Saideira
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Saideira

Mostramos para vocês as melhores pedidas de programas no Rio de Janeiro.

Informações da coluna

Marina Gonçalves

Do subúrbio à Zona Sul, do rock ao samba, da praia ao boteco, não importa: o Rio é o meu lugar. Com saideira, de preferência.

Cláudia Meneses

Cláudia Meneses é uma jornalista apaixonada por vinhos, caminhadas e o Rio de Janeiro. É sommelière pela ABS-RJ e nível 2 da Wine & Spirit Education Trust.

Por Cláudia Meneses

Considerado um dos maiores enólogos do mundo, o italiano Alberto Antonini, de 63 anos, se divide entre vinícolas de 12 países em seu trabalho como flying winemaker. A expressão define o profissional que dá consultoria para marcas em diversos países e, principalmente, em continentes diferentes. Com nomes de peso em seu portfólio como Antinori, Frescobaldi e Concha y Toro, Antonini também tem um projeto premiado na Argentina, o Alto Las Hormigas, e administra a vinícola da família, a Poggiotondo, na Toscana. Em entrevista exclusiva para O GLOBO durante a vindima na uruguaia Garzón, Antonini revela que a produção de um grande vinho é um trabalho complexo: “A parte difícil é interpretar a interação entre solo, planta e clima, brincar com isso”. Ele defende que se faça o mínimo de manipulações possíveis no vinhedo. “Manipular significa fazer o vinho perder a identidade e a alma”, ensina.

Colheita manual na Alto Las Hormigas, em Mendoza: tintos premados — Foto: Reprodução
Colheita manual na Alto Las Hormigas, em Mendoza: tintos premados — Foto: Reprodução

Antonini aborda sua preocupação com as mudanças climáticas, que têm causado prejuízos no setor vitivinícola, com secas, geadas e tempestades. “Quando faço um plano de 5 anos, temos que colocar uns 15%, 20% menos uvas que antes”, lamenta. Ao analisar a produção sul-americana de vinhos, sentencia: “Claramente, hoje o Chile cresceu, mas percepção do mundo sobre a Argentina segue sendo a de um país que está fazendo vinhos de alta gama, de grande qualidade”.

Para quem quer desfrutar o mundo do vinho, o enólogo recomenda fugir de influencers. “ Você tem que começar a beber vinho e se perguntar quais são as duas sensações”, ensina. Antonini também aborda outro tema polêmico: a qualidade dos vinhos naturais. “Eu gosto do vinho feito de uma maneira natural. Mas natural não significa que ele tenha defeitos. O vinho natural tem que ser bom”, decreta. Confira os principais trechos da entrevista:

A receita de um vinho

Fazer vinho não é uma receita, é uma experiência. Significa dar tempo para a vinha se desenvolver, dar tempo para a uva demonstrar-se. É processo longo e muito profundo de amor e de muita coisa pequena. Os vinhos industriais são fáceis, têm que ser bons e sem defeitos. Os vinhos de terroir, os vinhos com alma, os grandes vinhos são obras que requerem muito tempo.

Digo aos meus amigos cozinheiros que são sortudos. Uma receita você pode provar três, quatro vezes no dia. Se eu tenho que fazer um ensaio, tenho que fazê-lo uma vez por ano. Todo o conhecimento, toda a experiência é um processo longo.

Os vinhos industriais são fáceis, têm que ser bons e sem defeitos. Os vinhos de terroir, os vinhos com alma, os grandes vinhos são obras que requerem muito tempo
— Alberto Antonini

O que faz o enólogo

O enólogo tem que disponibilizar sua experiência e seu conhecimento para transformar a uva em um vinho que fale ao consumidor de sua origem. Fazer o mínimo de manipulações possíveis no vinhedo. Manipular significa fazer o vinho perder a identidade e a alma. O vinho é o resultado mágico de três elementos: o solo, a planta e o clima. Os três são os únicos responsáveis por gerar um líquido que tem um perfil organoléptico que pode realmente falar de forma autêntica de sua origem.

