Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

Informações da coluna

Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

RESUMO

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GERADO EM: 13/08/2024 - 04:30

Brasil nomeia embaixador para Taiwan: repercussões diplomáticas

Brasil nomeia embaixador de alto escalão para Taiwan, desafiando a política de "uma só China". A mudança sutil causa preocupação em Pequim, levantando questões sobre a relação diplomática. O deslize, resultado de um simples erro, destaca a importância da cautela e da consistência nas relações internacionais.

A diplomacia é feita de sutilezas e simbolismos. Detalhes que podem parecer insignificantes exigem atenção redobrada, para evitar ruídos indesejados. Uma nomeação recente do Itamaraty tem nuances que passaram quase despercebidos, mas não escaparam de observadores mais argutos da relação Brasil-China, que completa 50 anos esta semana.

Trata-se da escolha do novo representante do Brasil em Taiwan. A ilha de 23 milhões de habitantes funciona de forma independente, mas o governo de Pequim a considera um território rebelde que deve ser reunificado com a China continental. É, sem dúvida, a questão mais sensível para a diplomacia chinesa. Tanto que a condição básica da China para manter relações oficiais com qualquer país é que ele não reconheça Taiwan como nação independente.

Desde que estabeleceu laços diplomáticos com a China em 1974, transferindo a embaixada de Taipé para Pequim, o Brasil segue esse princípio com rigor. Por isso, chamou a atenção a mudança observada num decreto do dia 14 de junho. Ele designa Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos “para exercer a função de Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Taipé”. Santos é “ministro de primeira classe”, o cargo mais elevado da carreira diplomática, também conhecido como “embaixador”.

Até agora, o Itamaraty buscava ocupar a chefia do escritório em Taipé com um profissional de nível hierárquico inferior, para deixar claro que o escritório não tem status de missão diplomática e evitar atritos com Pequim. É o caso de Miguel Magalhães, que voltou no domingo a Brasília após quatro anos no cargo. Embora tenha chefiado a embaixada do Brasil no Iraque, sua graduação é de “ministro de segunda classe”, uma abaixo da máxima.

Outra novidade no decreto é a omissão do consulado do Brasil em Tóquio, ao qual a representação em Taiwan é subordinada. O vínculo costumava aparecer nas nomeações anteriores, evidenciando que Taipé não é uma missão independente. As nuances foram notadas por diplomatas que conhecem bem o tema, causando inquietação entre eles.

Em conversas sob condição de anonimato, três ex-embaixadores brasileiros que já serviram na China e/ou em Taiwan mostraram estranheza com a variação e apontaram para o risco de mal-estar com Pequim. Em tese, lembram, a mudança poderia ser erroneamente interpretada como “upgrade” (elevação) da representação brasileira em Taiwan, ainda que esta não tenha sido a intenção. A causa do tropeço foi bem trivial, apostam: abrigar mais um embaixador no exterior.

Um deles lembra que o entendimento tácito é que o Brasil se compromete a manter na chefia em Taiwan no máximo um ministro de segunda classe. Celso Amorim, principal estrategista de política externa do governo, foi alertado sobre o caso, mas não reagiu. À coluna, o ministério de Relações Exteriores chinês diz que não tinha conhecimento da alteração, mas mandou um recado por meio de seu porta-voz: “Só existe uma China no mundo, e Taiwan é parte inalienável do território da China. Acredito que o governo brasileiro continuará a aderir inabalavelmente ao princípio de ‘uma só China’.

É possível que o deslize não cause maiores danos na relação com a China, num momento de lua de mel com o Brasil. Mas reforça a impressão entre alguns diplomatas de que ficou para trás o tempo em que a reputação do serviço exterior brasileiro era resumida numa frase: “O Itamaraty não improvisa”.

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