True Crime
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Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

Alexandre Nardoni se recusa a fazer, o que pode impedir que ele obtenha liberdade. Suzane von Richthofen também buscou, sem sucesso, evitar. Contrariada, Elize Matsunaga acabou obrigada a se submeter. Anna Carolina Jatobá recorreu à Justiça para tentar escapar — mas não teve jeito, precisou encarar. Dez entre dez presos do complexo penitenciário de Tremembé temem o famigerado exame de Rorschach, conhecido entre os criminosos como “teste do borrão”. O laudo decorrente da avaliação, elaborado por um psicólogo, é fundamental para que o juiz decida se o preso em questão está ou não apto a retornar às ruas.

Como o blog revelou nesta quarta-feira, Nardoni pode ter dificuldades de progredir para o regime aberto justamente pela recusa a receber o psicólogo que aplicaria o teste de Rorschach dentro de Tremembé. Condenado a 30 anos, dois meses e 20 dias de prisão pela morte da própria filha, jogada da janela do sexto andar aos 5 anos, Alexandre estará apto a solicitar o benefício a partir do início de abril. Os advogados do preso planejam recorrer a instâncias superiores para que ele possa deixar a cadeia mesmo sem passar pelo polêmico exame psicológico.

O teste foi desenvolvido pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach (1844-1922) no começo do século passado. É composto por dez pranchas com imagens abstratas de diversos formatos, parte delas em preto e branco, parte coloridas. Cabe ao paciente examiná-las uma a uma, sob orientação do aplicador, e dizer o que enxerga durante duas horas.

Em tese, as respostas dadas durante o exame projetam aspectos da personalidade, incluindo as características que eventualmente quem é submetido não quer trazer à luz. Exemplo: falsidade, inveja, ódio, agressividade, impulsividade, insensibilidade, imaturidade afetiva, frustração, traumas, fantasias, fetiches, desejos sexuais — a lista é enorme.

O psiquiatra suíço Hermann Rorschach — Foto: Reprodução
O psiquiatra suíço Hermann Rorschach — Foto: Reprodução

O teste, contudo, não é uma unanimidade, algo comum de ocorrer em um campo complexo como a psicologia, mas é amplamente adotado no mundo todo. No Brasil, o Rorschach é validado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e já foi obrigatório, por exemplo, na admissão de delegados no quadro da Polícia Federal. Grandes empresas privadas e multinacionais também aplicam o teste do borrão em funcionários do alto escalão e em líderes com muitos subordinados.

Segundo a teoria de Rorschach, o teste evidencia melhor a relação dos diferentes componentes da inteligência do indivíduo a partir da forma como o paciente se expressa usando os seus recursos do intelecto e também aqueles de que dispõe, mas não usa por causa de bloqueios originados de problemas emocionais. Para a Justiça, ele é essencial para saber se os presos se arrependem do que fizeram e, principalmente, se seriam capazes de voltar a cometer crimes caso postos em liberdade.

Alexandre Nardoni — Foto: Reprodução
Alexandre Nardoni — Foto: Reprodução

Como há poucos psicólogos especializados no teste no Brasil e ele custa caro, entre R$ 5 mil e R$ 30 mil, dependendo do quilate do profissional, a Justiça elegeu como público alvo somente criminosos sexuais, serial killers, pedófilos e presos que mataram com violência membros da própria família. Este é o caso de todos os citados no primeiro parágrafo desta reportagem.

Suzane von Richthofen fez o teste de Rorschach quatro vezes em um período de oito anos. Em seu processo de execução penal, os psicólogos a descrevem com adjetivos típicos de vilã de novela: manipuladora, dissimulada, egocêntrica, infantilizada, simplista e insidiosa, além de ter agressividade camuflada. Ainda segundo esses pareceres, ela utiliza procedimentos primitivos e pouco elaborados na vida, tem fantasia de onipotência e é desvalorizadora do ser humano.

“Esses sentimentos criam na paciente uma dificuldade relevante para estabelecer relações interpessoais significativas”, diagnosticaram os psicólogos Thiago Luís da Silva e Ana Cristina Tomaz da Silva, em 2016. “A sentenciada expressa um mecanismo de contato interpessoal voltado a mobilizar o mundo externo por meio de uma conduta pueril”, completaram.

