Boa Viagem
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Por Francine Prose, The New York Times

Horas depois de chegar a Coyoacán — bairro bonito, tranquilo e cheio de verde na região sudoeste da Cidade do México —, eu já estava na internet procurando imóveis de estada prolongada para alugar. Parecia um sonho que minha família pudesse se mudar para lá, como se tivéssemos encontrado a base ideal de onde explorar a cidade que sempre amei. Com as calçadas alinhando casas de cores vivas e jardins tratados com cuidado, Coyoacán é um oásis de tranquilidade, quase uma ilha cercada pela energia intensa e contínua da vibrante capital mexicana.

O fascínio que o bairro exerce é óbvio há séculos, muito antes que fosse engolido pelo alcance da metrópole — de fato, antes mesmo de ser um vilarejo. Diz a lenda que o conquistador Hernan Cortés viveu ali por volta de 1520 (depois da destruição da capital asteca), embora obviamente não na construção do século XVIII conhecida hoje como Casa de Cortés. Coyoacán foi incorporado à capital no século XIX e, em 1928, formalmente considerado um distrito.

Do início até a metade do século XX, foi a versão local do Greenwich Village, seu Montparnasse. Artistas do mundo inteiro chegavam ali para visitar os colegas mexicanos — e ficavam. Boa parte da rica história do bairro e de sua magia tão peculiar permanecem até hoje, e ainda podem ser apreciadas nas casas em que essas grandes figuras moraram e trabalharam. Talvez seja superstição se sentir próximo aos mortos no lugar onde eles viveram, mas, se for, esta é compartilhada por um número imenso de pessoas.

Por puro acaso (e sorte), a casa que encontramos no Airbnb foi o antigo ateliê do pintor José Orozco, um dos fundadores do movimento muralista mexicano, grupo que incluía Diego Rivera, David Siqueiros e outros. Nas molduras nas paredes, havia desenhos e gravuras feitos pelo antigo morador, falecido em 1949, e nas prateleiras, volumes de reproduções de suas obras.

Diversas das casas ocupadas por esses nomes célebres foram transformadas em museus, em uma nova versão que nos atrai pela curiosidade em relação à forma como vivia e o que possuía a figura que veneramos ou odiamos. Vi o baralho de Fiódor Dostoiévski, li as primeiras versões do discurso do "Dia da Infâmia" de Franklin D. Roosevelt, admirei o campo que saía do chalé que Virginia Woolf usava para escrever em direção ao rio onde se afogou. Se acreditamos que os fantasmas ainda habitam essas estruturas, desejamos o silêncio e a solidão que nos permitam ouvir o que têm a dizer.

De longe, a casa-museu mais famosa do bairro é a Casa Azul, pintada em um tom vibrante da cor que lhe dá nome, na qual Frida Kahlo passou boa parte da vida e morreu. Nos anos 40 e 50, ela e Rivera receberam ali artistas mexicanos surrealistas europeus, astros do cinema, colecionadores de arte milionários, expatriados e refugiados políticos.

Uma multidão se reúne do lado de fora da Casa Azul, onde Frida Kahlo passou grande parte de sua vida, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times
Uma multidão se reúne do lado de fora da Casa Azul, onde Frida Kahlo passou grande parte de sua vida, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times

Quando entrei nela pela primeira vez, muito antes de o filme estrelado por Salma Hayek ter sido lançado e o mundo ser tomado pela onda que os mexicanos chamam de Fridamania — que ainda não deu sinal de diminuir —, eu era a única visitante além de uma mochileira canadense que ia de um cômodo para o outro sem parar de chorar.

Hoje é um destino turístico extremamente popular, quase um centro de peregrinação, com compra de ingressos antecipada e (normalmente) longas filas para entrar. Você pode até parar na frente das vitrines que exibem as roupas folclóricas elaboradas que a artista usava e entrar no quarto, que hoje tem ares de santuário, mas é difícil sentir algum tipo de comunhão pessoal no que virou menos uma recriação de sua casa e mais palco de uma homenagem, com direito a loja de presentes e uma frase de Patti Smith pintada na parede, que não poderia estar ali quando Kahlo e Rivera desfrutavam o belo pátio.

