Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

Se restava alguma chance de o Brasil ser aceito pelos dois lados para um papel de mediação na guerra da Ucrânia, ela se diluiu consideravelmente após a proposta conjunta com a China sobre o conflito. O documento assinado na quinta em Pequim pelo assessor especial da Presidência, Celso Amorim, de certa forma normaliza a invasão do território ucraniano ao aceitar que uma negociação tenha como ponto de partida as linhas atuais do conflito, sem recuo do Exército russo.

A proposta foi uma surpresa para muitos diplomatas em Pequim e certamente uma decepção para os ucranianos — não pela posição chinesa, que era esperada, mas pela adesão do Brasil. É certo que já havia a impressão de que o governo Lula se inclinava para o lado de Moscou. Mas o Itamaraty mantinha uma postura institucional do solidariedade ao país agredido, como demonstrou o apoio do Brasil às resoluções da ONU condenando a invasão e pedindo a retirada imediata e incondicional das tropas russas.

Já a recente proposta sino-brasileira não condena a agressão russa nem fala em retirada. Além disso, defende uma conferência de paz com a participação da Rússia, o que foi recebido como tentativa de sabotar a cúpula de apoio à Ucrânia do próximo dia 15 na Suíça (sem convite a Moscou). Fontes próximas à Ucrânia dizem ter informações de que a “sabotagem” não ficará por aí: um evento estaria sendo articulado para cair justamente nos dias da conferência da Suíça, reunindo os países do Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e os novos membros — Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

Nos “entendimentos comuns” acordados entre Brasil e China para a Ucrânia, há um apelo para que as partes observem alguns princípios, entre eles “a não expansão do campo de batalha”. Qual o sentido de estender esse apelo à Ucrânia? Que o país não deve tentar recuperar o território perdido na invasão? Num momento de avanço das tropas russas, usar o status quo como ponto de partida parece favorável a Moscou, mas Amorim nega. Para ele, não precisa ser uma solução definitiva. O importante é “as pessoas pararem de morrer”.

— Estamos atrás de uma paz possível, não da paz ideal — disse Amorim na manhã seguinte.

Nos três dias que passou em Pequim, o ex-chanceler ficou instalado em Diaoyutai, o belo parque que serve de residência para hóspedes do governo chinês. Foi lá que Henry Kissinger ficou quando veio em 1971, na histórica visita secreta que abriu caminho para a aproximação entre Washington e Pequim. O realismo de Kissinger tem feito falta, disse Amorim. O que é discutível nas iniciativas ocidentais para aumentar a pressão sobre a Rússia não é sua legitimidade, diz ele, mas sua utilidade. Para se chegar a uma solução “tem que combinar com os russos”, acrescenta, aproveitando a chance de usar a célebre frase de Mané Garrincha “literamente”.

No apelo que fez domingo para que líderes mundiais compareçam à reunião na Suíça, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fez uma referência velada à proposta divulgada dias antes por Brasil e China. A Rússia faz ataques indiscriminados contra civis, e “qualquer um, de São Paulo a Harbin [cidade chinesa] vê isso da mesma forma — como terror”. Sob pressão, Zelensky pode até ver utilidade em aceitar uma negociação, mas não tem legitimidade para isso. Sintetizando: para que alguma solução avance, é preciso combinar também com os ucranianos.

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