Depois de vencer todas as prévias republicanas disputadas até agora, Donald Trump parece ter o caminho livre para conquistar a terceira nomeação seguida de seu partido e enfrentar o atual presidente, Joe Biden, nas eleições americanas de novembro. A possível volta de Trump à Casa Branca divide opiniões na segunda maior economia do mundo, mas as dúvidas convivem com um consenso: para os chineses, é a confirmação de que o confronto com os EUA está numa trajetória sem volta.
Biden suavizou no tom, mas não na essência. Manteve as tarifas impostas pelo governo Trump que deram a largada na guerra comercial e foi além, com restrições ao acesso de tecnologias avançadas para a China. As medidas reforçaram a determinação do governo chinês em investir na indústria nacional e posicionar a segurança no topo da agenda. A competição com os EUA superou até o crescimento econômico como prioridade.
O último encontro entre Biden e o presidente chinês, Xi Jinping, no fim do ano passado, abrandou um pouco a tensão bilateral, demonstrando o interesse mútuo em evitar uma escalada. Nem mesmo a vitória na eleição presidencial em Taiwan de Lai Ching-te, próximo dos EUA e visto por Pequim como um separatista perigoso, foi capaz de abalar a relativa calmaria nas relações. Mas todos sabiam que a maré estava sujeita a mudanças súbitas.
Um incidente recente envolvendo a guarda costeira de Taiwan que deixou dois pescadores chineses mortos elevou a temperatura no estreito e nos gabinetes do governo em Pequim. Em resposta, o governo chinês ampliou suas patrulhas marítimas ao redor do arquipélago de Kinmen, que faz parte do território taiwanês e fica a poucos quilômetros da China continental. Foi mais um de uma série de episódios nos últimos anos que ilustraram o risco de uma deflagração involuntária.
Julgamento de Trump por fraude civil em Nova York
Trump parece ter menos ímpeto do que Biden em defender Taiwan de um eventual ataque de Pequim à ilha, cuja reunificação com o continente é declarada como inevitável, conforme reiterou há pouco o chanceler chinês, Wang Yi. Mas o provável rival de Biden na eleição presidencial tem outros planos que intensificariam o atrito entre as potências e a instabilidade econômica global.
Caso eleito, Trump sugeriu que considerará a imposição de tarifas de até 60% nas importações da China, muito além do teto de 21% aplicado quando ocupou a Casa Branca. Admirado por muitos na China por seu suposto pragmatismo e tino empresarial antes de sua eleição em 2016, Trump ainda tem fãs no país, mas hoje ele atrai principalmente insultos nas redes sociais. Para os chineses, a eleição americana é antes de tudo “uma forma de entretenimento”, escreveu Ding Gang, colunista do Diário do Povo. É uma atração um tanto mórbida, reconhece Ding, já que a vitória de Trump “complicaria ainda mais as relações com a China”.
A julgar pelas ideias que emanam do círculo próximo do republicano, esta parece ser a intenção. Robert Lighthizer, representante de Comércio dos EUA durante o governo Trump, não mede palavras ao se referir ao rival asiático em seu novo livro, “Nenhum comércio é livre”. Qualquer política econômica deve estar centrada em conter a “ameaça existencial” que a China representa para os EUA, afirma Lighthizer. Será esse o turbulento ponto de partida diplomático se os americanos optarem por uma segunda temporada de Trump.