Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

Informações da coluna

Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

A China decidiu não participar da Cúpula de Paz da Ucrânia que será realizada neste fim de semana na Suíça, mas fará uma grande sombra sobre o evento. Além de boicotar a reunião, esnobando seguidos convites de países do Ocidente, o governo de Pequim trabalha para esvaziá-la, "vendendo" nos círculos diplomáticos uma versão alternativa da proposta de paz defendida pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

O movimento de Pequim contrário à cúpula da Suíça ainda ganhou um reforço de última hora do Brasil, que assinou no mês passado um documento com o governo chinês que insiste na participação de Moscou no processo de negociação, o que não é o caso da conferência na Suíça — a Rússia não foi convidada. A aproximação com o Brasil no tema da Ucrânia foi a forma encontrada pela China para mostrar que tem apoio no Sul Global, diz Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Eurasia Russia Center, em Berlim.

Em conversa com correspondentes estrangeiros baseados na China, Gabuev disse que a proposta sino-brasileira “vale ouro” para Moscou por ajudar na sabotagem da cúpula da Suíça. Mas ele concorda que muitos países do Ocidente questionam a viabilidade da proposta de paz de Zelensky, e gostariam de ver um cessar-fogo. Gabuev é um dos mais requisitados especialistas nas relações entre China e Rússia, e teve que se mudar de Moscou para Berlim no ano passado quando a repressão do Kremlin tornou perigoso manter uma posição crítica sobre a guerra.

Como interpreta o documento assinado pelo Brasil com a China sobre a guerra?

Acho que a iniciativa conjunta é importante. A China precisava mover-se de maneira perspicaz para mostrar que sua posição é compartilhada com um país importante no chamado Sul Global. O Brasil é uma escolha perfeita, pela boa relação bilateral e pelo ceticismo em Brasília com o processo de Copenhagen [para discutir o conflito]. Foi a forma de a China dizer que há uma proposta sobre a mesa que tem ambição mas não é maximalista, e tem potencial para levar à suspensão das hostilidades sobre uma base com que todos podem concordar, ao lado de um grande país do Sul Global.

E para a Rússia?

Do ponto de vista da Rússia, definitivamente é um movimento bem-vindo, porque ajuda a torpedear a conferência de paz [na Suíça] e o esforço ucraniano em torno da fórmula de Zelensky. Se há algum meio de a Rússia mostrar que a fórmula de Zelensky está fadada ao fracasso, definitivamente a iniciativa da China e do Brasil de apresentar uma proposta alternativa e menos ambiciosa vale ouro. É por isso que vemos reações muito positivas do lado russo.

Há no Ocidente a sensação de que “perdeu” o Brasil nessa disputa?

No Ocidente a atitude é complexa. Não há dúvida de que a Ucrânia deveria liderar esse processo de paz, e que isso é moralmente justificado. Por outro lado, há muito questionamento sobre a viabilidade de tornar realidade a justa e ambiciosa proposta de Zelensky. A questão é se uma longa guerra de atrito, em que a Rússia é o país mais forte e não tem preocupação com vidas humanas, tanto ucranianas como russas, seria favorável ao interesse da Ucrânia. E se houver uma oportunidade de cessar as hostilidades e interromper o ciclo de morte e destruição em termos que não são perfeitos, mas que tivessem elementos aceitáveis para os ucranianos, conduzindo a Ucrânia para uma trajetória de soberania, ancorada na estrutura euro-atlântica, muitos países estariam abertos a explorar esse caminho, juntamente com países como China e Brasil. Mas isso não é possível sem o apoio da Ucrânia, e para isso é preciso saber qual será a situação no campo de batalha até o fim do ano, e Kiev assumir uma posição mais moderada.

A Ucrânia tem chance de virar o jogo?

Acho que haverá um obstáculo que será crucial para qualquer negociação, que é a habilidade de Kiev de obter apoio militar do Ocidente. A Rússia definitivamente quer deter qualquer tipo de apoio militar, seja em termos de suprimento de armas, treinamento, compartilhamento de inteligência, etc, o que deixaria a Ucrânia à mercê de Moscou. A Rússia seria capaz de invadir de novo quando quiser. Ou o cessar-fogo permitirá que a Ucrânia ganhe tempo para consolidar uma defesa com o apoio do Ocidente que constitua um poder de dissuasão contra futuras agressões. Esse será o ponto crucial para qualquer negociação sobre o fim das hostilidades, uma tarefa extremamente difícil para a diplomacia.

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