Segredos do crime
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Segredos do crime

Histórias policiais, investigações e bastidores dos crimes

Informações da coluna

Vera Araújo

Jornalista investigativa há 30 anos e autora de "Mataram Marielle" e "O Plano Flordelis: Bíblia, Filhos e Sangue". Passou por "Jornal do Brasil" e "O Dia"

RESUMO

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GERADO EM: 18/07/2024 - 04:30

Esposa de Domingos Brazão: Isolamento e luta por inocência.

Esposa de Domingos Brazão relata seu isolamento por medo das facções em presídio, enquanto enfrenta acusações no caso Marielle. Família nega envolvimento e destaca preocupações com segurança e defesa legal. Revelações sobre a vida na prisão e detalhes sobre investigações policiais são discutidos, incluindo a persistência na busca por provas de inocência.

O alarme do aplicativo do celular usado por Alice Kroff Brazão para monitorar a casa, num condomínio de classe média alta na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, tocou às 5h do dia 24 de março. Numa viagem fora do Brasil com a filha de 18 anos, num país com menos de uma hora comparado a Brasília, ela acompanhou pelo telefone, ao vivo, as imagens da prisão do marido Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), pela Polícia Federal. Apesar do susto, o que mais lhe causou apreensão, foi ouvir de Domingos, após um mês no presídio federal de Porto Velho, em Rondônia, que não saía da cela nem para tomar banho de sol, por temer que algo lhe acontecesse, devido à presença dos criminosos mais perigosos também estarem presos lá.

Quando o nome de Domingos Brazão passou a ser cogitado como mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ele disse ao GLOBO, em janeiro deste ano, que dormia "tranquilamente" em sua casa na Barra da Tijuca. Ao GLOBO, em entrevista exclusiva, Alice reforçou essa segurança por parte do marido, que ignorava os conselhos de amigos próximos a procurar bons advogados em Brasília para defendê-lo. Ele mudou de ideia justamente na semana da véspera de ser preso. No dia seguinte à prisão, num domingo, o conselheiro do TCE tinha como plano justamente conversar com políticos e consultar advogados. As defesas dele e do irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, também indiciado pela PF como mandante, acabaram sendo contratadas pela família.

Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes — Foto: Reprodução
Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes — Foto: Reprodução

— Ele não sai da cela por opção dele. No início, não podia sair realmente, pois ficou no período de isolamento de 20 dias, o que a administração do presídio federal chama de adaptação. Depois, não mais. Lá são duas facções, Comando Vermelho e PCC, imagina! Como ele vai pegar sol? Como vai fazer amizade com essas pessoas? Há criminosos perigosíssimos! Não tem como, né? Não dá. Ele tem que ficar 24 horas dentro da cela. Isso tudo ele está fazendo por mim, pelos filhos e por ele próprio. É uma maneira de nos proteger. Não era para ele estar ali — defende Alice, que reflete o medo de o marido virar alvo de extorsões ou até de ele ser morto.

Na semana passada, o delator Ronnie Lessa também se queixou com seus advogados de não sair da cela por medo de ser executado como queima de arquivo. A defesa do réu confesso do assassinato de Marielle pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes a transferência dele de presídio em Tremembé, em São Paulo.

Vinte quilos mais magro

Alice diz que não conhecia Rondônia. No entanto, um mês após a prisão de Domingos, logo que recebeu a carteira de visitante do presídio federal de Porto Velho, só ficou uma semana sem vê-lo, para permitir que dois filhos o visitassem. Só são autorizadas duas pessoas por semana.

Durante o depoimento de Domingos ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, na última terça-feira (16/07), no processo de cassação aberto na Casa contra o irmão dele, o deputado federal Chiquinho Brazão, a magreza do conselheiro chamou a atenção de quem assistiu à sessão transmitida ao vivo. Segundo Alice, o marido perdeu 20 quilos, mas não seria pela má qualidade da comida do presídio. Pelo contrário, à esposa, ele elogiou a comida e o atendimento médico do presídio federal.

O conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão (à esq.) e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, apontados por Ronnie Lessa como mandantes do assassinato de Marielle Franco — Foto: Domingos Peixoto/O Globo e Mario Agra/Câmara dos Deputados
O conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão (à esq.) e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, apontados por Ronnie Lessa como mandantes do assassinato de Marielle Franco — Foto: Domingos Peixoto/O Globo e Mario Agra/Câmara dos Deputados

— É tudo muito organizado lá (presídio de Porto Velho). Confesso que eu me choquei, positivamente. Ainda bem, né? Tudo funciona lá. Domingos elogia muito a comida. Tem nutricionista que faz uma dieta balanceada. São dois bifes, ou seja, proteína. Ele está perdendo peso porque está ansioso. Não sente fome. Os medicamentos que ele precisa o médico prescreve. A unidade é muito rígida, mas é necessário, por conta dos presos que estão lá — comenta a mulher de Domingos.

Segundo ela, o rigor é marca registrada do presídio de Porto Velho. A primeira dificuldade foi encontrar um par de óculos de grau que não fosse barrado pela segurança.

— Depois do isolamento por 20 dias, sem ter acesso à leitura, levei os óculos dele. Na pressa, quando foi preso, ficou sem eles. Mas a administração os proibiu, porque a lente era de vidro e, dentro da haste, tinha metal. Não liberaram. No final, conseguimos fazer outro, lá mesmo, de plástico. Ele agora mergulha no processo dele, mas tem que memorizar, pois ele só pode ficar com os documentos por 15 dias, depois são substituídos por outros. Faz parte das regras da cadeia. Acredita que ele decorou tudo o que tem no processo, e ainda lembra as páginas onde tem cada trecho? Ele é muito disciplinado, memoriza por associação — detalha Alice. — Eu estive com a minha filha lá. Ela reclamou que ele só falava no processo. A vida dele hoje é isso. Preso, ele não tem mais o controle da vida aqui fora. Nós é que resolvemos tudo por ele, a família. Sempre fomos unidos — diz ela.

