True Crime
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Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 15/08/2024 - 11:38

Disputa milionária por herança acaba em tragédia familiar

Disputa por herança de R$3 milhões envolve assassinato de médico, esposa presa e filho suspeito. Jussara confessa crime, alegando violência doméstica. Filho caçula busca anular herança da mãe e irmão. Advogados divergem sobre participação no crime. Clima de revolta e batalhas judiciais entre familiares.

Uma família pernambucana está disputando nos tribunais uma herança de 3 milhões de reais. A corrida pela fortuna começou após o assassinato do médico Denirson Paes, um dos cardiologistas mais conhecidos do Recife. No início de junho de 2018, a farmacêutica Jussara Paes, esposa da vítima, foi até a delegacia registrar um boletim de ocorrência comunicando o desaparecimento do marido. Um mês depois, a polícia encontrou o corpo de Denirson carbonizado e esquartejado dentro de um poço, no quintal da mansão onde ele morava com a mulher e dois filhos, Daniel, nutricionista de 25 anos, e Danilo, engenheiro civil de 28.

Os investigadores chegaram ao cadáver após sentirem um forte odor vindo do poço, que havia sido concretado recentemente por operários. Aos policiais, Jussara disse que o mau cheiro vinha de um gato que havia caído e se afogado no reservatório de água e, por isso, ela teria mandado vedar o buraco.

A investigação revelou que Denirson havia pedido a separação um dia antes de ser assassinado, e planejava sair de casa para morar com outra mulher. Para o Ministério Público, o fim do casamento foi a motivação do crime. Jussara foi presa junto com o filho mais velho, Danilo. Segundo o inquérito policial, ele teria ajudado a mãe a matar o médico. A suspeita sobre o engenheiro aumentou depois que áudios de WhatsApp mostraram que a relação com o pai era marcada por altos e baixos, incluindo discussões acaloradas.

Poço onde corpo do médico foi encontrado — Foto: Divulgação
Poço onde corpo do médico foi encontrado — Foto: Divulgação

Submetida ao Tribunal do Júri, Jussara confessou o crime. Em interrogatório, contou que chamou o marido na área externa da mansão. Em seguida, deu um mata-leão na vítima. Seccionou o corpo com uma faca de cozinha. Ateou fogo usando álcool. Por fim, jogou o cadáver no poço. Para poupar o filho mais velho, ela sustentou ter feito tudo sozinha, e justificou dizendo que apanhava de Denirson de forma recorrente. Jussara foi condenada a 19 anos por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, enquanto Danilo foi inocentado por falta de provas.

Logo após o desfecho no tribunal, deu-se início a outra batalha jurídica. O filho caçula, Daniel, entrou na Justiça com uma ação para tornar tanto a mãe quanto o irmão, para ele, indignos de receber parte da herança. Por ter confessado, Jussara foi excluída da cadeia sucessória. No entanto, ela era casada com o médico sob o regime de comunhão parcial, o que lhe dá direito, por lei, a metade do patrimônio do marido. Se esse direito prevalecer, Jussara embolsará como meeira aproximadamente 1,5 milhão de reais, incluindo metade da mansão onde o crime ocorreu. O imóvel está localizado em Aldeia, Camaragibe, no Grande Recife.

Para deixar a mãe sem dinheiro, Daniel traçou uma estratégia. Entrou na Justiça com uma ação de danos morais e materiais contra ela. Entre os argumentos, alegou que Jussara matou um cachorro dele dois meses antes de seu pai ser assassinado. Disse que enfrenta problemas no trabalho e na vida pessoal por causa do estigma do crime intrafamiliar, além do abalo emocional sentido até hoje, sete anos após o crime.

— Minha mãe destruiu a minha vida. Faço tratamento com psicólogo e psiquiatra para superar essa tragédia — assegura o caçula.

O médico Denirson Paes ao lado do filho caçula, Daniel: ele acredita que o irmão participou do assassinato do pai — Foto: Reprodução
O médico Denirson Paes ao lado do filho caçula, Daniel: ele acredita que o irmão participou do assassinato do pai — Foto: Reprodução

No ano passado, uma sentença condenou Jussara a indenizar Daniel em 600 mil reais.

— Vai ficar praticamente uma coisa pela outra, já que ela receberá 700 mil reais, correspondente a metade dos bens do meu pai — calcula Daniel.

Em outra ação, Daniel tenta, em instâncias superiores, anular a sentença que inocentou o irmão mais velho para impedi-lo de receber 25% da herança.

— A polícia provou que minha mãe e meu irmão foram responsáveis pela morte do meu pai. Logo, não é justo que eles recebam um tostão sequer do patrimônio dele — ressaltou Daniel.

O nutricionista lembrou ainda que, logo após o crime, Danilo “ficou estranho”.

— Ele assistiu a um jogo de futebol deitado no sofá por causa de uma dor na coluna — descreve o caçula, atribuindo a lesão na coluna do irmão ao excesso de esforço físico em matar o pai.