É um trabalho complexo. Para mim sempre foi mais difícil fazer vinho de lugar que vinho de enólogo. A parte difícil é a interpretação da interação entre solo, planta e clima, brincar com isso. Porque no final, sempre são as pessoas que fazem, mas que seja de uma forma pouco invasiva e que não mude a essência do resultado, que não mude a essência dos elementos.

O trabalho na Garzón

A coisa mais importante que se fez na Garzón, graças à visão de longo prazo da família Bulgheroni, foi plantar vinhedos sem mudar a natureza, sem remover encostas nem tirar colinas. Mantivemos a Garzón como era antes e plantamos os vinhedos com grande respeito. Quinze anos são um bom começo, mas se você pensa que um grande vinho precisa de tempo para se desenvolver, então estamos numa primeira fase. O que eu gosto muito é que os vinhos, com os anos e a maturação da planta, tomam cada vez mais caráter e expressam cada vez melhor a sua origem. Isso é importante. Nossos vinhos não são vinhos de enólogos. São vinhos de lugar.

Trabalhamos muito bem em equipe, porque Germán Bruzzone (enólogo da Garzón) também gosta de me ouvir, já que tenho experiência em vários lugares do mundo. Tenho mais anos, e os anos te ensinam coisas. Somos uma equipe muito harmoniosa e equilibrada. Germán é uma pessoa extraordinária, com uma experiência incrível. Ele vive há 15 anos neste lugar e todos os dias fala com a planta, fala com o vinho.

Um projeto que partiu do zero

Em Maldonado, não havia nada. Toda a vitivinicultura uruguaia até a criação da Garzón estava em Canelones. A fonte de inspiração foi minha experiência, olhando o solo e o clima. Estamos em um clima atlântico e um solo de origem granítica. Quando veio o assunto do que plantar, eu disse que conhecia bem a Galícia, na Espanha, que tem Atlântico e solo granítico. Mas pensei que não podia jogar todo o branco com o Albariño e vi outras variedades que poderiam funcionar bem. Por isso um pouco de Viognier, Pinot Grigio, Sauvignon Blanc, também pensando um pouco no mercado. O Sauvignon Blanc se plantou porque o mercado gosta muito.

Nas tintas, pensei que, se o Tannat está no Uruguai desde sempre, há um porquê. O enfoque foi o Tannat. Gostei muito da ideia de plantar Cabernet Franc, que neste clima poderia funcionar bem, inspirado no clima do Loire, na França. Depois colocamos outras variedades mais internacionais, como Merlot, Petit Verdot, que poderia ser parte interessante de um corte. Colocamos o Marselan, com resultado fantástico. Ela é um cruzamento entre Cabernet e Grenache. Gosto muito do frescor e da nota balsâmica do Grenache. E gosto da estrutura e da textura do Cabernet. O Marselan ainda não tem a fama do Cabernet. Vai faltar um pouco de tempo para que as pessoas o conheçam.

Hoje há duas variedades que se destacam do ponto de vista comercial, que são a Tannat e o Albariño. O Cabernet Franc funciona maravilha, assim como a Marselan. O Petit se utiliza muito no corte.

O terrroir da Garzón

É o componente que tem a responsabilidade maior no caráter deum vinho. O granítico é um dos cinco solos nobres que dão vida a todos os grandes vinhos do mundo. São o calcário, que é de origem sedimentar marinha, com fósseis do mar; os três vulcânicos, o xisto, o granito e o basalto; a o arenoso. A areia compactada dá muita elegância. E o solo da Garzón é granítico, com que eu gosto de trabalhar.

Também gostei muito da biodiversidade. Os grandes vinhos nascem em lugares complexos, não em lugares simples. Quando há muita diversidade, também se gera mais complexidade.

Gosto muito também da proximidade com o Atlântico. A diferença entre Maldonado e Canelones é a brisa. Em Canelones, a brisa é o Rio da Prata. Em Maldonado, é do oceano, que é mais sã, limpa e fresca. Essa brisa entra todos os dias e refresca a planta e afasta as enfermidades. Esses foram os elementos que fizeram dar sinal positivo para o dono. Ele se entusiasmou e começamos.

