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O ritmo da opinião pública

Informações da coluna

Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires

Há duas semanas, organizações de defesa dos direitos humanos de El Salvador confirmaram ter recebido 3.186 denúncias sobre prisões arbitrárias ocorridas no país, desde março passado em estado de exceção por decisão do presidente Nayib Bukele. Com entre 75% e 80% de aprovação, o chefe de Estado mais popular da América Latina governa com mão de ferro, tem o controle de todos os poderes e fez um giro autoritário, com desafios permanentes aos limites do regime democrático.

O que surpreende do caso salvadorenho é justamente o respaldo em massa de uma sociedade que, segundo mostram todas as pesquisas que circulam no país, está amplamente satisfeita com o estilo, modus operandi e ações de Bukele, um político de apenas 41 anos que soube interpretar as demandas de uma população farta de escândalos de corrupção, da violência e dos partidos tradicionais, cada dia mais desconectados do mundo real.

Ao observar pesquisas realizadas pela Latinobarometro antes da eleição de Bukele, em 2019, fica claro que o chefe de Estado é resultado de um desgaste da imagem da democracia em El Salvador, e dos desastrosos governos dos tradicionais partidos Arena (Aliança Republicana Nacionalista, de direita) e FMLN (Frente Farabundo Marti de Liberação Nacional, de esquerda), que se alternaram no poder durante 30 anos. Atualmente, dos três ex-presidentes que precederam Bukele, dois estão foragidos e um preso.

Mauricio Funes (2009-2014), do FMLN, foi acusado de corrupção e enriquecimento ilícito e asilou-se na Nicarágua. Antonio Saca (2004-2009), expulso do Arena, foi preso em 2017, por denúncias de desvio de US$ 301 milhões do Estado para contas pessoais. Em 2018, após confessar os delitos cometidos, Saca foi condenado a dez anos de detenção. Já Salvador Sánchez Cerén (2014-2019), do FMLN, também foi acusado de corrupção e, como Funes, buscou proteção na Nicarágua, onde obteve a cidadania por decisão do governo de Daniel Ortega, em meados do ano passado.

— Bukele chegou ao poder, em grande medida, pelo profundo sentimento de frustração entre os salvadorenhos. Ele apareceu como supostamente um outsider, embora sua origem política seja o FMLN, um discurso muito articulado, domínio da comunicação em redes sociais, e uma agenda executiva — explica Oscar Picardo, diretor da Unidade de Pesquisa da Universidade Francisco Gaviria, que faz pesquisas de opinião pública.

Segundo Picardo, “Bukele consegue gerar uma conexão forte com a população, quase religiosa”.

— A demanda que existia no país era de um governo autoritário e hoje a grande maioria dos salvadorenhos está satisfeita — afirma o analista.

Pouco importa, para esta avassaladora maioria, se Bukele e seu governo estão, em nome do combate às gangues violentas que durante anos provocaram banhos de sangue, prendendo inocentes. São, comenta-se no país, “danos colaterais”.

A última pesquisa coordenada por Picardo mostrou que 71% das pessoas acham que o país está no caminho certo; 72% estão satisfeitos com o presidente; 72% acham que Bukele deve disputar a reeleição (que não era permitida e foi autorizada pela Justiça, controlada pelo governo) em 2024; e 81% apontam que “com Bukele estamos melhor”.

Estado de exceção com 50 mil prisões

O campeão de popularidade entre os chefes de Estado latino-americanos aplicou uma das quarentenas mais rígidas do mundo durante a pandemia e hoje é aplaudido pela sociedade; recebe investimentos milionários da China, que financia obras faraônicas; vive em permanente tensão com os Estados Unidos de Joe Biden (com Donald Trump houve alinhamento); deu sinal verde à adoção do Bitcoin como moeda de curso legal no país, uma de suas medidas menos festejadas, numa economia dolarizada; e, desde março, governa um país em estado de exceção, onde, nos últimos meses, foram detidas mais de 50 mil pessoas — gerando uma crise no sistema penitenciário.

