True Crime
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Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 09/07/2024 - 04:30

Audiência revela detalhes do caso Porsche

Em audiência, testemunhas afirmam que Fernando dirigiu alcoolizado, enquanto namorada diz o contrário. Promotores acusam mãe de ajudar a retirar o réu do local do acidente. Depoimentos revelam detalhes do trágico caso envolvendo um Porsche e a morte de um motorista de aplicativo.

A situação jurídica de Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, se complica à medida que seu processo penal avança no Tribunal de Justiça de São Paulo. Em depoimento na audiência de instrução, ocorrida em 28 de junho, duas testemunhas importantes confirmaram ao juiz Roberto Zanichelli Cintra que o empresário ingeriu bebida alcoólica antes de pegar o volante do Porsche — o acidente em que se envolveu provocou a morte de outro motorista. Na mesma audiência, os promotores sugeriram que a mãe do réu, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, de 46 anos, teria retirado o filho do local do crime, sob a falsa alegação de levá-lo ao hospital, evitando assim sua prisão em flagrante.

Na madrugada de 31 de março deste ano, Domingo de Páscoa, ele dirigia o Porsche modelo 911 Carrera GTS do pai, avaliado em R$ 1,2 milhão, a 156,4 km/h em uma via cuja velocidade máxima é de 50 km/h. O veículo de luxo colidiu com um Renault Sandero, matando o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, de 52 anos. O crime ocorreu no bairro do Tatuapé, Zona Leste de São Paulo.

Preso na Penitenciária de Tremembé, Fernando Sastre acompanha audiência de instrução e julgamento — Foto: Reprodução
Preso na Penitenciária de Tremembé, Fernando Sastre acompanha audiência de instrução e julgamento — Foto: Reprodução

A audiência de instrução é a etapa do processo penal que pavimenta o caminho do acusado ao Tribunal do Júri. Fernando Sastre Filho é réu pelos crimes de homicídio doloso qualificado e lesão corporal gravíssima.

O GLOBO teve acesso exclusivo ao depoimento das 19 testemunhas de defesa e acusação – todos gravados em vídeo –, além da manifestação das promotoras do Ministério Público, Monique Campos Ratton Ferreira e Soraia Bicudo Simões, que acusam Fernando Sastre Filho criminalmente. A audiência ocorreu na 1ª Vara do Júri do Fórum da Barra Funda.

Drinks com uísque

Os depoimentos mais comprometedores para Fernando Sastre foram o do amigo Marcus Vinícius Machado Rocha, de 22 anos, que estava no banco do carona do Porsche, e o de sua namorada, Juliana de Toledo de Simões, também de 22 anos. O casal confirmou que o réu havia bebido “alguns drinks” no restaurante onde jantaram com Fernando e sua namorada, Giovanna Pinheiro Silva, de 23 anos. A comanda mostra que os quatro consumiram R$ 600, incluindo oito drinks à base de uísque e uma caipirinha de vodca e caju. Na mesma noite, os dois casais também beberam mais álcool em uma casa de pôquer com ingresso de R$ 400, que incluía open bar, um conceito em que o cliente bebe drinks à vontade. Da casa de jogos, seguiram para a casa de Fernando, onde jogariam sinuca.

Depoimento de Marcus Vinícius, sobrevivente do acidente

Depoimento de Marcus Vinícius, sobrevivente do acidente

Orientado por advogados, Marcus entrou na audiência decidido a falar a verdade, já que também é vítima. Por causa do acidente, ele ficou internado na UTI com lesões nas costelas e na perna esquerda, teve edema pulmonar e perdeu o baço. No entanto, o jovem preservou Fernando diversas vezes, principalmente ao afirmar que não se lembrava dos horários dos acontecimentos, nem da quantidade exata de drinks consumidos pelo empresário no restaurante e na casa de pôquer.

Em determinado momento, o juiz perguntou a Marcus se Fernando estava alcoolizado quando assumiu o volante.

— Não me recordo — respondeu.

— Não se recorda? — insistiu o magistrado.

— Não — manteve o depoente.

No entanto, mais à frente, Marcus confirmou que, na saída da casa de jogos, Fernando e Giovanna discutiram porque ela não queria que o namorado dirigisse embriagado.

Segundo a denúncia do Ministério Público, mesmo sob protestos de Giovanna, Fernando entrou no Porsche e fechou a porta. A garota então decidiu seguir no carro da namorada de Marcus, Juliana, que filmou a discussão do casal pelo celular.

— Como sou um amigo muito próximo, me propus a ir com o Fernando no carro. Não queria que ele fizesse nenhuma besteira — justificou Marcus em depoimento.

— Você se lembra da discussão, mas não se lembra do estado do seu amigo? — voltou a perguntar o juiz.

— É que a porta estava aberta — ponderou o jovem.

Fernando e Marcus, que é estudante de Medicina, se conheceram na infância e convivem há mais de 15 anos. O juiz pediu que ele contasse como foi a viagem da casa de jogos até o endereço de Fernando. Mais uma vez, o futuro médico aliviou a situação.

— A gente saiu, fez uma curva, depois ele deu uma acelerada, não me recordo a velocidade, não me recordo. Daí para frente eu não me lembro de mais nada. Só quando acordei no hospital — relatou.