Mas, sem dúvida, vale a pena enfrentar a multidão por conta das maravilhosas coleções de sua dona — mais notadamente de retablos (retábulos), ou quadros sagrados, muitos representando resgates milagrosos. Ao lado deles, é inevitável pensar que Frida e Diego teriam ficado muito satisfeitos com tamanho sucesso e tanta admiração e atenção; ambos eram ambiciosos, mas muito preocupados com a carreira e a reputação.

Dentro do Museo Anahuacalli, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México. O museu agora abriga a coleção de arte pré-colombiana de Diego Rivera — Foto: Adrian Wilson/The New York Times
Dentro do Museo Anahuacalli, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México. O museu agora abriga a coleção de arte pré-colombiana de Diego Rivera — Foto: Adrian Wilson/The New York Times

Aliás, quem tiver interesse em saber mais sobre o ego dele, deve agendar uma visita ao Museo Anahuacalli, a meia hora de táxi da Casa Azul, monumento extraordinário que construiu para si mesmo com a ajuda do arquiteto Juan O'Gorman. A estrutura, que chegou a abrigar o ateliê do artista, hoje guarda sua coleção de arte pré-colombiana, disposta sob uma iluminação dramática.

Ao visitá-la, a escritora britânica Rebecca West ficou horrorizada, descrevendo-a em um tom veemente (e hilário) em artigo da coletânea "Survivors in Mexico", publicada em 2003: "Um arquiteto que devia ter as pirâmides astecas em mente empilhou os blocos cinzentos de pedra. Ao nos aproximarmos de seus portais fúnebres, saiu um grupo de pessoas que exibiam no rosto a tensão pela visita que ainda não terminara, mas apenas de leve, já que o suplício estava quase no fim." Quando estive lá, o museu estava servindo de cenário para um filme de suspense — e ser perseguida pela equipe de sala em sala porque precisavam de uma galeria, e depois da outra, só reforçou o clima de opressão.

Sem dúvida, a Casa Azul é a única casa-museu cuja visita pode dar uma ideia do que Coyoacán foi em tempos passados — as pessoas que moraram ali e o que fizeram, a comunidade que formaram. Quando o soviético Leon Trotsky chegou ao México, em 1936, hospedou-se ali de graça. Mais tarde, ainda em exílio, mudou-se para uma casa próxima, na Avenida Rio Churubusco, na qual foi assassinado pela polícia secreta de Stálin e que hoje também é museu.

Livros dentro do Museo Casa de Leon Trotsky, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times
Livros dentro do Museo Casa de Leon Trotsky, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times

Seu ambiente é mais tranquilo que o da Casa Azul. Também tem um pátio agradável, onde a paz relativa e o espaço físico ajudam a imaginar o breve período em que o revolucionário — procurado na Rússia — encontrou refúgio. Talvez o clima meio assustador se deva ao fato de podermos ver a mesa em que ele estava trabalhando, provavelmente escrevendo a biografia de Stálin, quando foi atingido pelo famoso quebrador de gelo, golpeado por um agente secreto soviético.

Dispostos ao redor do pátio, onde havia acomodação para os guardas designados para proteger Trotsky e gaiolas nas quais mantinha seus adorados coelhos e galinhas, os cômodos são ajeitados, mas espartanos, comoventes em sua modéstia e simplicidade. Ao lado da casa há uma exibição de fotos do dono da casa e de seus conhecidos, além de uma linha do tempo da história russa e mexicana no início do século XX. É interessante saber que, na época em que Trotsky viveu ali, sua casa ficava ao lado dos campos e plantações que delimitavam o fim do bairro e da cidade; hoje há uma avenida movimentada bem à porta, que é caminho para o centro histórico.