Uruguai no mapa-mundi do vinho

Uma das coisas importantes da Garzón foi colocar o Uruguai no mapa. Antes, o país não existia no mercado mundial. Vendia-se muito no mercado interno e um pouco no Brasil, em razão do turismo e da proximidade. Mas no mercado internacional o vinho uruguaio não tinha lugar na gôndola. O sucesso da Garzón não foi extremamente importante só para a empresa, mas para a indústria vitivinícola uruguaia.

Sem medo de concorrência

Na minha experiência, não há que se ter medo de que uma região se desenvolva. Tenho um projeto próprio na Argentina, chamado Alto Las Hormigas. Quando eu comecei com Malbec no ano de 1997, eram muito poucos a exportar e a vender Malbec. Também passei a assessorar outra vinícola e meu sócio dizia que eu ia ensinar todo mundo. Respondi que não se preocupasse. Toda região importante do mundo não tem só um produtor. São vários. Bordeaux, Borgonha, Montalcino, Chianti, Barolo não têm só um produtor. Sempre digo: causa mais danos uma vinícola ruim, que dez milhões de boas em uma região. Tomara que toda a indústria se desenvolva e cresça porque é importante para nós também. Não é bom ser o único que trabalha bem. Gosto que venham a Maldonado. É positivo. Dá força.

Malbec: a variedade de origem francesa ganhou fama com os vinhos argentinos — Foto: Divulgação / Instagram Wines of Argentina
Malbec: a variedade de origem francesa ganhou fama com os vinhos argentinos — Foto: Divulgação / Instagram Wines of Argentina

Malbec argentino

Na Argentina, quando comecei, éramos cinco empresas a vender Malbec no mundo. Hoje somos 300. É mais fácil hoje. O Malbec argentino é uma presença forte, importante. É uma categoria.

Tannat uruguaio

Com o Tannat, fizemos um grande trabalho. O Tannat no Uruguai para mim se interpretava de uma maneira muito tradicional. Era muito tânico, muito duro, concentrado. Faltavam drinkability e um pouco mais de alegria. Era um vinho que se desfrutava depois de 20 anos. HOje o mundo é mais rápido. Não se compra para tomar em 20 anos. É comprar, tomar e desfrutar.

Graças ao terroir que temos, saímos com um Tannat que mudou a percepção no mundo. Ele é amigável, tem uma estrutura muito boa, densidade, mas é rugoso, tem boa drinkability. Se nosso projeto fosse na zona tradicional de Canelones, não poderia ser assim. Temos um elemento fundamental aqui que é o clima. A brisa que temos em Garzón é a do Oceano Atlântico. A de Canelones é ado Rio da Prata, totalmente diferente. É fresca, sã, que entra no vinhedo e limpa. A de rio é mais presada, não tem a graça da brisa do oceano.

Trabalhamos também numa elaboração diferente, muito mais suave. Pouca extração por uma semana, sem sobrextração. Não usamos madeira agressiva. Creio que a combinação de variedade, solo e clima já gera uma quantidade aromas e sabores suficiente. Não gosto de que haja outro tipo de aroma.

Sempre digo que quando tenho boa não boa costela ou um bife chouriço de grande qualidade, o que se faz? Coloca na grelha com um pouco de sal e nada mais. Nada de molho. Um grande vinho não precisa ter os aromas de madeira. Eu amo café, chocolate, baunilha. Mas quando eu tomo um vinho, não quero esses sabores. Quero desfrutar da combinação mágica do que me entregam o solo, a variedade e o clima.

Usamos barris grandes sem tosta, que dão ao vinho o que ele necessita para amadurecer, uma microoxigenação muito leve, que permite que aos taninos polimerizar,de armar cadeias mais longas que lhe dão suavidade, o veludo, a rugosidade.

O Tannat da Garzón: novo estilo de vinho produzido com a uva que deu fama ao Uruguai — Foto: Divulgação
O Tannat da Garzón: novo estilo de vinho produzido com a uva que deu fama ao Uruguai — Foto: Divulgação

Menos é mais

Chegar ao simples não é fácil. Einstein não mudou o mundo com 1.500 páginas. E=mc2. Less is more, mas para fazer less, tem que saber more. Fazer vinho com menos manipulação, com menos química é muito mais difícil. Há que ter mais experiência, ficar muito mais perto do que você está fazendo, trabalhar melhor.

