Saideira
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Mostramos para vocês as melhores pedidas de programas no Rio de Janeiro.

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Marina Gonçalves

Do subúrbio à Zona Sul, do rock ao samba, da praia ao boteco, não importa: o Rio é o meu lugar. Com saideira, de preferência.

Cláudia Meneses

Cláudia Meneses é uma jornalista apaixonada por vinhos, caminhadas e o Rio de Janeiro. É sommelière pela ABS-RJ e nível 2 da Wine & Spirit Education Trust.

Por Cláudia Meneses

A Herdade do Esporão lança seu terceiro azeite de oliva feito apenas com uma variedade de azeitona. Ele foi apresentado pela oleóloga Ana Carrilho, em visita ao Brasil. O produto é feito com a cobrançosa, com origem em Trás-os-Montes, no Norte de Portugal, mas que já há muito tempo está adaptada ao Alentejo, no Sul. O produto chegará em breve ao nosso mercado. Ana explica que o Esporão foi uma das primeiras empresas a falar em azeites monovarietais:

— Como somos uma empresa de vinhos, já era habitual falar de castas, não é? Então o Esporão sempre pensou que pôr a variedade do azeite, neste caso da azeitona, seria uma vantagem. Temos de educar quem? Há 20 anos, o consumidor não percebia rigorosamente nada de azeite e muito menos sabia o que eram variedades. Na ninguém pensava que havia diferentes variedades, pensava que era a azeitona, pronto.

O azeite com cobraçosa tem notas aromáticas intensas, como grama. Na boca, tem amargor e picância. Ele será importado em breve para o Brasil.

Ana explica que a marca busca produzir azeites com espécies portuguesas, para reafirmar sua identidade. Antes da cobrançosa, a marca oferecia azeites monovarietais com duas azeitonas que existem no Alentejo e estão em vias de extinção. Elas são a galega, a mais antiga daquele país, e a cordovil.

— São duas variedades que cada vez mais estão a arrancar para plantar os olivais super produtivos, aqueles que são apanhados com máquina, que nós chamamos os super intensivos. Se no passado já era importante identificar essas variedades, agora mais ainda. São variedades portuguesas que estão a desaparecer. Elas são arrancadas, e ninguém as planta de novo. Elas não são muito produtivas. Pensando no vinho, imaginemos se começassem a arrancar todas as variedades que existem no mundo? Iríamos só falar de Cabernet Sauvignon e Sauvignon Blanc? — indaga.

A oleóloga Ana Carrilho, à frente da produção de azeites do Esporão — Foto: Divulgação
A oleóloga Ana Carrilho, à frente da produção de azeites do Esporão — Foto: Divulgação

A oleóloga explica que a galega é a variedade de azeitona mais delicada.

— O azeite é intenso no nariz, mas na boca é um pouco suave. É untuoso. As notas são de frutas, como maçã e banana. Tem um ligeiro picante, mas que desaparece rapidamente. Já o azeite com cordovil tem notas de coco. Tem picância também e mais persistência. É mais fluido.

Ana Carrilho avalia que é importante preservar as castas que estão bem adaptadas ao tempo na região, além de se firmar a identidade:

— Se eu estiver a falar em azeite português, tenho que falar de variedades portuguesas que já existem há centenas de anos e que dão o verdadeiro azeito português. Agora, a maior parte das variedades que estão a ser plantadas é internacional. Neste caso, as espanholas, como a arbequinas, arbosanas, ou a grega koroneiki. Produzem muito e estão muito bem adaptadas aos olivais super intensivos, à colheita totalmente mecânica.

O azeite da Esporão com a variedade cobrançosa — Foto: Divulgação
O azeite da Esporão com a variedade cobrançosa — Foto: Divulgação

Para ela, a identidade dos azeites portugueses revela delicadeza, equilíbrio, notas de frutos secos no final da boca. Ana explicou que a cobrançosa não vem de olivais do Esporão, mas de parceiros:

— Nosso projeto não é só de produzir a azeitona, levá-la para o nosso lagar, extrair o azeite e embalá-la. Vai muito mais além disso porque nós acreditamos que a sustentabilidade é um caminho. É sustentabilidade também destas variedades da paisagem. As árvores dos nossos parceiros têm mais de 100 anos. São olivais antigos. É impossível voltar a plantá-las agora e conseguir que eles produzissem daqui a 5, 10 anos. Preservar essa paisagem com essas parcerias faz com que esse olival não seja arrancado. E depois, mais da metade desses nossos produtores de azeitona já passou ao orgânico, cerca de 60 %.

Para a oleóloga, é importante que a produção de azeite tenha o mínimo impacto sobre a natureza.