Esposa no comando dos negócios

Como sócia-administradora da Superplan Administração de Bens, Imóveis e Participações, Alice é a principal parceira de negócios de Domingos Brazão. Por ser conselheiro do TCE, coube à Alice administrar as empresas do casal e, com a prisão dele, as tarefas aumentaram. A compra de um terreno da Superplan, no Recreio, por exemplo, está em análise pelo Conselho de Controle de Atividade Financeiras (Coaf). A Polícia Federal encontrou indícios de lavagem de dinheiro em imóveis adquiridos por Domingos.

Denúncia da PGR aponta que Domingos Brazão comprou terreno "a preço módico, em claro ajuste com participantes" — Foto: Reprodução de documento
Denúncia da PGR aponta que Domingos Brazão comprou terreno "a preço módico, em claro ajuste com participantes" — Foto: Reprodução de documento

O terreno de dez mil metros quadrados, em área nobre do Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, consta na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), com base nas investigações da PF. O imóvel teria sido comprado por R$ 110 mil, em 2013. No documento, a PGR ressalta o fato de a prefeitura do Rio ter avaliado o imóvel em R$ 7,096 milhões para calcular o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), em julho de 2023, quando a escritura foi assinada. O documento só pôde ser registrado após a Justiça dar o usucapião. PF pediu ao ministro Alexandre de Moraes autorização para a abertura de inquérito para investigar a prática de lavagem de dinheiro por parte dos irmãos Brazão.

Terreno de 10 mil metros quadrados, no Recreio, comprado pela Superplan de Domingos Brazão, por R$ 110 mil — Foto: Criação O GLOBO
Terreno de 10 mil metros quadrados, no Recreio, comprado pela Superplan de Domingos Brazão, por R$ 110 mil — Foto: Criação O GLOBO

Alice, por sua vez, justifica que o negócio foi realizado em 2013, quando o local não era tão visado.

Comprovante de ITBI mostra que terreno foi vendido por R$ 110 mil e cálculo de imposto baseou-se no valor de R$ 7 milhões, conforme  a prefeitura — Foto: Reprodução
Comprovante de ITBI mostra que terreno foi vendido por R$ 110 mil e cálculo de imposto baseou-se no valor de R$ 7 milhões, conforme a prefeitura — Foto: Reprodução

— Domingos seria a melhor pessoa para se defender. Como não é possível, cada um de nós tem uma função, tentando fazer o máximo possível para tentar trazer a verdade à tona. A família inteira está empenhada nisso. Saber da inocência dele, mas a gente tá assim, de pés e mãos atados. Todo mundo correndo atrás de provas. Entendemos a dor da família de Marielle. Meu Deus, esses anos todos, sem saber quem mandou matá-la! Quem fez isso? A gente reza muito para se chegar à verdade. Estamos sangrando juntos — diz ela.

PF não tem dúvidas da participação de irmãos Brazão na morte de Marielle

Uma investigação da Polícia Federal apontou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão como mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. No relatório dos investigadores da PF, entregue à PGR consta a delação do ex-sargento da Polícia Militar Ronnie Lessa, que confessou o duplo homicídio. Segundo o ex-PM, os irmãos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa agiram em conluio para executar Marielle. A PGR ofereceu denúncia contra eles e mais dois cúmplices, aceita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que os tornou réus pelo crime.

Domingos Brazão desembarca do avião da PF em Brasília — Foto: Cristiano Mariz
Domingos Brazão desembarca do avião da PF em Brasília — Foto: Cristiano Mariz

Como o crime ocorreu há seis anos, os agentes federais tiveram dificuldades de conseguir imagens do suposto encontro entre os irmãos Brazão, Lessa e Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé — parceiro de Lessa no mercado da pistolagem. Para piorar, Macalé foi assassinado em novembro de 2021, possivelmente, como queima de arquivo, na opinião da PF. A arma usada no homicídio de Marielle e Anderson também nunca foi encontrada. Além da delação de Lessa, o seu compadre, o ex-PM Élcio de Queiroz, que dirigiu o veículo da emboscada contra a parlamentar, também fez acordo de colaboração com a Polícia Federal e os promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Segundo os investigadores, as duas delações se complementam e confirmam a atuação dos irmãos Brazão e de Rivaldo no duplo homicídio.

Alice defende Domingos veementemente:

— Quando fui visitá-lo pela primeira vez no presídio federal de Porto Velho, ele definiu para mim o que estava lhe acontecendo: 'Alice, a minha sensação é a mesma de quem leva vários caixotes (quando a pessoa é derrubada por uma onda forte) na praia. Aí esbarra nas pessoas até chegar à areia'. Ele não sabia nem onde ele estava. A sorte é que ele é forte, focado. A gente está vivendo dias que a gente nunca imaginou na vida, nem nos piores pesadelos. Nem quando ele foi preso da outra vez (na Operação Quinto do Ouro, da PF e do MPF, que culminou com a prisão de cinco conselheiros do TCE suspeitos de receberem propina, em 2017) — relembra a esposa, que repete a suspeita do marido: — Lessa deve estar protegendo alguém.

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