O desafio do vinho chileno

Trabalho no Chile há 25 anos e, honestamente, o país teve uma evolução incrível. Conheci o Chile nos anos 90, quando era uma indústria um pouco chata, tudo igual. A primeira vez nos anos 90 que viajei ao Chile para conhecer vinícolas. Fui a uma que fazia o vinho reserva com chips e saía a US$ 22. O gran reserva era feito com aduela e saía a US$ 36. E o super premium, faziam com barrica. Era um esquema muito industrial.

Antes, o vinho era produzido na área de Santiago, Colchágua e Maipo. que são excelentes, mas se foi a muito mais lugares, de Itata, que infelizmente queimou, foi uma tragédia, até o Vale de Élqui, no Norte. Há um monte de projetos hoje são super interessantes. Também grandes empresas estão fazendo coisas mais específicas em diferentes lugares. A Concha y Toro de hoje não é a mesma de 30 anos atrás em nada. É uma empresa que faz excelente vinho em todos os lugares do Chile.

O Chile hoje é um país que tem uma viticultura e uma produção muito diversificadas. A nova geração de enólogos é fantástica. Falta ao país sair um pouco de uma imagem que lhe foi construída e de ser o melhor do barato. Isso custa um pouco de tempo, está saindo. Armaram um pouco esta imagem, de que era um vinho sempre bem feito, mas era um pouco commodity. Tudo igual. Não tinha muita personalidade. Hoje te digo que o Chile é um país fantástico para a produção de vinho.

A Argentina teve sorte e lidaram bem com sua imagem, que foi posicionada acima do Chile em preço, qualidade e caráter
— Alberto Antonini

Argentina: vinhos de alta gama

A Argentina teve sorte. Até os anos 1990, praticamente toda a produção se vendia no mercado interno. Era um consumo muito grande, são muito maiores que o Chile e com uma tradição muito europeia. Não tinha evoluído muito, estava um pouco atrás. Era um bom vinho, mas supertradicional, pouco evoluído, que trabalhava com madeira, às vezes um pouco rançosa. Não era um vinho brilhante, alegre.

Quando os produtores começaram a sair para o exterior no final dos anos 90, começaram a produzir vinhos muito melhores e com mais personalidade. Havia muitos enólogos e vinícolas fazendo coisas diferentes. A Argentina teve sorte e lidaram bem com sua imagem, que foi posicionada acima do Chile em preço, qualidade e caráter.

Claramente hoje o Chile cresceu neste sentido, mas percepção do mundo sobre a Argentina segue sendo de um país que está fazendo vinhos de alta gama, de grande qualidade. E está diversificando também. Teve a etapa do Malbec super concentrado com muita madeira. Passo agora a um Malbec mais fresco, vibrante, com caraterística diferente. Estão vendendo mais lugares e variedades diferentes. Surgiram 15 anos os vinhos do Vale de Uco, de Altamira, Gualtalary, Tupungato, Chacalles. O lugar é único. Sempre gosto mais de vender o lugar, a variedade de uva é filha do mundo. Pode ir a todo lado.

Uruguai: ‘novo no mercado’

O Uruguai é um país muito novo para o mercado internacional. Começou muito bem com a Garzón e outros produtores. Não há muito vinho uruguaio barato no mercado internacional. Creio que se posicionou muito acima. O vinho mais barato se vende no mercado interno. Lá fora, se vende o que é bom como o Bouza. São produtores sérios, que trabalham bem. O Uruguai tem uma boa oportunidade. É um país pequeno, mas se posicionou bastante bem.

‘Não me querem no Brasil’

Nunca fui convidado a fazer vinho no Brasil. Não me querem no Brasil (risos). Não posso dizer nada sobre os vinhos.

