Renata Agostini
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Renata Agostini

Bastidores, notícias exclusivas e análises para entender o jogo do poder

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Renata Agostini

Repórter especial em Brasília e colunista do GLOBO. Formada em jornalismo pela UFRJ, passou pelas redações de Folha, Estadão, CNN, Exame e Veja.

Por — Brasília

Eram 9h32 de quarta-feira quando Fernando Haddad cruzou o portão do Palácio do Alvorada no início do caminho de volta ao Ministério da Fazenda. A reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de cerca de uma hora, havia transcorrido bem. Uma conversa "franca", na qual o ministro explicou a Lula que era preciso ceder ou o cenário iria se deteriorar mais e mais. Para Haddad, ainda que o petista de fato acreditasse que "investimento não é gasto", o limite para esse debate estava "menos elástico".

O mercado queria saber se o presidente deixaria a contenção de despesas ocorrer. Enquanto isso não acontecesse, a própria economia iria sofrer. Lula parecia ter absorvido a mensagem. Mas Haddad ainda estava apreensivo. O dia seria longo. Seriam mais dois encontros com Lula até a decisão final, prevista para ocorrer junto com outros ministros no Palácio do Planalto já de noite.

O encontro da manhã representava mais uma de muitas tentativas de Haddad de convencer o presidente a fazer um gesto enfático e acalmar o mercado. O diagnóstico na Fazenda era que o tempo se esgotava e algo precisava ser feito até o final desta semana. O dólar caminhava para um patamar perigoso, margeando a casa dos R$ 5,70, e a curva de juros futuros seguia em alta.

Medidas concretas

Para Haddad e seu time, o problema havia começado ainda em maio, quando o BC "rachou", com os indicados por Lula votando por um corte maior de juros do que os indicados por Bolsonaro. Um movimento alheio ao governo que o presidente tratou de trazer para seu colo quando, dias depois, iniciou uma rodada de ataques à autoridade monetária em entrevistas.

A forma de reagir estava clara para a equipe econômica: era necessário dobrar a aposta no plano em curso e, não só dizer que o compromisso com o arcabouço fiscal estava de pé, mas mostrar que ele estava vivo, com o anúncio de medidas concretas.

O ministro havia escalado o seu secretário-executivo, Dario Durigan, para redigir uma proposta ao presidente. O ofício preparado indicava um roteiro, com cinco princípios: fidelidade ao arcabouço, respeito à autonomia do Banco Central, autorização para contingenciamento de despesas, corte de gastos de R$ 25 bilhões e autorização para seguir na revisão de gastos.

O documento foi enviado e discutido com a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, que devolveu com sugestões. Foi submetido ainda às equipes do Planejamento e ao ministério da Gestão. Era preciso chegar à reunião agendada por Lula para o fim de quarta-feira com algo já minimamente consensuado. Para a equipe de Haddad, quanto mais unidade houvesse entre o grupo, maiores as chances de obter o aval presidencial.

Às 13h30, veio o primeiro sinal de Lula de que ele estava a bordo do plano de afagar o mercado. A jornalistas, no lançamento do Plano Safra para agricultura familiar, o petista cravou: "Responsabilidade fiscal é compromisso do governo". Era um alívio. Por volta de 17h30, o presidente aproveitou novo encontro com jornalistas para dizer que o país "jamais será irresponsável do ponto de vista fiscal" e que, havendo "desarranjo" era o caso de "consertar”.

“Desce com todo mundo”

Na Fazenda, à espera da reunião que o levaria de volta ao Planalto, Haddad já havia mudado de semblante. O ministro estava enfim mais leve. Segundo um interlocutor, as falas eram reflexo direto da conversa a sós que Haddad e Lula tiveram nas primeiras horas do dia. "O presidente voltou", comemorou um auxiliar nos corredores da Fazenda. O clima havia mudado, mas ainda era necessário saber se o chefe do Executivo iria anuir com todo o roteiro elaborado pelo time econômico.

Na reunião no Planalto, Lula ainda quis saber se havia necessidade de todos aqueles passos. Ouviu de um dos presentes que martelar pela necessidade de autonomia do Banco Central tirava a pressão na escolha do substituto de Roberto Campos Neto. A transição não pode "fazer preço", disse um auxiliar. "A autonomia é importante para evitar justamente o que o Roberto está fazendo com o senhor", disse outro.

O grupo refez ainda ao presidente o diagnóstico de que o pente-fino traria resultados e nenhum ministério seria estrangulado. Era possível anunciar o corte de R$ 25,9 bilhões sem ferir os desejos presidenciais de manter investimentos. Lula também recebeu o diagnóstico de que a economia "estava bem", com indicadores como inflação e desemprego em patamares historicamente baixos e não havia motivo para "colocar tudo a perder". O dólar elevado pressionava a inflação e a curva de juros em alta significaria menos investimentos. Era o momento de preservar a agenda econômica. Lula anuiu.

"Haddad, desce então com todo mundo para fazer a declaração à imprensa". A ordem de Lula dada aos ministros reunidos no Planalto às 20h00 encerrou o debate naquela noite, pôs fim a semanas de especulação e "reempoderou a Fazenda", segundo um integrante do governo. Para auxiliares de Haddad, foi até aqui a mais expressiva vitória do ministro. Um deles lembra que, no ano passado, quando a batalha era em torno da manutenção da meta de "déficit zero", Lula indicava que poderia dar aval à uma mudança de movimento do governo. Recuou. Agora, a depender da decisão do presidente, poderia representar o "fim da sinfonia". Haddad, para quem cada semestre é um "round", precisou levar a luta até o último minuto desta vez, mas pode afirmar que venceu mais um assalto.

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