— O nosso lagar, por exemplo, não produz qualquer subproduto que não seja reutilizado. Portanto, tem desperdício zero. O caroço é reutilizado para queimar, para produzir energia calorifica e água quente. Temos painéis solares em tudo o que é telhado da na herdade. A água é reutilizada. As folhas são utilizadas para compostagem. Tudo o que sai, o que chamamos de bagaço, que é película, que é polpa, volta a utilizar-se para esse composto e fazemos adubo.

Olival da Herdade do Esporão: sabores portugueses — Foto: Divulgação
Olival da Herdade do Esporão: sabores portugueses — Foto: Divulgação

Ana Carrilho afirma que 90% do azeite produzido pelo Esporão vêm de fornecedores.

— Temos vindo a plantar a pouco e pouco mais olival, mas se plantarmos, deixamos de poder comprar aos nossos fornecedores. E eles não vão ter onde entregar essa azeitona, pelo menos da forma como nós valorizamos. Nós valorizamos essa azeitona para que eles não possam sentir-se entre a espada e a parede e terem que arrancar para plantar um olival mais produtivo. É um projeto que não é só produzir o azeite. Tem um alcance maior. Você preserva a paisagem de olivais com 100 anos, você preserva aquela pessoa no campo que ela consegue produzir uma coisa que tem uma identidade nacional também.

Ana explica que o Esporão embala cerca de um milhão de litros de azeite por ano.

— Não é pouca coisa. Cerca de 57 % do mercado do azeite que produzimos é para o Brasil. Aliás, foi o Brasil que desafiou o Esporão a produzir azeite de alta qualidade em 1997. Porque não existia. Então esse caminho foi construído muito à conta do Brasil.

Ana explica que o Esporão faz mais de 300 micro extrações todos os anos nos olivais.

— Extraímos todas as partidas em separado. Você pode ter um fornecedor com uma variedade azeitona que só tem ali e vamos lá e faz uma extração pequenininha. Ou existe uma zona daquele terreno que é diferente da outra. Ficamos num raio de 50 quilômetros do lagar.

Ana conta está desde 2013 no Esporão, quando entrou para reestruturar essa área:

— Havia um impasse. O que é que nós vamos fazer aos azeites? Ou abandonamos o projeto, ou avançamos. Eu estava em outro projeto em Portugal. Nós avançamos.

A azeitona cobrançosa — Foto: Divulgação
A azeitona cobrançosa — Foto: Divulgação

Ela analisa que o Esporão foi importante para a história do azeite em Portugal.

— Foi das primeiras empresas a colocar garrafa escura, a criar uma garrafa única para azeite, a apostar na marca, na diferenciação dos monovarietais. Não se falava de variedades. Ele criou uma categoria premium de azeite que não existia. Não existia em Portugal. Não existia no Brasil. Isto foi arriscado. Existia em Itália. Mas não havia a imagem de qualidade, de transformar numa marca que pudesse levar para o mundo. Quando criámos a categoria premium, foi importante para todas as outras marcas.

Ana Carrilho explica que a marca também se preocupou com tecnologia e em criar a visitação aos olivais:

— É a educação do consumidor. Preocupar-se em ter visitas, provas de azeite. Isso foi já há muitos anos. Lideramos um processo de transformação que ajudou todas as outras a encontrarem um caminho, um espaço para se mostrarem.

Ela vê semelhanças entre os dois principais produtos da marca: o vinho e o azeite:

— São dois produtos que mostram a identidade de um lugar. Tem um link entre eles, até produzir proximamente. Tem um link de paisagem, no consumo. O Esporão busca produzir os melhores produtos que a Terra nos dá. É essa semelhança. No caso do azeite, foi extraordinário poder ser uma empresa de vinhos, porque os vinhos já tinham feito esse caminho. Ao sermos uma empresa de vinhos, ajudou os azeites a terem o seu caminho. Até das próprias variedades.

Mudanças climáticas

Com relação à crise do azeite, com a escassez do produto após a quebra da safra na Espanha e a alta de preços mundialmente, Ana explica que é resultado das mudanças climáticas:

— É muito simples o que aconteceu. Há dois anos, houve uma quebra grande de azeitona porque a floração não aconteceu por causa da temperatura muito alta e das poucas horas de frio. A questão é que o olival é feminino, dá fruto. Quando a oliveira sente que está a morrer, o que acontece quando tem frio e ela inverna, ela não cresce, fica parada. Para assegurar sua existência, ela deita flor. E essa flor vai dar fruto. Os filhos garantem a sobrevivência da espécie. Quando não há horas de frio, ela não pensa que vai morrer e não tem filhos. Então há dois anos, a floração foi baixa.