Preocupação com mudanças climáticas

Trabalhando em vários lugares do mundo, nos últimos 10 anos, vejo mais coisa feia. Às vezes, há um fenômeno novo como por exemplo na Europa uma tormenta mais típica da região subtropical e que agora se vê num clima continental, na Toscana, em regiões onde não se via isso. Coisas que sempre ocorreram, como geada, chuva de granizo, seca, hoje multiplicaram a frequência. Lembro quando criança da geada que tínhamos a cada 12, 15 anos. Nos últimos 5 anos, tivemos duas fortes na Toscana. Este ano, na Toscana, graças a Deus, tivemos uma chuva em agosto. Em julho, pensei que muito vinhedos não seriam colheita.

No Uruguei também houve seca, e sempre teve clima úmido. No Chile, tudo se queimou. Na Argentina, houve uma geada terrível. Em Nova Zelândia, em Hawkes Bay, um ciclone deixou um vinhedo sob dois metros de lama. Ninguém podia entrar.

Lamentavelmente, isso se vê cada vez mais. E o que se pode fazer é criar plantas que sejam fortes, que se alimentem bem, que possam se defender melhor. Utilizar menos agroquímicos agressivos. Ter um solo com muita microbiologia, com boa porosidade para que a raiz se vá a maior profundidade e sofra menos com a seca ou excesso de chuva. A maior profundidade, há menos diferença na temperatura e de umidade.

Alberto Antonini trabalha em vinícolas de 12 países — Foto: Cláudia Meneses
Alberto Antonini trabalha em vinícolas de 12 países — Foto: Cláudia Meneses

O que fazer com as mudanças climáticas

Não baixar a qualidade nos últimos 7, 8 anos, mas sim a quantidade. Quando faço um plano de 5 anos, temos que colocar uns 15%, 20% menos uvas que antes. Estive de 7 a 14 de janeiro na Califórnia. Vou à Califórnia há 40 anos e nunca tinha visto chover uma semana sem parar. É como nevar em Roma, as pessoas caem porque não estão acostumadas com a neve. A seca este ano e o calor no Uruguai foram espantosos.

É uma grande preocupação. O que fazer? Com a seca, temos que trabalhar melhor o solo para ter mais porosidade e, quando chover, pode-se incorporar mais água em profundidade. Plantar porta-enxertos mais profundos. Estamos trabalhando melhor o manejo da canópia. Mas há um limite para tudo. Quando chegam seca, granizo... O que se faz com a geada: Até -5 graus, -12 graus se maneja, mas com menos...

Vou à Califórnia há 40 anos e nunca tinha visto chover uma semana sem parar. É como nevar em Roma, as pessoas caem porque não estão acostumadas com a neve. A seca este ano e o calor no Uruguai foram espantosos
— Alberto Antonini

Projetos em lugares distintos

É um exercício. E como em todo o exercício quando você faz uma vez, se aprende a lidar. Mas eu sempre digo que confio muito na pessoa do lugar com quem eu trabalho. Não sou um mago. Eu entrego ao meu cliente a minha visão, minha experiência, mas é fundamental o trabalho em equipe. Sem o trabalho em equipe, não se vai a lugar nenhum.

Novas gerações buscam ‘experiência com o vinho’

A pandemia mudou o consumo de vinho, mas eu acho que, mais do que a pandemia, veio uma evolução no consumidor nas novas gerações. É muito interessante ver três gerações. A dos meus pais, que tomaram vinho em toda a sua vida, mas sempre o mesmo. O vinho era parte da refeição. Todo dia tinha uma garrafa de vinho: tinto no inverno e branco no verão. Era como parte do alimento. Na minha geração, uma parte continua com o hábito de beber vinho todo dia. É muito europeu. Com a geração dos meus filhos, e a minha filha mais velha tem 26, o vinho tem que estar na mesa quando se come, mas se toma com muito mais curiosidade, é uma experiência. O consumidor mais jovem encara como uma experiência: através do vinho conhece lugares, o clima, o solo. São muito mais abertos. Meu pai nunca tomou um vinho argentino, era muito fechado. O francês só bebia vinho francês. Hoje, as gerações são muito mais abertas. E o paladar evoluiu porque hoje a comida é diferente. Busca-se drinkability, o frescor. Um vinho que seja elegante, mas também gastronômico. É uma mudança muito importante para mim.

