Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Por — Pequim

RESUMO

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GERADO EM: 21/06/2024 - 11:12

Inovação na indústria de cannabis na China.

China proíbe o uso recreativo de maconha, mas lidera inovação na indústria. Com forte controle e punições, o país é líder em patentes e produção de cannabis, apesar das restrições e do histórico nacionalista anti-drogas. A China exporta fibras de cânhamo e canabidiol, mas proíbe o CBD internamente. O país também enfrenta o aumento do tráfico de drogas após a reabertura das fronteiras em 2023.

A China tem uma das leis antidroga mais rigorosas do mundo. A maconha está na lista das substâncias consideradas ilícitas, como heroína e cocaína, e seu consumo é punido com prisão, multa e, no caso de estrangeiros pegos em flagrante, expulsão do país. Nem precisa ter fumado em território chinês para sentir o peso da lei. No ano passado, um estrangeiro foi deportado quando voltava de férias na Tailândia, onde o consumo é legal, após ser surpreendido com um teste de urina no aeroporto de Xangai, que acusou o uso de maconha. Outros tiveram o mesmo destino ao serem flagrados com testes em bares do país.

Mas a repressão ao consumo não impede que a cannabis renda dividendos para os chineses. Com a legalização do uso de maconha em muitos países, os chineses entraram forte nesse mercado e passaram a dominar vários setores. Diante da forte posição do governo chinês contra o uso recreativo de maconha, talvez isso seja uma surpresa para muita gente, mas o país é líder em inovação em cannabis e tem a maioria das patentes globais ligadas à substância, segundo George Chan, sócio e chefe da agência de propriedade intelectual do escritório de advocacia Simmons & Simmons, em Pequim.

Para começar, fábricas da China são responsáveis por mais de 90% da produção mundial de canetas vaporizadores, que também são usadas no consumo de maconha. É um negócio de grana alta, com mercado estimado em US$ 20 bilhões (R$ 108,6 bi) e em rápida expansão. Mesmo proibidos em vários países, incluindo o Brasil, tais dispositivos avançam para preencher muitos novos pulmões no médio prazo: a projeção no setor é de 30% de crescimento anual até 2030, segundo estudo da consultoria americana Grand View Research.

Para os chineses, pioneiros na matéria, o cultivo de cannabis é uma prática ancestral. Estudos mostram que a planta já era usada na região central do país há 12 mil anos, para uso médico e extração de fibras com múltiplas funções. Hoje, duas províncias do país, Heilongjiang (norte) e Yunnan (sul) são responsáveis por 70% da produção global de fibras de cânhamo, o nome popular da cannabis. Ambas as regiões também são as únicas na China com permissão para produzir canabidiol (CDB).

Mas só para exportação: autorizada para fins médicos em vários países (incluindo o Brasil, em casos específicos), a substância é proibida na China até em cosméticos, embora não tenha efeitos alucinógenos. Autoridades chinesas afirmam que o CBD é proibido porque pode ser convertido em THC, aquele componente da cannabis que dá barato. Além de tudo, a repressão ao uso de drogas na China tem um elemento nacionalista que vem de uma dolorosa memória coletiva histórica: no século 19, o vício generalizado em ópio induzido pelo imperialismo britânico foi um dos traumas do chamado “século de humilhação” sofrido pelo país.

Com o rígido controle e as severas punições (traficantes podem ser condenados à morte), os números do combate às drogas na China são uma fração insignificante do que outros países estão habituados. Enquanto no Brasil as apreensões de maconha anunciadas pela polícia são rotineiramente contadas em toneladas, na China em 2023 foram apenas 120,1 kg da droga, segundo relatório da Comissão Nacional de Controle de Narcóticos, divulgado esta semana.

A comissão também relatou uma queda no número de usuários de drogas no país, com precisão impressionante: no fim de 2023 havia na China 896 mil deles na China, 20,3% menos que no ano anterior. Grande parte da entrevista coletiva na qual o relatório foi apresentado se ocupou das acusações do governo americano de que a China não faz o suficiente para impedir a produção e o fluxo para o exterior de fentanil, opióide sintético da epidemia que já matou milhares de pessoas nos EUA. Wei Xiaojun, chefe da comissão, rechaçou a acusação, afirmando que é “ridículo” apontar a China como causa do problema.

A legalização da maconha nos EUA também tem um fator chinês, mas este não foi abordado na coletiva. Quase metade dos estados americanos já permite o consumo recreativo de cannabis, o que tem gerado um potencial de ganho econômico que atrai muitos chineses. Há indícios de um mercado negro de plantações de maconha sob controle de chineses, que usa imigrantes do país sem documentação como mão de obra barata, semiescrava. Segundo reportagem da agência de jornalismo investigativo ProPublica, o crime organizado chinês domina a maior parte do mercado ilegal de maconha nos EUA, "da Califórnia ao Maine".

Voltando à China, como se poderia esperar, a reabertura em 2023 após três anos sob as restrições de fronteira da política de Covid zero, resultou no aumento da entrada de drogas. A maioria da maconha veio da Tailândia, enquanto a cocaína teve origem na vizinhança brasileira, segundo o relatório: “Em 2023 foram apreendidas 2,6 toneladas de cocaína da América do Sul, 13,5 vezes mais que no ano anterior”. A coluna pediu à comissão uma lista dos países de onde partiu a droga rumo à China, mas não obteve resposta.

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