Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por Marcelo Ninio — Pequim

Sem consumo, não há crescimento. Sem crescimento, o consumo encolhe. Esse é um dos principais dilemas da economia chinesa, que apresenta números decepcionantes e passou a ser assombrada pelo risco da deflação. É ainda possível atingir a meta de crescimento do PIB em torno de 5% para este ano à base de antigas ferramentas, como o investimento estatal. Mas seria um retorno indesejável ao modelo que criou distorções na economia justamente devido ao uso excessivo desse tipo de recurso.

A principal questão é como resgatar a confiança de investidores e consumidores. O esforço do governo chinês para aumentar o consumo doméstico e torná-lo o principal motor da economia não é algo novo, está está no topo de suas prioridades há pelo menos 15 anos. Mas depois de três anos de isolamento voluntário do mundo sob a política da Covid zero, havia a expectativa de uma explosão do consumo com a abrupta abertura em dezembro. Em tese, não faltava dinheiro: o volume de poupança havia crescido 42% desde o início da pandemia, algo em torno de US$ 4,8 trilhões, mais que o PIB do Reino Unido.

Seria o momento do "gasto de vingança", como é chamado o período de consumo acima do normal esperado após um período de privação. Mas não foi o que ocorreu. Na quarta, a China entrou oficialmente em deflação, com preços ao consumidor contraindo pela primeira vez em dois anos. A informação se somou a outros dados negativos da economia chinesa na semana, como o tombo em julho de exportações (14,5%) e importações (12,4%) em relação ao mesmo mês no ano passado.

Para estimular a população a abrir a carteira, o governo anunciou na semana passada uma longa lista de medidas destinadas a mover o consumo para cima, entre eles subsídios à compra de carros elétricos, construção de moradias populares e promoção de eventos culturais em auxílio à indústria do turismo. Muitos consumidores "têm pouca confiança na economia", admitiu Li Chunlin, vice-diretor da principal agência de planejamento econômico da China, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma. O governo afirma que a deflação é passageira, mas reconhece a urgência em aumentar o consumo.

Sem um anúncio sobre o volume de recursos que sairá do Tesouro nacional, tudo indica que os incentivos devem recair sobre os governos locais, muitos deles endividados e sem apetite para abrir seus cofres. Esse é um problema, mas o maior parece ser o mencionado por Li, a falta de confiança dos chineses na economia, que tem travado os investimentos privados e inibido o consumo. Em ambos os casos, é de certa forma a ressaca do que o país viveu nos últimos três anos.

Entre os investidores paira a incerteza causada pelas intervenções estatais em setores como o da tecnologia, que passou por um duro aperto regulatório desde 2021. Já os consumidores preferem guardar seu dinheiro num momento de desaceleração da economia e de alto desemprego entre os mais jovens, muitos ainda ressabiados com o vaivém na economia de três anos sob a política de Covid zero, como um efeito prolongado do vírus não na saúde, mas no bolso.

A sensação de muitos empresários é de que com o país sob a liderança de Xi Jinping a fidelidade à disciplina e aos ditames ideológicos do Partido Comunista passaram a superar o pragmatismo econômico que vigorava antes dele. Sem garantia de que os negócios ficarão imunes a choques, os investidores perdem o ímpeto, sem levar muita fé nas promessas do governo de que a iniciativa privada tem espaço para crescer. Não deveria ser diferente, já que ela é fundamental para a economia, responsável por 80% dos empregos urbanos.

Como mostra a queda nas exportações, a desaceleração da economia chinesa tem fatores externos, entre elas a redução da demanda por produtos chineses em países desenvolvidos às voltas com o risco de recessão, a instabilidade causada pela guerra na Ucrânia e a disputa geopolítica que leva o Ocidente a tentar reduzir os negócios com o país. Mas o que mais preocupa é a falta confiança doméstica para alavancar a economia.

É um dilema do tipo o que vem antes, o ovo ou a galinha, conforme escreve Qin May, pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington: mais consumo é necessário para recuperar a economia, enquanto é preciso mais confiança na economia para estimular o consumo.

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