Não esqueça que o jovem não fica uma vida inteira em um lugar, ele quer viajar. Eu sempre digo que o vinho é o único líquido que, além de lhe dar prazer, ensina muitas coisas, porque se você segui-lo fisicamente vai viajar as regiões. Se for no computador, vai aprender geografia, cultura, história. A cerveja também tem um mundo, mais industrial, que é interessante, assim como o uísque. Mas o vinho é incrível. Te faz conhecer o mundo, te faz viajar, se mover, pensar.

A pandemia e o vinho

Para muitos amigos apaixonados por vinho foi interessante porque beberam melhor gastando menos, porque beberam em casa. Compravam vinho on-line e pagaram 50 ou 35 em vez de 100. Mas eu creio que vinho é compartilhar. Você pode tomar uma boa garrafa na sua casa, mas o vinho é algo social, te faz sair e compartilhar com amigos e conhecidos. Sozinho em casa se perde um pouco. O off-trade cresceu muito. O vinho comprado em supermercado, loja ou delivery. Foi mais fácil para empresas mais estruturadas. Os restaurantes sofreram muito, mas creio que estamos agora voltando à normalidade.

Crise mundial de logística e suprimentos

Neste momento, o que subiu muito de preço são as garrafas, e acho que há muita especulação porque agora na Europa tudo vinha da Ucrânia. Para o vinhedo, a madeira, o arame, tudo está o dobro, o triplo do preço. Tudo subiu de uma forma impressionante. E o transporte está uma loucura, um contêiner está três vezes mais caro. Há sempre o custo alto do petróleo. O material impacta o preço final, se não a vinícola fecha, fracassa. Há que aumentar um pouco o preço. Não para ganhar mais, mas para equilibrar.

Vinho ou uva preferida

Não creio que haja um vinho melhor do que outro. É como dizer qual é o povo ou a raça mais lindos. Todos são lindos, têm seu encanto. Tomo vinho dependendo do meu humor, do que busco naquele momento. Tenho intimamente uma preferência, mas não é importante. Os vinhos são todos interessantes, sobretudo quando são puros e autênticos. Gosto dos vinhos pouco manipulados. Quero a experiência dessa combinação mágica de planta, clima, solo, tradições e pessoas. Isso me interessa muito.

Quando se diz os vinhos australianos, pergunto quais? Eles são totalmente diferentes uns dos outros. Tem que provar os vinhos de Alkina, são fantásticos. Eles não têm nada a ver com os outros de Barossa, que é um Shiraz gordo e escuro, com muita madeira, superconcentrado, superextraído, alcoólico. Um vinho fino, com a versão Garnacha e a versão Shiraz também, totalmente diferente.

Tomo vinho dependendo do meu humor, do que busco naquele momento. Tenho intimamente uma preferência, mas não é importante. Os vinhos são todos interessantes, sobretudo quando são puros e autênticos
— Alberto Antonini

O céu e o inferno do mercado

O mais importante que consegui na minha vida profissional é a confiança em fazer menos. Não me preocupar com o mercado nem agradar a alguém. Preocupo-me em fazer o melhor possível e entregar. Há sempre alguém no mundo que vai comprar se você fizer bem feito. Isso é o fundamental. Todos somos muito afetados pelo que diz o mercado. O mercado é superimportante porque não se pode viver sem ele. Se ninguém compra o vinho, tudo isso desaparece.

Para mim, o mercado pode ser o paraíso ou o inferno. É o paraíso quando é o lugar onde a cultura se desenvolve e se desfruta a diversidade da natureza. É o lugar onde se entrega um produto: maçã, pera, vinho. No mundo, a natureza tem uma enorme diversidade. No vinho, para mim, interessa que no mercado chegue toda diversidade de solo, clima, planta, tradições. E que seja o lugar onde se gera a cultura e se desfruta a diversidade. É o lugar ideal, nobre, de cultura e de respeito. O mercado se transforma num inferno quando diz ao produtor o que ele tem que fazer. Aí tudo morre para mim. Não gosto de fazer vinho para o mercado, mas focar em fazer vinhos que são a expressão autêntica do lugar e buscar um mercado que os compre.