No final do depoimento de Marcus, o juiz quis saber como estava seu estado de saúde. Ele disse que ainda está se recuperando, pois ficou com problema na tíbia e teve que voltar ao hospital porque a cirurgia para retirada do baço teve complicações.

'Fernando bebeu somente água'

Como era de se esperar, o depoimento que mais favoreceu Fernando Sastre foi o da namorada. Giovanna garantiu em juízo que o réu não pôs uma gota de álcool na boca no dia da colisão que matou o motorista de aplicativo.

— Nós temos um combinado: se ele beber, eu não bebo; então eu dirijo o carro. Se eu quiser beber, ele quem pega o carro e não bebe. Nesse dia, ele não bebeu porque estava dirigindo — relatou.

Depoimento de Giovanna, namorada de Fernando Sastre, que causou o acidente

Depoimento de Giovanna, namorada de Fernando Sastre, que causou o acidente

O juiz perguntou a Giovanna quem havia consumido as bebidas da comanda do restaurante.

— Eles faziam uns drinks autorais. Bebi um que tinha uísque e licor. Bebi também uma caipirinha de caju que nem gostei. Mas o Fernando bebeu somente água — garantiu.

A briga entre Giovanna e Fernando na porta do carro de luxo foi justificada assim pela depoente:

— Nós discutimos porque eu queria ir embora e ele queria jogar mais. E eu estava cansada de estar ali, pois nem sei jogar pôquer.

Quando foi questionada porque ela não entrou no Porsche com o namorado após a jogatina, Giovanna contou que cedeu o lugar a Marcus porque ele queria conhecer o carro do amigo.

— Ele se ofereceu — afirmou.

Giovanna e Fernando namoram há oito anos. Ela o visita todo domingo em Tremembé. Na hora de pedir a carteirinha de visitante, a jovem declarou que é companheira do empresário. Segundo contou, desde que o caso repercutiu na mídia, ela passou a receber ameaças pelas redes sociais.

'De cima abaixo'

O juiz perguntou a Giovanna como foi que Fernando foi retirado do local do acidente, já que ela esteve com ele o tempo todo.

— A Daniela [mãe de Fernando] chegou lá. Ela foi ver o que tinha acontecido. O Fernando estava com o nariz e a boca sangrando. Ele precisava ir ao hospital. Ele também estava vomitando. Todas as vezes que ele se estressa, ele vomita muito. Aí veio uma policial. Ela olhou o Fernando de cima abaixo e autorizou a gente a sair do local — relatou.

A policial militar que liberou Fernando, Dayse Aparecida Cardoso Romão, também depôs na audiência. Ela confirmou que foi enganada por Daniela, mãe do empresário.

— Ele estava com um sangramento no nariz. A mãe dele pediu para levá-lo ao Hospital São Luiz e nós autorizamos porque ele não apresentava sinais aparentes de embriaguez. Mas nós fomos até o hospital em seguida e vimos que ele não havia dado entrada lá — confirmou a policial.

Giovanna, por sua vez, disse que Daniela havia ligado para a policial tentando informar que não levaria mais o filho ao hospital, pois ele estava em estado de choque e havia tomado calmantes. Nesse momento, as promotoras de acusação perguntaram se a jovem havia visto, de fato, Daniela fazer essa ligação. Ela respondeu positivamente. Giovanna então foi desmentida.

— Você não tem como ter visto essa ligação porque a Daniela disse na delegacia que havia esquecido o celular no carro — rebateu uma das promotoras.

— Eu sei que ela ligou — insistiu Giovanna, já sem muita certeza.

Durante o depoimento, Giovanna chegou a irritar o juiz ao interrompê-lo no momento em que ele fazia questionamentos.

— Espere eu terminar de formular a pergunta — pediu o magistrado em algumas ocasiões.

Em outros momentos, ela se referiu às promotoras de Justiça com o pronome “você” no lugar de “senhora”, o que gerou repreensão. Ela também chegou a responder algumas perguntas do juiz iniciando a frase com a expressão “como eu disse antes ao senhor...” e “conforme respondi anteriormente”.

Fernando Sastre está preso na cela 10 do pavilhão 1 da Penitenciária 2 de Tremembé. Sem demonstrar emoção, ele assistiu a todos os depoimentos do parlatório por meio de videoconferência. Seu interrogatório, previsto para o mesmo dia, foi suspenso a pedido de advogados, que alegam a inclusão de novos documentos aos autos que precisavam de análise.

Relações rompidas

A única testemunha que se emocionou na audiência de instrução foi Juliana, a namorada de Marcus. Além de confirmar de forma categórica que Fernando havia ingerido bebida alcoólica antes de assumir a direção do Porsche, ela falou em juízo que havia sido pressionada por amigos do réu a não contar tudo o que sabia, pois correria o risco de cometer traição.

— Mas decidi falar toda a verdade, pois é um caso complexo em que uma vida se perdeu e a outra quase se foi — relatou.

Nesse momento, a jovem interrompeu o depoimento para chorar. Os casais romperam relações.

Depoimento de Juliana Toledo, namorada de sobrevivente do acidente

Depoimento de Juliana Toledo, namorada de sobrevivente do acidente

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