Na manhã de um dia de semana, eu e minha família éramos os únicos visitantes na minha casa-museu favorita: a Casa del Emilio Fernández, cheia de clima e magia, daquele que era conhecido como "Índio". Em um cantinho lindinho e especialmente tranquilo do bairro, a antiga residência do astro do cinema mexicano, aberta só nos fins de semana, parecia relativamente intocada pelo turismo e pela passagem do tempo.

Pessoas dançam no Jardín Centenario de Coyoacán, que fica no coração do bairro, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times
Pessoas dançam no Jardín Centenario de Coyoacán, que fica no coração do bairro, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times

Erguida em pedra vulcânica, a "fortaleza", que ocupa praticamente todo o quarteirão, foi projetada e construída em 1947 pelo próprio Fernández, diretor e ator que, até sua morte, em 1986, fez mais de 120 filmes, e cujo físico notável o levou a ser modelo para a estatueta do Oscar, segundo diz a lenda. Filho de mãe indígena (daí o apelido), ele se gabava de ter lutado na Revolução Mexicana e se exilado nos EUA, morando em Los Angeles e abrindo caminho na indústria cinematográfica de lá, mais tarde voltando à terra natal.

Construída à volta de um pátio imenso onde antes funcionara o curral para os cavalos que Fernández usava nos filmes — geralmente, interpretava caubóis e revolucionários —, a casa tem salões públicos enormes e cavernosos. Entre os convidados de suas festas requintadas estavam Kahlo, Rivera e Marilyn Monroe. Por toda parte se veem fotos emolduradas de suas três mulheres, e no antigo quarto há uma de Olivia de Havilland — atriz de Hollywood que, segundo nosso guia, rejeitou as investidas do galã porque ele era "muito feio". Pois Fernández jurou que um dia teria a estrela "a seus pés", e, quando o governo concordou em deixá-lo escolher o nome para a rua ao lado de sua casa, chamou-a de Dulce Olivia, ou Doce Olivia, cumprindo sua promessa — ou ameaça.

Esses monumentos ao passado não são o único motivo para uma visita a Coyoacán, que também tem muita comida boa, um jardim botânico gigantesco, um Zócalo agradável e feiras livres e de artesanato. Ali, como em boa parte do México, o passado e o presente caminham lado a lado. Em uma tarde de domingo tranquila, no Jardín Centenario, uma banda tocava para os casais de meia-idade e idosos que dançavam a salsa fox em um ritmo bem digno. Seus familiares ocupavam as mesas à volta da pista, bebendo café, comendo porções de elote, ou milho assado, as crianças chupando pirulito. Não havia muito movimento de carros, e não era difícil imaginar os sedãs luxuosos manobrando à volta da praça central para deixar os convidados de uma das longas e surpreendentes festas de Emilio Fernández.

Se você for

Um cômodo da Casa Azul, onde Frida Kahlo passou grande parte de sua vida, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times
Um cômodo da Casa Azul, onde Frida Kahlo passou grande parte de sua vida, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México — Foto: Adrian Wilson/The New York Times

As casas-museus de Coyoacán proporcionam uma boa visão da rica história artística e cultural do bairro. Os ingressos são acessíveis e, com exceção da Casa Azul, normalmente não ficam lotadas de turistas. Veja aqui como encontrá-las:

Casa Azul: Londres 247, Colonia del Carmen. Horário de funcionamento: terça, quinta, sexta e sábado, das 10h às 18h; quarta, das 11h às 18h. Fecha na segunda. Ingresso: dias de semana, 230 pesos (cerca de R$ 61); sábado e domingo: 270 pesos. A compra pode ser feita on-line, o que é recomendável.

Museo Casa de Leon Trotsky: Avenida Río Churubusco 410, Colonia del Carmen. Horário de funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 17h. Ingresso: 40 pesos.

Anahuacalli: Museo 150, Colonia San Pablo Tepetlapa. Horário de funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 17h30. Ingresso: 80 pesos; entrada gratuita com ingresso para a Casa Azul.

Casa de Emilio Fernández: Ignacio Zaragoza 51, Colonia Santa Catarina. Horário de funcionamento: sábado e domingo, do meio-dia às 17h. Ingresso: 100 pesos.

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