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Por Farah Nayeri, The New York Times — Manchester

O uniforme da Primeira Guerra Mundial, encontrado em um baú de família no Paquistão, ganhou vitrine própria, homenagem aos colonos que lutaram pelo Reino Unido. Logo ao lado há um riquixá enfeitado com flores e fitas, importado de Bangladesh, decorado exuberantemente por artistas bangladeshianos e britânicos. Na parede, um autorretrato grande, intitulado "I Beg You to Define Me", mostra uma jovem com roupas tradicionais do sul da Ásia, ricamente bordadas, sobre o moletom e os tênis de corrida.

Essa é a nova Galeria da Ásia Meridional. Primeiro espaço permanente no Reino Unido a abordar a diáspora daquela região, foca as experiências vividas pela comunidade e o que significa ser britânico e sul-asiático ao mesmo tempo. Tanto que foi organizada não por um grupo de curadores eruditos, mas por 30 moradores com raízes naquela região do continente, que reuniram as histórias que queriam contar e procuraram os objetos que melhor as descreviam.

Está instalada no Museu de Manchester, instituição ampla de 133 anos ligada à universidade local que abriga quatro milhões e meio de objetos, de moedas, cerâmicas e antiguidades egípcias a esqueletos de dinossauros e até alguns animais vivos. Reaberta em fevereiro, passou por uma reforma que consumiu oito anos e US$ 18 milhões.

Fundado no auge do Império Britânico, o museu está passando por uma reformulação liderada pela diretora, Esme Ward. No cargo desde 2018, ela quer torná-lo mais inclusivo (ainda que a entrada já seja franca), criativo e atencioso. Já repatriou 43 objetos cerimoniais e sagrados para as comunidades aborígines australianas e nomeou um curador para reavaliar as coleções de uma perspectiva indígena.

A obra “I Beg You to Define Me”, de Azraa Motala, exposta na nova galeria dedicada à arte do sul asiático no Manchester Museum — Foto: Tom Jamieson/The New York Times
A obra “I Beg You to Define Me”, de Azraa Motala, exposta na nova galeria dedicada à arte do sul asiático no Manchester Museum — Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Manchester é um dos muitos museus e locais históricos que passaram a dar destaque aos grupos de minoria e revisitar o passado colonial para ampliar o público de um Reino Unido multicultural. A Galeria Nacional, por exemplo, está investigando o papel da escravidão na história nacional, destacando os indivíduos ligados ou beneficiados por esse tipo de comércio; a Tate Britain está mudando a disposição de seu acervo com a mesma intenção.

É uma abordagem que divide opiniões, com alguns analistas e parlamentares de direita contrários à prioridade nas questões de diversidade em detrimento da preservação do patrimônio nacional.

– Nós, responsáveis pelos museus, temos a responsabilidade de agir tendo em mente não só nossa missão, mas o público a que eles se destinam – afirmou Ward em entrevista recente em seu escritório, onde há um sofá de veludo e um pôster em que se lê: "Não aos sexistas, não aos racistas, não aos fascistas".

Referindo-se ao museu como "máquina de empatia", ela disse que sua missão vai além do cuidado com objetos e coleções:

– Cuidamos de crenças, ideias, relações; é um espaço que aproxima as pessoas. O de Manchester foi fundado como parte de um projeto colonialista mais amplo, de modo que há muitas histórias que foram omitidas, escondidas e não fazem parte da narrativa.

Esme Ward, a diretora que comanda o novo momento do Manchester Museum, com mais espaço para o questionamento do passado colonial britânico — Foto: Tom Jamieson/The New York Times
Esme Ward, a diretora que comanda o novo momento do Manchester Museum, com mais espaço para o questionamento do passado colonial britânico — Foto: Tom Jamieson/The New York Times

O Fundo Nacional para Locais de Interesse Histórico ou Beleza Natural (National Trust) também vem expondo histórias até então ocultas. Em 2017, marcou o 50º aniversário da descriminalização parcial da homossexualidade na Inglaterra e no País de Gales destacando figuras históricas LGBTQ em seu programa "Preconceito e Orgulho" – o que gerou um debate acirrado na imprensa, levando a um grande número de reclamações e até a alguns cancelamentos de adesão, ainda que uma pesquisa revelasse que 72% do público eram a favor da iniciativa.

