True Crime
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Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

Acusada de tráfico internacional de drogas pela Polícia Federal e primeira delatora da Operação Lava-Jato, Nelma Kodama, de 57 anos, conquistou uma vitória na Justiça nesta quarta-feira. O desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), converteu a prisão domiciliar da doleira em liberdade provisória. Com isso, ela voltou a ter direito de sair às ruas, desde que não saia da cidade de São Paulo nem retire a tornozeleira eletrônica da perna esquerda. Nelma também precisará estar em casa das 18h às 6h, todos os dias.

A liberdade foi concedida em caráter de liminar por meio de um habeas corpus. No despacho do desembargador federal, ele enumera argumentos da defesa da doleira, entre eles problemas clínicos apresentados por Nelma. “Ademais, (seus advogados) alegam quadro de saúde bastante delicado da paciente, que demandou nos últimos meses inúmeras providências médicas”, diz o documento.

O GLOBO perguntou a Nelma quais doenças graves ela vem enfrentando, já que a ré parece esbanjar saúde nas redes sociais, onde compartilha postagens com quê de influenciadora. O perfil no Instagram fala em "elegância e bom gosto" e apresenta a proprietária da página como "ex-doleira e empresária". Nelma aparece cozinhando, ostentando marcas de grife e até em "recebidos", mostrando aos seguidores presentes que ganhou, como garrafas de vinho nobres, cafeteiras, bolos confeitados e produtos de beleza — a tornozeleira, muitas vezes, também é vista nos registros. Nesta quarta-feira, data em que obteve o habeas corpus favorável, ela surgiu degustando uma taça de vinho diante de uma ampla janela.

“Tenho um problema no estômago. Tudo que eu como, volta. Além disso, sofro de depressão”, respondeu Nelma ao blog. Já o advogado Felipe Cassimiro Melo de Oliveira, que conseguiu o benefício, acredita que o desembargador federal cometeu um equívoco de interpretação ao escrever a decisão, classificado por ele como erro semântico”. “A gente se baseou nas doenças graves da mãe da Nelma e ficou parecendo que as doenças são da Nelma. Mas a minha cliente também está debilitada, pois ela fez duas cirurgias bariátricas e ficou presa por muito tempo sem alimentação adequada e sem saúde bucal”, ressalta Oliveira.

Outro argumento apresentado pela defesa e aceito pela Justiça Federal para permitir que Nelma saia às ruas é que seu ex-namorado, o empresário Rowles Magalhães Pereira da Silva, capturado pela Polícia Federal juntamente com a doleira, já está solto há um ano. O casal foi preso em Portugal na Operação Descobrimento, em abril de 2022, sob a acusação de participação em um esquema de tráfico internacional de drogas que teria ligação até com o Primeiro Comando da Capital (PCC). “Eu sou inocente. Meu erro nessa história foi ter me envolvido com esse bandido, que me enganou e me manteve até em cárcere privado”, justifica Nelma.

Atualmente, o ex-casal é réu no processo e pode pegar até 15 anos de cadeia em regime fechado. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, apresentada em fevereiro de 2021, a PF apreendeu meia tonelada de cocaína em um avião que partiu de Jundiaí (SP) rumo a Portugal. A aeronave sofreu uma pane na turbina e fez um pouso forçado em Salvador, onde acabou interceptada. Sete pessoas foram presas.

Nelma costuma exibir "recebidos" nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram
Nelma costuma exibir "recebidos" nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

'Essa acusação eu não aceito'

Nelma estava em Portugal, segundo ela, procurando um apartamento para alugar, quando foi capturada. A doleira ficou encarcerada em terras lusitanas por seis meses. Depois, foi extraditada para o Brasil, onde ficou mais sete meses presa em regime fechado no Conjunto Penal Feminino da capital baiana. Em seguida, foi transferida para a Penitenciária Feminina de Sant'Ana, em São Paulo.

No dia 20 de junho do ano passado, a doleira conseguiu migrar para a prisão domiciliar com uso de tornozeleira. “Errei muito na vida, confesso. Mas nunca me tornei traficante de drogas. Não tenho nada a ver com esse avião. Essa acusação eu não aceito de jeito nenhum”, defende-se.

Nelma responde pela prática dos crimes de tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Ela já havia recebido uma sentença de três anos por lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Anaconda (2003), que desvendou um esquema de vendas de sentenças judiciárias pelo ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos. Na época, o magistrado era concunhado de Nelma.

A doleira, contudo, nunca chegou a cumprir essa pena. “Nesse caso eu era o cocô do cocô do cavalo, sabe?”, debocha. Hoje, ela espera que o crime de lavagem prescreva para se livrar definitivamente da punição, o que está previsto para esse ano.

“Essa pena é insignificante. Já, já ela prescreve. Nem vale a pena mencionar no jornal. Vai que um procurador federal resolve movimentar o processo no último minuto do segundo tempo. Além disso, a pena prevista é distribuição de cesta básica para pessoas carentes e prestação de serviços à comunidade. Mas a Nelma nunca vai ser vista varrendo as ruas da cidade”, assegura o advogado Felipe Cassimiro Melo de Oliveira.

Nelma Kodama exibe a tornozeleira ao lado de sapato de grife — Foto: Reprodução/Instagram
Nelma Kodama exibe a tornozeleira ao lado de sapato de grife — Foto: Reprodução/Instagram

Operação Lava-Jato e euros na calcinha

Nelma Kodama tornou-se conhecida no contexto da Operação Lava-Jato, na qual foi condenada pelo ex-juiz Sérgio Moro a 18 anos de cadeia por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, organização criminosa e operação fora do sistema financeiro. Ela ganhou destaque no noticiário ao ser presa com 200 mil euros escondidos na calcinha tentando embarcar para Milão no Aeroporto de Guarulhos, em 2014.

“Essa é a maior fake news da história da Lava-Jato, essa operação flopada. Onde que esse dinheiro todo caberia dentro de uma peça íntima? Na verdade, as notas estavam nos bolsos da minha calça jeans”, corrige. Em agosto de 2017, a doleira recebeu indulto do ex-presidente Michel Temer e teve a pena extinta.

Enquanto esteve presa em casa, Nelma mirou, de fato, na carreira de influenciadora. Intitulou-se mentora de sucesso, beleza e bem-estar. Ela conta que fez harmonização facial, pôs 450 ml de silicone nos seios e aplicou uma série de botox.

“Mas cansei desses procedimentos. Vou aproveitar que posso sair de casa para retirar as próteses. Quero ser natural”, planeja. Nas redes sociais, ela costuma contar como é seu dia a dia em domicílio com a tornozeleira.

Quando recebeu a notícia de que poderia voltar a sair de casa, Nelma degustou a taça de vinho tinto em seu apartamento de 500 metros quadrados e sete vagas na garagem, avaliado em quase R$ 10 milhões. Mas o imóvel não é mais formalmente dela: está atrelado à dívida de R$ 127 milhões que a doleira tem com a Receita Federal.

Os planos para o primeiro dia em liberdade já estão delineados: comer um pão com manteiga na chapa e um café com leite; cortar o cabelo num salão de luxo; e fazer compras no Mercado Santa Luzia, um dos mais nobres dos Jardins, bairro chique de São Paulo.

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