True Crime
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True Crime

Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 03/07/2024 - 04:30

Cartas do Vampiro de Niterói

O Vampiro de Niterói, assassino confesso de crianças nos anos 90, escreve cartas de amor para psicóloga. Ele revela detalhes dos crimes e pede para ser visitado. Cartas revelam sua mente perturbada e obsessão pela profissional.

Conhecido como Vampiro de Niterói, o assassino em série Marcelo Costa de Andrade, de 57 anos, tem passado o tempo no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, no Rio de Janeiro, trabalhando e escrevendo cartas. Há mais de 10 anos, ele atua na faxina, limpando o chão da casa penal. Nas horas vagas, se comunica com pessoas de fora do hospital e até com ex-funcionários.

Em 2008, a então estudante de Psicologia Solange Diniz de Carvalho, à época com 43 anos, descobriu que o Vampiro de Niterói cometeu seus crimes perto de sua casa. Interessada em ter contato profissional com o assassino, pediu para estagiar no hospital psiquiátrico onde ele estava internado. Logo ela se formou e continuou atuando na instituição.

Marcelo Costa de Andrade: o Vampiro de Niterói — Foto: Reprodução
Marcelo Costa de Andrade: o Vampiro de Niterói — Foto: Reprodução

Certa vez, Marcelo estava limpando o primeiro pavimento do hospital quando avistou Solange mais à frente. Vestindo camiseta de malha azul-marinho e bermuda jeans, seguiu até ela, enxugou a mão direita na roupa e se apresentou, ao mesmo tempo em que cumprimentava a psicóloga com um aperto de mão.

O rápido encontro casual foi o bastante para que Marcelo se apaixonasse e passasse a enviar cartas frequentes à psicóloga. O blog teve acesso a três delas, escritas de próprio punho por ele em 2008, em grafia quase sempre difícil de decifrar — Solange precisou ditá-las para que fossem reproduzidas. Na primeira, entregue em mãos de forma camuflada, o Vampiro de Niterói fala da solidão e de como busca redenção por meio da religiosidade.

Carta 1

"Minha querida amiga Solange. Eu sou Marcelo Costa de Andrade e tenho 41 anos. Queria pedir para você escutar a programação evangélica do Pastor David Miranda, da Igreja Pentecostal Deus é Amor na rádio AM, bem perto da CBN. A programação é muito abençoada e inspiradora, e a Bíblia Sagrada é fundamental para todos nós que buscamos orientação espiritual.

Além de ouvir a programação da igreja, recomendo que você frequente as reuniões da Igreja Pentecostal Deus é Amor para ser abençoada. A igreja tem sido um lugar onde muitas bênçãos acontecem, e acredito que você também sentirá essa presença divina.

Trecho de carta de Marcelo Costa de Andrade — Foto: Reprodução
Trecho de carta de Marcelo Costa de Andrade — Foto: Reprodução

Solange, gostaria muito que você escrevesse uma carta para mim. Ficarei muito contente em receber sua correspondência. Por favor, me mande o seu endereço completo com o CEP, para que eu possa responder e mantermos contato. Fiquei muito feliz em conhecer você e receber seus bons conselhos. Acredito que sua participação nas reuniões da igreja será muito boa para sua vida espiritual.

Depois de frequentar a igreja, você vai concluir que não precisa ter medo ou vergonha de mim, pois nossa ligação é baseada na fé e no amor de Deus. Quero que saiba que você está em minhas orações. Continuo fazendo correntes de oração para que eu possa encontrar paz e ser abençoado aqui onde estou. Espero conseguir minha liberdade em breve, pois, no momento, estou preso e não posso participar pessoalmente das atividades da igreja.

Com muita fé e esperança, aguardo ansiosamente sua resposta.

Marcelo Costa de Andrade"

Crimes começaram após culto

Como consta nos autos do processo de execução penal do Vampiro de Niterói, foi a partir do culto de um pastor evangélico que começou o desejo de matar. Segundo o depoimento dele, o líder religioso teria dito que, quando a criança morre, ela vai diretamente para o céu, pois sua alma ainda é pura. A partir dos 14 anos, porém, a pessoa poderia ir para o inferno pois já estaria comprometida com pecados mundanos. Em sua lógica distorcida, Marcelo entendeu que deveria matar os meninos da rua o mais rápido possível para que eles escapassem das garras do Diabo.