Suzane von Richthofen — Foto: Matrix Editora
Suzane von Richthofen — Foto: Matrix Editora

A dois especialistas, a Justiça de São Paulo fez a seguinte pergunta: “Suzane apresenta valores éticos?”. Eles responderam depois de aplicarem o teste de Rorschach: “Trata-se de sujeito com traços marcadamente narcisistas, ou seja, ela enxerga o mundo a partir de si mesma. Nesse sentido, seus valores éticos se mostram demasiadamente prejudicados”. Depois de ler os laudos, o promotor Paulo de Palma escreveu: “Com alto nível de egocentrismo, Suzane possui a tendência a superestimar o seu valor pessoal e a desprezar as necessidades alheias. Esse aspecto aponta para a presença de condutas de potencial risco para a sociedade em geral e para aqueles com quem convive”.

Suzane rebateu os diagnósticos negativos dos psicólogos forenses e, mesmo condenada pelo assassinato dos pais, refutou a possibilidade de voltar a cometer crimes. “Eu mudei. Hoje tenho outra visão da vida. Estou aceitando mais as coisas. Me sinto mais madura. Sou uma pessoa contida e não agressiva. Não tem a menor chance de eu cometer um crime novamente. (...) Não me considero uma psicopata”, disse ela ao assistente social Maurício Fernandes de Faria. É bom frisar: nas mais de 2 mil páginas dos laudos criminológicos de Suzane, incluindo os resultados do teste de Rorschach, não há menção – em tempo algum – a comportamento ou mesmo traços de psicopatia.

Em janeiro de 2023, Suzane ganhou o direito de cumprir o restante da pena de 39 anos em liberdade, apesar de nunca alcançado tido êxito nos testes projetivos. No caso dela, a Justiça entendeu que os laudos revelaram traços da personalidade que são imutáveis.

Elize Matsunaga — Foto: Divulgação
Elize Matsunaga — Foto: Divulgação

Elize Matsunaga também não teve boas notícias ao se deparar com as pranchas de Rorschach. Quem aplicou o teste foi a psicóloga Claudia Lúcia Callegari Teixeira. O laudo de 25 páginas apontou que a mulher que matou e esquartejou o marido tem transtorno depressivo, desconforto emocional e tendência a isolamento.

Segundo a perita, Elize é narcisista, tem autoestima baixa, estrutura psíquica infantil e é imatura. “Chamam a atenção duas respostas que apresentam uma mistura de prazer e dor, tanto situacional quanto crônica, gerando uma experiência emocional confusa e ambivalente, levando a uma dificuldade para manter a coerência das relações afetivas”, escreveu a psicóloga no laudo de Rorschach.

Anna Carolina Jatobá — Foto: Reprodução
Anna Carolina Jatobá — Foto: Reprodução

Condenada por ter ajudado o marido Alexandre Nardoni a matar a menina Isabella, Anna Carolina Jatobá avançou ao regime aberto há oito meses, também depois de ser submetida ao teste de Rorschach. Ela fez o exame com a psicóloga Flávia Chammas em 18 de maio de 2023 dentro de Tremembé. “Os resultados da avaliação apontam para uma personalidade imatura acompanhada por conflitos de natureza afetiva e descontrole de impulsos, o que provoca oscilações de humor. Assim, a manifestação destes conflitos se dá por meio de imaturidade na expressão afetiva, caracterizada por mudanças intempestivas de humor e labilidade dos sentimentos e baixa tolerância à frustração. Isso tudo, somado à presença de fantasias imaturas, facilitam reações impulsivas e comprometem o seu relacionamento intelectual”, escreveu a psicóloga no laudo de Rorschach de Anna Carolina.

Já Gil Rugai, condenado a 33 anos de prisão por ter matado o pai e a madrasta, já deveria estar cumprindo a pena em liberdade há três anos. Entre outras razões, não obteve o benefício porque, tal qual Alexandre Nardoni, se recusa a fazer o teste de Rorschach. “Gil Rugai apresenta comportamento egocêntrico, com traços de impulsividade, imaturidade e fantasias ligadas às suas necessidades pessoais”, escreveu o promotor Paulo José de Palma ao dar parecer desfavorável à mudança de regime.

Gil Rugai — Foto: Diogo Moreira/Agência O Globo
Gil Rugai — Foto: Diogo Moreira/Agência O Globo
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