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Por Luciana Fróes — Ilha de São Miguel, Açores

É recorrente, pode conferir: todos os bons chefs e restaurantes de Portugal usam insumos vindos “da ilha”. Não a da Madeira, mas as dos Açores, este arquipélago no Oceano Atlântico celeiro de produtos nobres, que ganham destaque nas cozinhas e elogios de chefs estrelados. Ter produto açoriano discriminado no cardápio é chancela de qualidade, de coisa boa. Mesmo.

Henrique Sá Pessoa, do Alma, no Chiado, em Lisboa, restaurante com duas estrelas Michelin, só usa para acompanhar o pão de fermentação natural da casa a manteiga amarelíssima açoriana. E a carne macia dos gados criados por lá (“a média é de três vacas por pessoa”, disse o garçom local), os peixes, os crustáceos, os moluscos (as lapas, apreciadíssimas, só têm nas ilhas), as sardinhas, os queijos de São Jorge, os boletus (tipo de cogumelo perfumado e saboroso que brota na mata), os ananás pequeninos e ácidos e o chá verde Gorreana, fábrica fundada em 1883 com sementes levadas do Brasil. Na carta de vinhos, há sempre exemplares da Ilha do Pico.

A “ilha”, na verdade, são nove, nesse arquipélago habitado desde 1432. São elas a Ilha Terceira, Faial, Corvo, Flores, São Jorge, Graciosa, Pico, Santa Maria e São Miguel, a maior e a mais povoada de todas. Das cerca de 240 mil pessoas que vivem nos Açores (muitos portugueses, e também brasileiros, possuem casas de temporada por lá), mais de 130 mil moram em São Miguel, com ótima infraestrutura hoteleira, gastronômica e turística, com muitas opções para se explorar as belezas locais. Mas os açorianos, entretanto, controlam com rigor o crescimento de suas ilhas. Não querem arranha-céus, ou sequer prédios altos, nem grandes condomínios e fluxo intenso de transatlânticos.

Turistas fazem uma trilha pelas montanhas à beira-mar da Ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, em Portugal — Foto: Luciana Fróes
Turistas fazem uma trilha pelas montanhas à beira-mar da Ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, em Portugal — Foto: Luciana Fróes

A palavra “grande” não é exatamente a praia dos açorianos, que prezam pela paz local e não querem ver o arquipélago se transformar em Ilha da Madeira, outro território ultramarino luso, na costa à noroeste da África (próximo do Marrocos). Por lá, o movimento turístico é frenético, com grandes condomínios, hotéis que são verdadeiras cidades, prédios de muitas andares, engarrafamento de carros e de cruzeiros, que aportam ali o ano todo. Madeira, “a pérola do Atlântico”, é o paraíso dos ingleses mais idosos, que chegam fugindo do frio. Winston Churchill, aliás, chegou a morar na Madeira.

Mas os Açores navegam por outras águas, investem em um turismo mais manso, farto em caminhadas, ciclismo, montanhismo... Na Ilha do Pico, aliás, fica a montanha mais alta de Portugal, na verdade um “estratovulcão” (lavas de vulcão endurecidas) de 2.351 metros de altitude. E é ali no mesmo Pico, a segunda maior ilha do arquipélago, listada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, que a cultura do vinho se desenvolveu no arquipélago.

Verdelho é a casta emblemática da região, que conta com cooperativas de peso e produtores como a Pico Wines, a mais antiga local, de 1949. Mas desde 1470 há registros de vinhas plantadas por lá. Seus vinhos caros, que não chegam à América do Sul, são vulcânicos, de paladar curioso, e os exemplares brancos costumam ser superiores aos tintos .

