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O ritmo da opinião pública

Informações da coluna

Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

Por — São Paulo

Dados da nova edição da pesquisa “A Cara da Democracia” mostram que os brasileiros passaram a confiar menos no Supremo Tribunal Federal (STF) e nas Forças Armadas no último ano. O levantamento, desenvolvido pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), indica que as igrejas se mantêm na liderança do ranking entre as seis instituições que tiveram a avaliação à prova: 79% dos brasileiros declaram confiar em alguma medida nas igrejas, dentre os quais 42% afirmam “confiar muito”. Os que dizem não confiar somam 19%.

Por outro lado, o percentual dos que declaram ter total confiança nas Forças Armadas caiu desde setembro do ano passado (a taxa passou de 27% para 20%). O índice dos que dizem não confiar nem um pouco nos militares teve variação para cima no mesmo período, oscilando de 26% para 30%.

Esse abalo na imagem dos militares já havia sido registrado em outra pesquisa, da Quaest, e ocorre após tramas golpistas terem se aproximado dos quartéis no último ano. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro mobilizou as Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, para que integrassem uma comissão de fiscalização das eleições de 2022. Os militares, em concomitância com o discurso feito pelo ex-mandatário de ataques às urnas eletrônicas, produziram um relatório após o segundo turno no qual reconheceram não haver evidências de fraudes nas urnas, mas ressaltaram, sem indícios, que “não se excluía” essa possibilidade.

As Forças Armadas foram alçadas à condição de última esperança por parte dos apoiadores de Bolsonaro após a derrota para Lula no voto popular. Uma parcela desse grupo acampou em frente a quartéis do Exército para clamar por uma ação que revertesse o resultado do pleito. A ação culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, ocorrida em 8 de janeiro. Após o episódio, o então comandante do Exército, general Júlio César Arruda, foi substituído.

'A cara da democracia': avaliação das instituições — Foto: Editoria de Arte
'A cara da democracia': avaliação das instituições — Foto: Editoria de Arte

STF e Justiça Eleitoral em baixa

O STF e a Justiça Eleitoral são as figuras que mais viram recuar o percentual total dos que dizem confiar em alguma medida nestas instituições. Em setembro do ano passado, 64% afirmavam confiar “pouco”, “mais ou menos” ou “muito” no Supremo, taxa que agora é de 60%. Nesse grupo, só 14% declaram crença máxima na Corte. Outros 36% dizem não confiar nem um pouco no STF, percentual que no levantamento anterior foi de 32%.

A queda na confiança da população em sua Suprema Corte faz com que o órgão se aproxime do Congresso Nacional na ponta de baixo do ranking elaborado a partir dos números da pesquisa “A Cara da Democracia”. Câmara dos Deputados e Senado Federal não são “nem um pouco” confiáveis para 39% dos entrevistados, taxa que só é inferior à dos partidos políticos, desacreditados por 48%.

Já a Justiça Eleitoral, até o ano passado confiável em alguma pedida para 72% dos brasileiros, agora convence 69%. A taxa de desconfiança passou de 26% para 31% desde setembro do ano passado.

A piora na imagem das instituições do Poder Judiciário perante a opinião pública acompanha o protagonismo que esses órgãos vêm ganhando. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estampou manchetes em junho ao condenar Bolsonaro à inelegibilidade. Já o Supremo, que há um mês abriga o ex-advogado de Lula, Cristiano Zanin, tem sido monitorado de perto pelo noticiário especialmente por conta dos inquéritos das milícias digitais (que inclui o caso das joias dadas a Bolsonaro), das fake news e dos atos golpistas.

O professor de ciência política Lucio Rennó, da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o recuo na confiança da população em instituições como o STF e a Justiça Eleitoral reflete o alcance do discurso bolsonarista de questionar esses atores políticos.

— Existe um mecanismo de reforço entre a posição crítica do Bolsonaro a essas instituições e as percepções da população, em que uma parte considerável tem pré-disposição a acatar esse componente mais autoritário. Há uma sinalização clara de que há problemas com o funcionamento da democracia no Brasil. Ainda existem desafios muito grandes para enfrentar, e negar isso é tentar tapar o sol com a peneira. Não se pode ignorar que de fato existem problemas com a nossa democracia e os acontecimentos pós-eleições deixaram claro o grau de radicalismo que isso pode atingir no Brasil.

A pesquisa "A Cara da Democracia" foi feita com 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país, entre 22 e 29 de agosto. O levantamento é financiado pelo CNPq, Capes e Fapemig e é feito pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), que reúne pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos e o índice de confiança é de 95%.

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