Míriam Leitão
PUBLICIDADE
Míriam Leitão

O olhar único que há 50 anos acompanha o que é notícia no Brasil e no mundo

Informações da coluna
Por

O Banco Central manter os juros em 10,5% era esperado, mas foi de novo por unanimidade. Isso reduz a força do discurso de politização da autoridade monetária e aumenta as chances de uma transição menos tumultuada. A divergência entre indicados, por um e por outro governo, está agora resolvida e eles fazem a mesma avaliação da conjuntura. Desde a última decisão do Copom, as expectativas de inflação pioraram um pouco e o dólar subiu, dando alguma justificativa à “cautela” do BC. De outro lado, ontem veio uma boa notícia de fora, os juros americanos podem estar perto de cair. Isso muda um dado relevante para a definição da política monetária brasileira.

O que o Banco Central do Brasil disse foi que a inflação de serviços está mais difícil de cair e, entre os riscos de alta de inflação, está a taxa de câmbio “persistentemente mais depreciada”. De fato, o dólar tem subido muito. Fechou ontem em R$ 5,65 e estava em R$ 5,44 na última reunião. O problema é que o BC pode acabar criando um ambiente para uma profecia autorrealizável num contexto em que nem há muito fundamento para um câmbio tão alto.

O tom do comunicado foi considerado “duro” pela maioria dos analistas. Ao mesmo tempo, a avaliação mais frequente foi de que não houve indicação de que os juros poderão subir caso seja necessário. Na verdade há sim. No final do comunicado está dito o seguinte: “O comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros nas taxas de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”. Apesar desse sinal, muitos bancos avaliaram que o BC não mostrou que “está pronto para agir”.

Num outro planeta distante, o da política, a decisão unânime de manter os juros em 10,5% vai provocar nova onda de críticas ao Banco Central. Em parte porque o governo acaba de cortar os gastos atingindo até o PAC e as emendas de comissão. Em parte porque os juros já estão no centro do debate político mesmo.

Nos Estados Unidos, a superquarta acabou bem diferente da nossa. O banco central americano, o Fed, deixou claro que os juros cairão em breve. O presidente do Fed, Jerome Powell, nunca foi tão explícito sobre isso quanto desta vez. “A redução na nossa taxa de referência pode estar na mesa logo na próxima reunião em setembro”. Isso, quando acontecer, mudará o ambiente da política monetária no mundo e no Brasil. Desde o começo do ano, os bancos centrais olham para o Fed à espera da flexibilização da política de juros, excessivamente alta e que absorve grande parte dos fluxos de capital no patamar atual.

O economista Winston Fritsch, conselheiro do Cebri, em entrevista que me concedeu ontem na Globonews sobre mecanismos de financiamento da transição ecológica, disse que a economia americana está vivendo uma situação sem precedentes, com crescimento apesar de os juros estarem no nível em que estiveram apenas durante o começo da crise de 2008, do Lehman Brothers. A curva de juros americana realmente impressiona, porque mostra uma taxa perto de zero por quase uma década e um salto agora para este nível de crise.

Segundo o Fed, há importantes sinais vindos da inflação que podem permitir a queda dos juros. “O resultado da inflação do segundo trimestre aumentou nossa confiança e novos dados aumentarão mais ainda nossa confiança”, disse Powell.

Mas lá como cá esse é um assunto que acaba se mexendo com a política. O candidato republicano Donald Trump alertou o presidente do Fed de que não deveria reduzir taxa de juros antes da eleição de novembro, e acrescentou que ele até poderia concluir seu mandato se fizesse “a coisa certa”. Powell respondeu o seguinte: “Nós nunca usamos nossos instrumentos para apoiar ou se opor a partido político ou a um político ou a qualquer resultado político”. Detalhe, Powell foi originalmente escolhido por Trump e mantido no cargo pelo presidente Joe Biden.

O comunicado do BC parece ter sido escrito sem considerar esse sinal de queda dos juros dado pelo Fed, porque começa dizendo que “o ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza” em relação à política monetária americana. Pois ontem mesmo ela ficou menos incerta. O Fed entreabriu uma porta, mas o Copom não viu.

(Com Luciana Casemiro)

Mais recente Próxima Comunicado do Copom é mais duro do que o anterior, mas não indica necessidade de alta de juros