Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

Voltada geralmente para aproximar outros países da órbita de Pequim, a diplomacia chinesa tem sido confrontada por um novo desafio, à medida em que surgem conflitos que afetam diretamente seus interesses. Após as guerras na Ucrânia e em Gaza, agora é a tensão entre Venezuela e Guiana que obriga o governo chinês a refazer seus cálculos e dimensionar até onde vai sua capacidade de influenciar os acontecimentos.

Com uma variante em relação aos primeiros dois conflitos: no caso de Venezuela e Guiana, ambos podem ser considerados aliados de Pequim, o que dificulta tomar um lado. É diferente do que ocorreu em relação aos Ucrânia e Israel, quando a diplomacia chinesa manteve-se oficialmente neutra, mas com uma clara inclinação para Rússia e o mundo árabe.

Diante da escalada de ações que sugerem a possibilidade crescente de uma invasão venezuelana no território da Guiana, os chineses sugeriram que os dois lados resolvam suas diferenças por meio de “consultas amigáveis”. Não houve ainda qualquer oferta de mediação, como nos casos de Ucrânia e Gaza, até por cautela para não criar um novo foco com tensão com Washington. Como lembra com frequência a mídia estatal, a América Latina é vista como “o quintal dos Estados Unidos”.

Venezuela e Guiana são “bons amigos”, disse o porta-voz da diplomacia chinesa Wang Wanbin, e solucionar pacificamente a disputa de fronteira “é do interesse dos povos de ambos os países e da estabilidade da América Latina”. Sob pressão dos EUA, a Venezuela tem na China seu principal parceiro econômico e credor. Mas as relações de Pequim com a Guiana também têm se fortalecido de forma significativa nos últimos anos.

O ponto de inflexão da presença chinesa na Guiana foi o mesmo que serviu como estopim para o agravamento das tensões e do interesse da Venezuela no território vizinho: a descoberta de reservas consideráveis de petróleo na região de Essequibo por um consórcio liderado pela gigante americana ExxonMobil. A descoberta alavancou o PIB da Guiana e atraiu novos investidores, incluindo a China National Offshore Oil Company (CNOOC), que entrou no consórcio com 25% de participação.

Muito antes da descoberta, porém, Pequim já vinha aprofundando sua presença econômica na Guiana com vários projetos de infraestrutura, observou Robert Evan Ellis, estudioso das relações entre China e América Latina. O investimento chinês rendeu dividendos políticos para Pequim: em 2021 o presidente da Guiana, Irfaan Ali, anunciou que o país estabeleceria um escritório comercial em Taiwan, que a China considera uma “província rebelde”. Sob pressão chinesa, porém, a decisão foi anulada em poucas horas e o governo da Guiana afirmou seu compromisso com a política de “uma só China”.

Em princípio Pequim não tem interesse numa escalada que gere mais um motivo para a alta dos preços de petróleo, num momento em que sua economia passa por dificuldades para atingir o nível de retomada que esperava com a reabertura pós-Covid. Mas mesmo que mantenha a posição de que a soberania de todos os países deve ser respeitada, indiretamente a resistência do governo chinês em condenar ou tentar conter a ação russa na Ucrânia pode ter contribuído para a crise na América Latina.

É possível que o governo venezuelano tenha tirado a lição errada da agressão de Moscou, a de que países podem lançar guerras expansionistas sem grandes arranhões, diz Ivan U. Klyszcz, especialista em política externa russa. Por enquanto, porém, os sinais são de que o governo chinês tem interesse em conter uma deterioração entre Venezuela e Guiana, no que parece um caso raro em que Pequim e Washington têm posições semelhantes.

Ainda assim, pontos de tensão que exigem a presença militar americana, como aconteceu recentemente no Oriente Médio e agora na América do Sul, tiram um pouco do foco dos EUA em sua disputa com a China no Pacífico, o que não é má notícia para Pequim.

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