Pessoas são presas em El Salvador durante repressão a gangues — Foto: Sthanly Estrada/AFP
Pessoas são presas em El Salvador durante repressão a gangues — Foto: Sthanly Estrada/AFP

Nas eleições legislativas e regionais de 2021, os candidatos de Bukele arrasaram, dando ao presidente o controle do Parlamento e da grande maioria dos governos municipais.

— O governo não informa por que as pessoas estão sendo detidas, os direitos da cidadania estão suspensos, mas a sociedade se sente mais segura. É uma falsa sensação de segurança, porque muitos delinquentes estão escondidos — assegura Ruth López, da ONG Cristosal, uma das que denunciou as detenções arbitrárias publicamente.

Muitos analistas e jornalistas procurados pelo GLOBO pediram para não revelar sua identidade. O medo de retaliações e perseguições por parte do governo de Bukele está no ar. Vários jornais denunciaram supostos casos de corrupção no governo e, também, supostos vínculos de membros do gabinete com as violentas gangues salvadorenhas. Um fato chamou a atenção dos jornalistas em recentes detenções: a pouca quantidade de armas encontradas.

Na pesquisa da Latinobarometro prévia à eleição de 2019, apenas 28% dos salvadorenhos diziam apoiar a democracia, colocando o país no último lugar no ranking de respaldo a regimes democráticos na região. Na mesma pesquisa, 54% dos entrevistados diziam que dava no mesmo um regime democrático ou um não democrático. No caso do Brasil, o percentual foi de 41%.

Esses números explicam por que, na eleição que consagrou Bukele, apenas 51,88% dos eleitores salvadorenhos votaram, num país no qual o voto não é obrigatório. Foi o nível de participação mais baixo das últimas eleições. Atualmente, pesquisas mostram que, “se for necessário”, 66% das pessoas defendem que o presidente controle os meios de comunicação.

Um político que furou a polarização com discursos explosivos

Bukele é, em palavras de um analista de longa trajetória, “um demagogo populista, que identifica seus inimigos, sequestra instituições e oferece ao país resultados imediatos”. O presidente distribuiu US$ 300 por pessoa durante a pandemia, gosta de inaugurar grandes obras com frequência — de hospitais a parques de diversão —, prende supostos delinquentes em massa e faz discursos explosivos contra “as tentativas de dominação dos Estados Unidos”.

Em países vizinhos, como Guatemala e Honduras, assegura o analista Ruben Moreno, que trabalhou na Gallup e há 14 anos fundou a Moreno Reseach, “muitas pessoas pedem um presidente como Bukele”.

— Funes foi um presidente popular, mas Bukele o supera. Ele é o presidente mais popular da História do El Salvador, e conseguiu a proeza de acabar com a polarização — frisa Moreno.

De fato, hoje os tradicionais Arena e FMLN estão totalmente desmoralizados, e Bukele reina em El Salvador, praticamente sem oposição política.

— Os partidos tradicionais não se descolaram dos escândalos de corrupção e são os grandes responsáveis pelo fenômeno de Bukele. Continuam sem permitir novas lideranças e sem saber como se comunicar com a sociedade — explica o analista.

Para ele, “existe tolerância às atitudes antidemocráticas de Bukele, à repressão, às arbitrariedades, porque o presidente se mostra como alguém que atende as demandas da população”.

— O temor é sobre o futuro. Quando Bukele tiver de deixar o poder, poderemos votar livremente? — pergunta Moreno. Suas pesquisas confirmam um nível de aprovação do presidente acima de 70%.

O presidente mais popular da América Latina conta com total respaldo das Forças Armadas; tem reforçado, segundo jornalistas, o assédio a meios de comunicação críticos; limitou, de acordo com a imprensa local, o acesso à informação; não responde sobre suspeitas de corrupção; concede medidas como subsídios aos combustíveis, à energia elétrica e programas de ajuda para pequenas e médias empresas.

A guerra interna entre governos de direita, aliados aos militares e aos EUA, e a guerrilha de esquerda FMLN (origem do partido), que durou de 1979 a 1992, deixou, concluíram vários dos analistas ouvidos, “uma demanda de ordem e controle social”, capitalizada por Bukele, hoje visto como uma ameaça à democracia por seus críticos, e um perigo nacional e regional por organizações como a Anistia Internacional.

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