Ana explica que o fenômeno ocorreu em toda a Europa, o que impactou a produção:

— Não choveu, a floração foi muito baixa na Europa toda. A árvore tem um sistema que é safra e contra safra. Os olivais de sequeiro, que não são regados, produzem num ano e, em outro, descansam. Mas não aconteceu isso no seguinte ao que pensamos que ela descansou. Há dois anos, não houve floração. E ano passado, houve floração, mas quando foi o vingamento do fruto, as altas temperaturas queimaram a flor. Ela é muito delicada. E nós tivemos na Europa temperaturas acima de 30 graus, quando as máximas deveriam ser de 18 graus em março e abril. Foi uma primavera com picos muito altos de temperatura durante vários dias seguidos. Ela abortou. Não produziu azeitona.

As mudanças climáticas têm afetado fortemente a produção dos olivais — Foto: Divulgação
As mudanças climáticas têm afetado fortemente a produção dos olivais — Foto: Divulgação

Ana Carrilho detalha que a quebra da safra foi de 50% em Portugal:

— Na Espanha que é o maior produtor mundial, teve uma quebra muito grande. As variedades tradicionais ano passado tiveram quebra de 100%. Houve agricultores nossos que não produziam azeitona. Tudo isto, de alguma forma, tem de se pagar para não abandonarem os óleos.

Ela explica que uma saída contra as altas temperaturas é não se plantar a mesma variedade de azeitona:

— As variedades têm momentos diferentes de floração. Não são iguais. O que nós estamos a ver é que se está a plantar a mesma variedade. Isso é a pior medida que pode ter. O risco é maior. Depois, nós temos de continuar a estudar e, principalmente, olhar para as variedades antigas, que estão mais adaptadas à região.

Ela revela preocupação com o risco de novas quebras de safras no futuro:

— O que eu vejo é que, se nós não atuarmos, poderemos ter ciclos muito de grandes produções ou de baixas produções. Quando o plano é favorável a esse momento da floração e plantamos a mesma variedade, vai correr bem. Mas quando não, vai correr mal. E depois essas novas variedades dependem muito da água. Quando faltar a água, o que é que vai acontecer? Temos de diversificar, conhecer as variedades.

Ana Carrilho conta que o Esporão tem uma oliveira com 1.200 anos, que ainda produz azeitonas.

— Ela ainda produz azeitona galega. O que nós vimos é, por exemplo, as variedades que o ano passado tiveram quebras de 100%, este ano produziram e mantiveram o seu ritmo, que é natural das plantas. O olival sempre foi assim. E as variedades têm momentos diferentes. O que é que acontece é que a produção intensiva faz com que se dê tudo o que a planta quer, para que ela esteja sempre a produzir, como se fosse um carro de corrida. Temos de voltar a olhar para o ritmo da natureza. E a natureza está a nos ensinar, a dizer que não é sempre assim. Não é como querem.

Ana avalia que os consumidores têm um papel importante na produção do que é bom para o meio ambiente:

— Como nós consumimos os produtos, estamos também a ter um ato politico, não é? Temos que pensar que a natureza não pode ser esgotada até o limite. E com as alterações climáticas, muitas vezes os países, não querem investir na mitigação desse impacto. Mas a verdade é que esse curso já está a ser pago por todos nós. É mais difícil produzir em alturas extremas. Na Europa, chove intensivamente. Antes não, era mais distribuído.

Oliveira da variedade de azeitona cordovil — Foto: Divulgação
Oliveira da variedade de azeitona cordovil — Foto: Divulgação

Ana Carrilho explica que o impacto na agricultura e na produção de azeitonas já é sentido há alguns anos:

— Cada vez que começamos mais cedo a colher. Tivemos que criar o nosso lagar. Criar soluções para mitigar esse momento. Há uns anos, precisávamos de água quente para que as massas pudessem extrair o azeite. Agora, eu preciso arrefecer as massas. Temos que olhar para a natureza e aprender com ela. Acho que é a maior lição de humildade que nós podemos ter como seres humanos.

A oleóloga afirma que o consumidor já sente o impacto das mudanças climáticas no bolso:

— Obviamente, vamos ter que pagar muitas vezes mais por isso. Até porque ninguém quer trabalhar no calor. Todos querem ar-condicionado. No campo, apanha-se uva com 40 graus. Tem que se pagar mais se ninguém quer. E dar mais importância a esse trabalho. Esse custo já está aparecendo. Acredito que nós temos que voltar ao passado e perceber-nos menos, mas melhor. Menos desperdício. Quanto nós desperdiçamos? As estações estão a mudar. As lojas de roupa agora já vendem outono e inverno, inverno e inverno. Sempre há coleção a aparecer nova. A gente precisa disso? Não.

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