Mais tarde, o assassino confessaria a morte de 13 crianças, todas com idade entre 6 e 13 anos. Os crimes ocorreram entre abril e dezembro de 1991, em Niterói, cidade vizinha ao Rio. Preso, ele relatou sem qualquer remorso os detalhes macabros dos infanticídios, como beber o sangue das vítimas. Foi dessa prática que nasceu o apelido de Vampiro de Niterói.

Solange conta ter ficado preocupada e ao mesmo tempo fascinada quando recebeu a carta do assassino, pois queria estudar o Vampiro para entender melhor como a sua mente funcionava. No entanto, por questões éticas, ela não respondeu à primeira correspondência. Também não comunicou aos superiores sobre aquele contato. “Ele apertou a minha mão com a maior gentileza, admiração e simpatia. Como se fosse uma pessoa comum. Ficou claro que ele estava me admirando”, lembra.

Dois dias depois, Marcelo estava no pátio tomando sol cercado por grades, já que era considerado um preso de alta periculosidade. No entanto, ele se aproveitou de uma distração do policial penal, passou por um portão e foi ao encontro da psicóloga. Irritado, perguntou por que sua carta não havia sido respondida. Apreensiva, ela respondeu que não poderia se corresponder com ele.

Passada uma semana, contudo, o preso enviou uma segunda carta à universitária. Nesta correspondência, ele expressa sentimentos de afeto, desejo sexual e fantasias de proximidade física com Solange.

Carta 2

"Querida Solange,

Que Deus altíssimo esteja contigo. Minha querida amiga. Primeiramente, beijinhos maravilhosos na sua linda boca e no seu lindo rostinho. Se estivesse em liberdade, eu levaria você para almoçar em um restaurante, como uma churrascaria. Lá, íamos conversar uma conversa sadia, como de mãe para filho.

Trecho de carta enviada por Marcelo Costa de Andrade — Foto: Reprodução
Trecho de carta enviada por Marcelo Costa de Andrade — Foto: Reprodução

Solange, quero lhe dizer que você é uma moça bonita, simpática e legal, e eu gostei muito de você. Se eu pudesse, levaria você para tomar banho de piscina no clube Associação Cristã de Moços. Eu ia gostar muito de ver o seu lindo corpinho de biquíni e sutiã.

Eu e você, na liberdade. Se alguém fizesse mal a você, ia ter de fazer mal em mim também, pois eu sou de ficar grudado em você, como o menino que se esconde debaixo da saia da sua mãe. Solange, aqui eu faço masturbação. Toco no meu pênis até sair o esperma, já que eu não tenho mulher para fazer sexo.

Beijos na sua linda boca e escreva-me também.

P.S.: Não fale para ninguém sobre esse bilhete.

Com carinho,

Marcelo Costa de Andrade"

Capturado após poupar irmão

O Vampiro de Niterói cometeu seus crimes por meses sem ser importunado pela polícia. Ele trabalhava em Copacabana, na Zona Sul do Rio, e morava em Itaboraí, a 60 quilômetros dali, percurso que fazia de ônibus. No caminho, parava em Niterói, onde capturava, estuprava e violentava meninos, mantendo o short das vítimas como se fosse uma espécie de souvenir.

Ele só foi preso porque teve a ideia de pegar dois irmãos, um de 6 e outro de 11 anos. Ele matou o mais novo, violentado sexualmente na frente do irmão, que acabou poupado. O sobrevivente contou à mãe. Ela foi à delegacia, e os policiais foram até o local de trabalho de Marcelo. Preso, ele confessou todos os crimes.

A psicóloga Solange Diniz de Carvalho — Foto: Reprodução
A psicóloga Solange Diniz de Carvalho — Foto: Reprodução

Exames feitos por psiquiatras atestaram que o Vampiro de Niterói tem transtorno antissocial análogo à psicopatia, além de um distúrbio mental que faz com que ele não tenha plena noção da gravidade dos atos cometidos. Com isso, ele foi considerado inimputável e acabou escapando do Tribunal do Júri. Marcelo está encarcerado há mais de 30 anos. "Ele acabou condenado a uma prisão perpétua", disse seu advogado, Luiz Mantovani, ao canal do jornalista Beto Ribeiro no Youtube.

Na terceira e última carta que escreveu a Solange, Marcelo dá alguns detalhes dos assassinatos e faz um resumo da sua biografia. Também tenta justificar seus crimes. Por último, pressentindo que a psicóloga deixaria o hospital psiquiátrico, pediu a ela para fazer uma carteirinha de visitante para encontrá-lo nos finais de semana no pátio da casa de custódia. Essa é a maior das correspondências escritas por ele e a única com data.