'Vinho bom se vende’

O que eu aprendi realmente é que o vinho puro e autêntico é muito bom. Não lhe falta nada. Se você faz um vinho muito bom, no mundo sempre há alguém que o compra. Não há que se preocupar. Quando me dizem que para produzir um vinho para o mercado americano, italiano, brasileiro, japonês, eu me perco. É como se pedisse a um músico para fazer uma música. Você tem que entregar seu talento, sua alma e nada mais. Sempre há alguém que vai consumir aquele tipo de música. É uma etapa difícil porque o vinho é economia. É venda. Mas eu te digo quando se faz bem feito, você não tem que ter medo que não seja muito comercial. O vinho bom se vende.

Vinho natural tem que ser perfeito

Quando se trabalha bem e em profundidade, quando escolhe um bom solo, e deixa que ele, o clima e a planta se expressem, e claramente com cuidado... Eu gosto do vinho feito de uma maneira natural. Mas natural não significa que ele tenha defeitos. O vinho natural tem que ser bom. O vinho de terroir tem que ser perfeito, caso contrário não se desfruta do terroir, do caráter, da alma. Tudo o que pode cobrir, como madeira, que não é a única, como a oxidação ou a redução, o Brettanomyces (um fungo que causa defeitos no vinho), são elementos que muitos vinhos naturais têm e que não são bons. Primeiro porque o vinho oxidado é igual em todo mundo. O vinho com brett é igual em todo mundo. A redução é igual, assim como a madeira é igual em todo mundo, mas também os defeitos são iguais. Um vinho de terroir, um vinho natural por definição tem que ser perfeito. Se tem defeito, o defeito tira todo o caráter.

Para fazer um cultivo orgânico, biodinâmico, é preciso ser um grande agricultor, viticultor. Se não, não há nenhuma maneira de ter sucesso. Esse é o problema
— Alberto Antonini

Os vinhos orgânicos

Todo vinho até 1950 era biodinâmico. Toda a agricultura era biodinâmica porque não havia chegado a química industrial. Todos os agricultores trabalhavam de forma orgânica ou biodinâmica. Essas duas palavras as pessoas não entendem. Eu chamo de viticultura tradicional. Eu realmente não gosto de usar produtos químicos de síntese. Para fazer um cultivo orgânico, biodinâmico, é preciso ser um grande agricultor, viticultor. Se não, não há nenhuma maneira de ter sucesso. Esse é o problema.

O orgânico e o biodinâmico tiveram muitos problemas porque, quando começaram, há 30 anos, havia muitos produtores que talvez tivessem um bom propósito, mas não tinham capacidade, não eram bons agricultores. E para fazer um bom vinho orgânico ou biodinâmico, é preciso ser um grande viticultor, que acorda às 4h da manhã para olhar a vinha. Hoje no mundo há muito produtor orgânico que trabalha muito bem, que é profissional. E os vinhos são bons. Mas eu não gosto da categoria.

Quando me perguntam do vinho laranja, respondo que ele é laranja. Há vinhos excelentes, bons, mais ou menos e ruins. Com os orgânicos, que são feitos sem química de síntese, significa que são bons? Não. Depende do lugar onde se cultiva, como é feito. Há orgânicos extraordinários e há porcaria.

Poggiotondo: vinícola da família de Alberto Antonini na Toscana — Foto: Reprodução
Poggiotondo: vinícola da família de Alberto Antonini na Toscana — Foto: Reprodução

Como fazer um vinho de alta gama

Se me pergunta como eu faço um vinho de alta gama, é um processo natural, em que utilizo pouca ferramenta. Não utilizo produtos químicos, não uso insumos enológicos. Uso muito pouca coisa, mas eu quero chegar a um resultado final de um vinho que não tenha defeitos.

Tendências

A tendência hoje é de vinhos naturais, mas há muita confusão. Eu sempre critico o que falam de categoria. Não gosto. Orgânico, biodinâmico, natural. Gosto de falar de qualidade. Meu caminho é um caminho orgânico, mas não significa que todo vinho orgânico é bom. No mundo, os vinhos orgânicos estão crescendo muito. Há 10, 15 anos, o nicho orgânico era uma roleta russa. Isso cresceu muito. E há excelentes orgânicos hoje. Na Europa, em Itália, França e Espanha, cresceu muito.

