financiamento, como acabou sendo incluído na declaração conjunta da visita de Lula. Na rivalidade com os EUA, a contestação ao status de país em desenvolvimento da China passou a envolver outras áreas, a começar pela comercial. Em 2019, o então presidente Donald Trump acusou a China de “trapacear”, usando seu status na Organização Mundial do Comércio (OMC) para obter vantagens indevidas.

Faz tempo que isso deixou de ser mero trumpismo. Em março, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou por unanimidade um projeto de lei que recomenda uma ofensiva diplomática para alterar o status da China em organismos internacionais. É mais manobra doméstica que política externa, uma nova demonstração de que a oposição à China tornou-se o único consenso entre os grandes partidos americanos.

Mas parece também um meio de conter o crescimento econômico da China e sua influência externa, diz Aline Tedeschi, professora na Universidade Normal de Hunan e diretora de Programas da Observa China. Apesar de classificado pelo Banco Mundial como um país de renda média alta, ainda há imensa desigualdade no país, diz ela, citando como exemplo que “quase um Brasil” não tem acesso a saneamento básico. Para Tedeschi, dificilmente os EUA terão capital diplomático suficiente para alterar o status chinês.

Pequim rejeita a campanha americana alegando que também é um país em desenvolvimento, algo que usa intensamente como ferramenta diplomática para forjar parcerias com o Sul Global. Com um PIB per capita que dá um sexto do americano, a economia chinesa ainda está longe do mundo desenvolvido, ficando no patamar de países como Malásia e Costa Rica. Por outro lado, o analfabetismo é quase zero, enquanto atinge um de cada cinco americanos.

A China desafia classificações — até as que lhe convêm. Após décadas de crescimento acelerado e desigual, o país tornou-se uma "superpotência híbrida", como define Philippe Benoit, da Universidade Columbia, em que os traços de uma economia avançada convivem com a parte de baixo da linha de pobreza.

Embora seja a segunda economia do mundo, a China ainda tem uma parcela significativa de sua população em situação de vulnerabilidade, atesta o Banco Mundial. Para além das estatísticas, as desigualdades são visíveis, e nem é preciso ir muito longe. Basta meia hora de viagem do centro até a periferia de Pequim para encontrar outra China, bem distante da fartura e do modernismo presentes nas metrópoles.

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