Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

Embora em contextos bem diferentes, as maiores potências do mundo passaram os últimos dias sob testes de liderança. Enquanto os EUA se dividiam entre dois candidatos com capacidade questionável para ocupar a Presidência, até a saída de Joe Biden da disputa, a China se empenhava em demonstrar união em torno de seu líder num momento incerto.

Neste processo, os dois modelos exibiram tanto sua força como suas vulnerabilidades. Nos EUA, uma sucessão turbulenta e com arroubos de violência, mas que permite movimentos oposicionistas como o que resultou na desistência de Biden. Na China, a capacidade de mobilização possibilita o planejamento de longo prazo, mas deixa pouco espaço para questionamentos e contrapontos.

Dias depois de concluído o encontro mais importante do ano no calendário político chinês, analistas ainda se esforçam para entender quais serão as consequências práticas da sessão que reuniu o topo do Partido Comunista da China. Os não iniciados nem tentam. Pergunte ao “cidadão comum” sobre o tema e a maioria reagirá com desinteresse, ou total desconhecimento.

É uma das marcas do sistema político chinês, em que o Partido Comunista se confunde com o papel do Estado e determina de cima para baixo as diretrizes a serem seguidas pelas camadas inferiores da administração pública. A rigidez partidária tem flexibilidades, como mostrou a reunião do PC. Foram divulgadas diretrizes, mas não políticas específicas: há espaço para que os governos locais decidam como cumprir as metas, contanto que apresentem resultados.

Persiste o pragmatismo recomendado pelo pai da abertura chinesa, Deng Xiaoping: “Não importa se o gato é preto ou branco, contanto que ele pegue o rato”. Para frustração de muitos membros da velha guarda do PC, outros mandamentos de Deng deixaram de valer desde a chegada de Xi Jinping ao poder, como manter a separação entre governo e Partido e evitar a concentração excessiva de poder do líder.

Apesar do acesso popular escasso ao processo decisório, o PC segue um ritual de prestação de contas que considera importante para preservar sua legitimidade na liderança do país. No dia seguinte à reunião, os resultados foram transmitidos ao vivo pela TV estatal, numa entrevista coletiva cuidadosamente coreografada. Com um roteiro de perguntas conhecidas de antemão, cinco engravatados repetiram o mantra do momento: “Manter o aprofundamento de reformas abrangentes para avançar a modernização chinesa”.

Mais de 300 reformas foram aprovadas, segundo o comunicado oficial. Simplificando ao máximo, o desafio chinês é recuperar a produtividade de sua economia para compensar o declínio da população economicamente ativa. Para isso, é preciso que a China passe por uma “reindustrialização”, impulsionada principalmente por inovação e transição energética, disse o reitor da Escola de Administração da Universidade de Pequim, Qiao Liu.

Enquanto os EUA buscam uma reindustrialização pela recuperação de setores tradicionais, para a China o processo é de “transformação digital da indústria”, compara Qiao. Além disso, diz ele, a China conta com um trunfo para alavancar a produtividade: o país tem a maior base industrial do mundo, com o setor de manufatura responsável por 27,7% do PIB em 2023, contra 10,7% nos EUA. Mas a dinâmica é de interdependência: com toda a rivalidade e o protecionismo, os EUA continuam sendo o principal mercado para os produtos “Made in China”.

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