A plantação de chá verde da fábrica Gorreana, fundada em 1883 na Ilha do Pico, nos Açores, com sementes levadas do Brasil — Foto: Luciana Fróes
A plantação de chá verde da fábrica Gorreana, fundada em 1883 na Ilha do Pico, nos Açores, com sementes levadas do Brasil — Foto: Luciana Fróes

São nove ilhas e são nove sotaques diferentes também, como contou Joana Damião Melo, dona do Senhora da Rosa, um dos mais emblemáticos hotéis da Ilha de São Miguel, a apenas quatro quilômetros de Ponta Delgada, cidade onde tudo acontece. A propriedade é do século XVIII, com uma igrejinha que é uma joia, a de Nossa Senhora de Lourdes, totalmente restaurada.

— Nós, nascidos na Ilha de São Miguel, temos uma acentuação meio francesa. O nosso português puxa um pouco pelo “r”, como os parisienses — explicou.

Aos meus ouvidos, me pareceu um português de Portugal bem mais fácil de ser compreendido pelos brasileiros. Diferentemente dos alentejanos, que aceleram a fala e às vezes se tem a impressão de que estão falando algum idioma do leste europeu.

Interior da igreja de Nossa Senhora de Lourdes, que fica na propriedade do hotel Senhora da Rosa, na Ilha de São Miguel, nos Açores — Foto: Luciana Fróes
Interior da igreja de Nossa Senhora de Lourdes, que fica na propriedade do hotel Senhora da Rosa, na Ilha de São Miguel, nos Açores — Foto: Luciana Fróes

O Hotel Senhora da Rosa é uma antiga quinta do “Azores”, uma forma também possível de se ouvir por lá, de três hectares entre mar, montanha, rochas contorcidas, lagos vulcânicos, areia escura, a paisagem característica da ilha. E verde, muito verde, e há flores como azaleias, camélias e hortênsias por todos os lados. Uma das acomodações é uma casa toda em madeira, voltada para a mata, chamada de Granel, que reproduz a construção típica da ilha nos primórdios. Foi ali que me hospedei, em meio às onipresentes plantações de ananás, pequenos e ácidos, mas adoráveis, um dos símbolos dos Açores.

Pelas ilhas, não se corre o risco de esbarrar com cobra ou raposa, em compensação, olho no coelho selvagem, terrível, que faz um estrago tremendo e morde.

A gastronomia local também tem suas particularidades: tem pão de água, bolo lêvedo, lapas (o tal molusco que só tem ali, de concha sem tampa, aberta) e pimenta da terra. Entre os peixes típicos estão goraz, patudo, alfonsim e imperador, que chegam fresquíssimos do Rabo de Peixe, vila dos pescadores, de dez mil pessoas, em São Miguel.

O ravióli frito com recheio de cozido, um destaque do cardápio do restaurante Terra Nostra, na Ilha de São Miguel, no arquipélago de Açores, em Portugal — Foto: Luciana Fróes
O ravióli frito com recheio de cozido, um destaque do cardápio do restaurante Terra Nostra, na Ilha de São Miguel, no arquipélago de Açores, em Portugal — Foto: Luciana Fróes

Provei cogumelos boletus de todas as formas, sopa de peixe, amêijoas da Ilha de São Jorge, caldeirada de congro, torta de ervas calhau, que são algas, e as famosas morcelas, acompanhadas pelos igualmente famosos ananás. Um destaque foi o ravióli frito recheado de cozido, do restaurante Terra Nostra, que fica no parque de mesmo nome, no Vale das Furnas, famoso por suas águas termais. Também na Ilha de São Miguel, conheci as paisagens deslumbrantes do Pico do Ferro e da Lagoa do Fogo.

Na ilha fica o aeroporto de São Miguel, e o voo de Lisboa para lá, que dura menos de duas horas (1h47m, precisamente) é das viagens mais lindas que já fiz. Uma imensidão de mar interminável e, de repente, do nada, aparece pela janela do avião o traçados das ilhas habitadas cercadas de água por todos os lados. Assim é a chegada à Região Autônoma dos Açores, uma comunidade independente, com legislação própria e cuja população tem o compromisso cívico de votar em dois presidentes: o da Ilha e o de Portugal.

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