Duas palavras para mim são horríveis: influenciador e seguidor. É uma dupla de terror
— Alberto Antonini

Crítica aos influencers do mundo do vinho

Duas palavras para mim são horríveis: influenciador e seguidor. É uma dupla de terror. O mundo precisa de educadores. Estamos em um mundo em que aceita passivamente uma situação que não está boa. Precisamos de muitas pessoas que podem educar as outras. Todos crescemos graças a outras pessoas. Eu cresci, amadureci ouvindo pessoas que tinham mais experiência que eu. A educação é fundamental. Influenciar não é bom para nada. E ser um seguidor é uma coisa horrível. É como um cão e todas as ovelhas atrás. O cão pode guiar as ovelhas para a direita ou para a esquerda, adiante ou atrás. Eu odeio isso. Quero um mundo onde haja muitos educadores, que são pessoas que disponibilizam sua experiência para que outra pessoa possa crescer e se desenvolver. Não para ser seu seguidor. Não quero seguir ninguém, mas quero escutar todos. É diferente.

Desmistificando o vinho

Não é que a pessoa não sabe nada de vinho, ela não tem experiência, mas tem paladar e nariz. Você tem que começar a beber vinho e se perguntar quais são as suas sensações. Fale com pessoas que tenham experiência. Quando os amigos vêm em minha casa e dizem que comigo não podem dizer nada, respondo para pararem se não vou expulsá-los. Nós nos sentamos, coloco três garrafas. Se você quiser, digo de onde vêm, o solo, a variedade. E depois se toma o vinho. Preocupe-se com o que você gosta primeiro. Cresci com um tio que era pintor. Ele não teve filhos e me levava para todos os museus importantes de Roma. Me deixava na frente um quadro de Picasso e dizia que voltaria em 20 minutos. Isso é importante, partir de você. Ao fim, eu apreciava o quadro e falava com ele, sem me preocupar com o que ele gostava. Eu queria crescer e desfrutar de tudo. E o fato de ele me educar me ajudou muito.

Então, quando meu amigo vem, digo que não se preocupe em saber o que eu gosto. Qual é o conselho? Primeiro, não ter preconceitos com regiões, com nada. E fazer uma experiência sensorial, organoléptica. Quando comemos, você opina: eu não gosto desta massa. Com o vinho é igual. Claramente, vai usar palavras que não são técnicas, mas não importa.

A irmã do meu pai não tinha tomado mais que dois vinhos em sua vida, mas tinha um paladar impressionante. Eu sempre lhe levava uma garrafa. Minha tia tinha uma grande capacidade sensorial. Eu entendia o que ela queria dizer quando analisava o vinho. Você tem que ajudar a pessoa a se aproximar do vinho. O guru é que assusta. Desfrutar um vinho não significa ser um especialista. Há muitos níveis. Você pode ser um consumidor que tenha interesse. Todos são parte deste mundo. Não há que assustá-lo nem deixá-lo desconfortável.

Ser enólogo

Quando eu era criança, dizia para minha mãe que queria ser camponês. Sempre fui apaixonado pela agricultura. Quando fui estudar ciência agrária na Universidade de Florença, me encantei com o vinho. E achei que a viticultura e a enologia eram as áreas que mais gosto. Aí fui estudar em Bordeaux e na Califórnia, me aprofundei. Quando terminei a universidade, me formei em ciências agrárias, fui contratado por uma empresa famosa italiana com muitas propriedades nas Américas. Me ofereceram para ir ao Brasil, a uma fazenda de cana-de-açúcar. Se tivesse aceitado, como estaria agora? Sempre tive muita paixão pela agricultura. Se não fosse a uva, seria o cereal ou a fruta. Amo a terra. Meu pai era professor de escola fundamental e fazia vinho e azeite de oliva como um hobby. Nunca foi profissional. Meu irmão é médico.

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