Cracha de Solange nos tempos de estagiária — Foto: Reprodução
Cracha de Solange nos tempos de estagiária — Foto: Reprodução

Carta 3

"Niterói, Rio de Janeiro, 13 de abril de 2008

Minha querida amiga Solange,

Eu, Marcelo Costa de Andrade, de 41 anos de idade, dou graças ao bom Deus que esteja tudo bem com você. Faço aniversário no dia 2 de janeiro. Quando eu tinha 10 anos, fiquei me prostituindo na Cinelândia, Central do Brasil e na Galeria Alasca, em Copacabana, até os meus 18 anos de idade. E eu ganhava um bom dinheiro assim. Aconteceu que eu cresci e comecei a gostar de garoto novo para sexo. Aconteceu também de eu ficar endemoniado e doido da cabeça. Então eu matei 13 garotos de 5 a 13 anos de idade em lugares desertos. Eu bebia o sangue dos meninos e estuprei eles. Isso em um ano. É por isso que estou há muitos anos preso.

Mas, dona Solange, mudando de assunto, nunca mate ninguém. Nem faça mal nenhum a ninguém para nunca ir presa. Falo isso para o seu próprio bem. Quero dizer que eu, Marcelo, gostei da senhora.

Você é uma moça bonita, simpática e legal. E eu gostaria sempre de lhe ver e conversar com você.

Vai chegar o dia que você não vai mais trabalhar aqui. E eu queria que, antes de isso acontecer, você conversasse com a minha assistente social, dona Delaine; e com a minha terapeuta, dona Margareth. Diga a elas que você quer tirar a carteirinha de visitante para vir me ver.

Vai chegar o dia que você não vai mais trabalhar aqui. E eu queria que, antes de isso acontecer, que você conversasse com a minha assistente social, dona Delaine; e com a minha terapeuta, dona Margareth. Diga a elas que você quer tirar a carteirinha de visitante para vir me visitar. É certo que a direção daqui vai achar ruim. Mas fala que você gostou de mim, que me achou legal e simpático, e que está decidida a me visitar.

Mas não fale para ninguém daqui que eu escrevi essa carta para você, nem para sua supervisora, para não acharem ruim para você e comigo. Esta carta é um segredo meu e seu. Só faça o pedido da carteirinha de visitante quando souber que vai ficar aqui por mais uma semana.

Então corra atrás para tirar a sua carteirinha de visitante. Sei que a minha assistente social e a dona Margareth vão achar ruim e vão tentar azarar a gente. Mas é como eu te falei. Diga a elas que você gostou de mim e está decidida a vir me visitar. Fale também com a subdiretora Áurea, e com o diretor Pascoto e o chefe de segurança. É claro, minha querida amiga Solange. Falando com eles você vai conseguir tirar a carteirinha de visitante, pois eles são mais simpáticos, compreensivos e mão aberta.

Dona Solange, eu quero lhe dizer que gostei muito de você e que te amo como amo minha mãe. Quero sempre te ver, mesmo depois que acabar o seu tempo de trabalho aqui. Vou deixar o endereço da casa da minha avó para você (aqui ele escreveu o endereço completo da avó). Pode escrever para esse endereço, que minha avó Alice me entrega a sua carta quando vier me visitar.

Você, minha querida amiga Solange, vindo me visitar já é uma bênção de Deus para nós dois. Espero que escreva uma carta para mim também, dizendo como está. A minha mãe e minha avó vêm me visitar de 15 dias em 15 dias.

Até logo, e que Deus abençoe nós dois.

Com carinho,

Marcelo Costa de Andrade

Procurada pelo blog, a Secretaria estadual de Administração Penitenciária afirmou que, "em respeito ao Art 41, do inciso XV, da Lei de Execuções Penais, permite a comunicação do detento com o meio exterior por meio de cartas". O texto enviado pela pasta prossegue informando que, no entanto, não é permitido "o envio de correspondências com conteúdos inadequados, tais como ofensas, ameaças, assédios ou qualquer outro tipo de comunicação criminosa".

Leia amanhã uma análise das cartas escritas pelo Vampiro de Niterói feita pelos psiquiatras Guido Palomba e Ana Beatriz Barbosa. E saiba como está a situação do criminoso, uma vez que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o fim dos manicômios judiciais.

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