Em janeiro, o fundo lançou um curta sobre deficiência que mencionava Henrique VIII, vítima de um acidente em um duelo e de úlceras nas pernas, que o forçavam a usar bengala e até cadeira de rodas. Por causa disso, o colunista Richard Littlejohn comentou no "The Daily Mail": "Hoje em dia, tudo é visto sob o prisma da obsessão moderna com a diversidade, a identidade e, de uns tempos para cá, a escravidão."

Para Richard Sandell, professor de museologia da Universidade de Leicester que trabalhou em ambos os projetos, as instituições britânicas estão apenas "abrindo a lente" e ampliando sua programação:

– É uma parcela muito pequena do público que as frequenta; a narrativa que apresentam, muitas vezes excluindo e simplesmente apagando, pode ser prejudicial.

Na visita recente que fiz ao Museu de Manchester, percebi que a nova visão defendida por Ward estava bem patente – tanto que um dos maiores destaques da reabertura era a exposição "Múmias Douradas do Egito", que repensa a abordagem antiga da egiptologia, em cartaz até 31 de dezembro.

Os textos explicativos revelam que os objetos foram escavados graças ao controle colonial que os britânicos tinham sobre o Egito, permitindo aos arqueólogos ocidentais "reivindicar sua participação nos achados do governo local". "O arqueólogo responsável pela escavação, sir Flinders Petrie, estava muito interessado na raça das múmias que encontrou, chegando a tirar as medidas dos crânios para esse fim."

Tirinhas de Edher Numbi na nova 'Galeria do Pertencimento' ('Belonging Gallery', no Manchester Museum — Foto: Tom Jamieson/The New York Times
Tirinhas de Edher Numbi na nova 'Galeria do Pertencimento' ('Belonging Gallery', no Manchester Museum — Foto: Tom Jamieson/The New York Times

No andar de cima, a nova "Galeria do Pertencimento" é o primeiro espaço que o visitante vê ao usar a nova entrada, toda modernizada.

– O objetivo é fazer com que as pessoas se sintam bem-vindas e explorar a ideia de pertencimento e inclusão, não só do ponto de vista do britânico branco, mas de todos os outros também – ressaltou Ward. As ilustrações e os objetos refletem as diferentes manifestações do conceito, mediante os relacionamentos, locais e ações.

A Galeria da Ásia Meridional, logo ao lado, é outro exemplo da iniciativa inclusiva de Ward, com objetos de origens variadas: um terço saiu do Museu Britânico (sua parceira), incluindo uma estátua de Buda e peças de cerâmica do Vale do Indo; 20% são da coleção do Museu de Manchester; e o resto pertence à comunidade sul-asiática local: fotos de família, arquivos, capas de álbuns, tablas e roupas.

Sua criação foi anunciada em 2015, com verba pública de US$ 6 milhões, a princípio concebida para ser uma história cronológica da região.

– Um conceito errado, porque não refletia essas comunidades aqui em Manchester – admitiu Ward, que chegou quando a fase de planejamento já ia pela metade e consultou muitos moradores antes de mudar os planos. (A população da cidade é composta de 21% de asiáticos, a maioria com origens no sul do continente.)

Para atuar na curadoria, ela nomeou Nusrat Ahmed, que até então organizava projetos comunitários voltados para a herança sul-asiática.

– Sou uma pessoa que não ia a museus e galerias de arte porque não me via representado em sua narrativa; eu me sentia um peixe fora d'água. O objetivo da galeria é contar aquelas histórias que nunca tiveram espaço no contexto dos museus – explicou ele.

Já Ward anunciou que agora quer levar a instituição às 11 mil crianças que vivem na pobreza na região, tendo inclusive anunciado uma vaga de gestor de justiça social no Twitter. "Por que vocês haveriam de precisar de alguém para isso? Vocês são um museu!", foi uma das reações. "Nunca ouviram falar do #QuemLacraNaoLucra?", tuitou outro.

Segundo Sadiah Qureshi, professora de história da Universidade de Birmingham, os membros brancos do público que se sentem ameaçados pelas campanhas de diversidade não estão sendo excluídos, só não ocupam mais o centro da narrativa:

– Tem muita gente que acha que museu é um espaço neutro, mas não é, e considera qualquer mudança como transformação política. Desde sempre, foi uma instituição profundamente instrumental da parte daqueles que achavam que seria educativa para a classe trabalhadora. O museu tem de existir voltado para aqueles que estão à sua volta. E precisa mudar.

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