Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

De um lado da rua, o apoio incondicional do Ocidente à Ucrânia. Do outro, uma aliança alternativa liderada pela China. Na véspera do aniversário de dois anos da invasão russa, dois eventos nesta quinta em Pequim, separados por poucos metros de distância, ilustraram o fosso político entre a visão chinesa e a ocidental sobre os rumos do mundo.

Na embaixada da Polônia, o trágico aniversário foi marcado por uma demonstração de solidariedade à Ucrânia que incluiu filmes, exibições sobre a devastação causada pela guerra e uma série de discursos em que a China não foi poupada por sua posição ambivalente diante da invasão russa. A “parceria sem limites” entre Moscou e Pequim, reiterada poucas semanas antes da guerra começar, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, continua sem sinais de abalo. Muito pelo contrário, ela está mais forte do que nunca, segundo uma fonte diplomática ucraniana, que pediu anonimato.

Na superfície, Pequim busca manter uma imagem de neutralidade, concordando em retomar os contatos com a representação diplomática ucraniana que haviam ficado praticamente congelados por mais de um ano após a invasão. Mas por trás das formalidades não há sinal de que o governo chinês esteja disposto a qualquer iniciativa que contrarie sua parceria estratégica com a Rússia, diz a mesma fonte. A descrição mais usada para a posição chinesa continua sendo a de “neutralidade pró-Rússia”. A campanha anunciada por Pequim para ser parte de uma possível mediação do conflito por enquanto não resultou em avanços.

No evento em apoio à Ucrânia, ficou explícito a insatisfação com a atitude chinesa. O embaixador ucraniano em Pequim, Pavlo Riabikin, foi comedido, limitando-se a agradecer o apoio dos presentes. Mas os demais diplomatas que tiveram a palavra não hesitaram em condenar o país onde estão baseados. Caroline Wilson, embaixadora do Reino Unido, instou o governo chinês a respaldar suas palavras com ações e deixar de apoiar Moscou. Jorge Toledo, representante da União Europeia (UE), disse que o futuro da Ucrânia é fazer parte do bloco, uma perspectiva que desagrada Moscou. O embaixador americano, Nicholas Burns, classificou o suporte dado pela China para que a Rússia escape de sanções econômicas ocidentais de “perturbador”.

Na quarta, a UE aprovou as primeiras sanções contra empresas chinesas e indianas acusadas de apoiar a campanha bélica de Moscou, ao conceder a compradores russos acesso a produtos com possível uso militar. Os Estados Unidos já haviam incluído empresas da China (e também da Turquia e dos Emirados Árabes Unidos) em sua lista de sançōes pelo mesmo motivo. Dois anos após o início do conflito, porém, diplomatas ocidentais reconhecem que as medidas não enfraqueceram a Rússia como inicialmente se esperava. Resta continuar o apoio militar à Ucrânia, o que também não parece suficiente para conter Moscou.

Enquanto os ucranianos recebiam gestos de solidariedade na embaixada polonesa, na mesma rua o embaixador russo participava de um evento em comemoração aos 20 anos da Organização para Cooperação de Xangai (OCX), uma aliança estratégica para o interesse de Pequim de desafiar a hegemonia americana no cenário global. A sede da OCX fica exatamente em frente à embaixada da Polônia, mas a comemoração ocorreu num hotel de luxo a poucos metros de distância, o mesmo em que o presidente Lula ficou hospedado, no ano passado. Ainda assim, o movimento de carros oficiais se confundiu na noite fria de Pequim.

Liderado pelo chanceler chinês, Wang Yi, o evento contou com a presença de mais de 200 convidados, entre eles o embaixador em Pequim da Índia, país que faz parte de outro grupo considerado estratégico para a China, o Brics. Em seu discurso, Wang disse que a OCX ambiciona ser “uma âncora de estabilidade” em meio às turbulências geopolíticas atuais, e repetiu o que virou um mantra do governo chinês: o mundo passa por mudanças “nunca vistas nos últimos cem anos”. Enquanto isso, no evento do outro lado da rua em solidariedade à Ucrânia, só um país do Brics enviou um representante: o Brasil.

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