Briga de advogados

Nos bastidores dessa briga familiar, há uma disputa acirrada de advogados. O defensor de Daniel, Carlos André Dantas, assegura que será fácil anular a sentença que condenou Danilo, tornando-o indigno à herança. Um dos principais argumentos dele é a atuação do promotor Leandro Dantas no caso. O representante do Ministério Público teria se reunido com todas as testemunhas de acusação às vésperas do julgamento mostrando uma série de provas de que Danilo teria participado efetivamente do crime. No entanto, no dia do julgamento, o promotor mudou radicalmente de posicionamento, pedindo a absolvição do acusado.

A família reunida: Jussara, Denirson, Daniel (ao fundo) e Danilo — Foto: Reprodução
A família reunida: Jussara, Denirson, Daniel (ao fundo) e Danilo — Foto: Reprodução

Na época, o promotor justificou a reviravolta no caso:

— Não dá para colocar Danilo no ato do homicídio do pai dele, nem na ocultação do cadáver. A família estava convicta da participação dele. Como chegaram a essa convicção, eu não sei, mas eles tinham certeza — disse.

O representante do Ministério Público também evocou a máxima de que, na dúvida, é melhor inocentar o acusado.

Já o defensor de Danilo, o criminalista Rafael Luís Nunes da Silva, considera praticamente definitiva a sentença que absolveu seu cliente.

— Até daria para recorrer, mas o Ministério Público e o advogado do Daniel perderam o prazo para entrar com recurso —, ressaltou Silva.

O advogado do irmão caçula rebate:

— Não procede. Esse advogado é muita alegoria e pouco fundamento — disse Dantas.

O advogado de Daniel assegura que o recurso pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e até ao Supremo Tribunal Federal (STF).

— Realmente eles podem recorrer, mas a vergonha vai parar lá em Brasília, pois perder o prazo é algo vexatório — provocou Silva, advogado de Danilo.

Numa consulta ao processo penal contra Jussara e Danilo, O GLOBO constatou que a acusação perdeu o prazo para entrar com recurso.

Numa consulta ao processo penal contra Jussara e Danilo, O GLOBO constatou que a acusação perdeu o prazo para entrar com recurso. Após a publicação da matéria, Dantas sustentou, contudo, que ainda pode recorrer em instâncias superiores.

— É lamentável a postura do advogado de defesa, que responde representações no Tribunal de Ética da OAB-PE, vir a público fazer falsa afirmação sobre perda do prazo do recurso — rebateu o profissional, antes de acrescentar: — O recurso foi protocolado no prazo do quinquidio legal de acordo com o código de processo penal. Quanto às razões recursais, a lei garante serem apresentadas na superior instância, além do prazo, não configurando intempestividade da apelação. Os tribunais são uníssonos, neste sentido, de acordo com as decisões do STJ e STF.

'Melhor mãe do mundo'

Em entrevista a O GLOBO, Daniel contou que vivia numa família feliz, até seu pai ser assassinado.

— Um ano antes da tragédia, enviei uma mensagem no Dia das Mães dizendo que ela era a melhor mãe do mundo — recorda-se o caçula: — Minha mãe era uma pessoa boa. Vivi momentos bonitos na infância ao seu lado. Mas havia uma loucura escondida dentro dela. Hoje, não consigo nem ficar lembrando dos momentos felizes que passei ao seu lado. Ela não merece esse tipo de recordação.

Jussara e Danilo e Daniel e Denirson — Foto: Acervo pessoal
Jussara e Danilo e Daniel e Denirson — Foto: Acervo pessoal

Daniel diz que jamais perdoará Jussara, “nem na outra encarnação”.

— Se tivesse pena de morte no Brasil, queria que ela fosse executada juntamente com o meu irmão. Até porque quem faz o que eles fizeram é capaz de tudo — ressaltou.

Apesar desses sentimentos ruins, paradoxalmente, Daniel mantém dezenas de fotos da mãe em seu celular, inclusive na tela de descanso.

— Não consigo excluir — justificou, emocionado.

A revolta do nutricionista aumenta quando ele se lembra da última vez que viu o pai com vida.

— Ele estava no quarto e me chamou para se despedir. Falou um monte de coisas. Achei aquilo estranho, mas estava gostando daquele carinho. No final, ele encheu a boca de ar para a bochecha ficar bem grande e me pediu para beijá-lo. Meu pai não fazia isso desde que eu era criança. No dia seguinte, ele se foi — relembrou.

Daniel não acredita de jeito nenhum na inocência do irmão.

— Para a polícia e para a minha família, o Danilo é um assassino, mesmo tendo saído do tribunal como inocente. Se depender de mim, ele não vai ver um centavo do dinheiro do meu pai — frisou.

Ao GLOBO, Danilo chamou o irmão de “covarde” e “ambicioso”, reforçou que é inocente e que vai brigar pela sua parte na herança porque tem direito, assim como Daniel também tem.

— O meu irmão só quer saber de dinheiro. Estou exausto com isso tudo. Eu só quero seguir em frente e viver a minha vida em paz — ressaltou.

Enquanto isso, Jussara cumpre pena na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima do Recife. Para reduzir sua estadia na prisão, trabalha como merendeira, servindo marmita às demais criminosas. Abandonada pelos filhos, não recebe visitas de Daniel, nem de Danilo.

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