Política

Autorização para exploração em áreas de reserva sem veto de indígenas pode esbarrar em tratado

Convenção da Organização Internacional de Trabalho prevê consulta a comunidades afetadas antes de uso de recursos
Indígena em frente ao Supremo Tribunal Federaç Foto: Renato Costa / Agência O Globo
Indígena em frente ao Supremo Tribunal Federaç Foto: Renato Costa / Agência O Globo

RIO — A autorização à exploração em terras indígenas sem que os povos locais tenham direito a veto — como propõe um projeto de lei do governo Bolsonaro ainda em finalização — pode esbarrar na Convenção 169 da Organização Internacional de Trabalho (OIT), alertam especialistas. A convenção prevê que, “antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras”, os governos devem consultar as comunidades afetadas “a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida”.

— A convenção trata dos Direitos Humanos e as normas relacionadas a isso tem status supralegal, estão acima das leis. Ou seja, qualquer projeto passa por um controle tanto da Constituição quanto dos tratados internacionais sobre os Direitos Humanos — diz a advogada Juliana Batista, do Instituto Socioambiental (ISA).

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A Carta de 1988 não especifica direito a vetos por parte das comunidades indígenas, mas estabelece que elas devem ser consultadas antes de ter seus territórios explorados. No entanto, a advogada pondera que a constitucionalidade do projeto só poderá ser decretada após sua publicação:

— A própria Constituição prevê a regulamentação (da exploração em terras indígenas). Agora, como essa regulamentação vai ser é que vai suscitar o debate de sua constitucionalidade. É preciso que haja um processo de oitiva das comunidade indígenas.

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Uma das propostas do projeto é que, apesar de perderem o poder de veto, os indígenas seriam recompensados financeiramente. O ponto, porém, já era previsto pela própria Constituição, que assegura a participação nos resultados da lavra.

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Há no Congresso outro projeto de lei que tramita desde 1996, cuja autoria é do ex-senador Romero Jucá, e também prevê a regulamentação do uso de terras indígenas. Segundo a professora da Unicamp Artionka Capiberibe, a proposta nunca foi aprovada por receio da reação da sociedade:

— Sempre houve uma resistência da sociedade em entrar em terras indígenas de forma tão agressiva, mas agora o cenário mudou. Há muitos pedidos de pesquisa e lavra de minérios em terras indígenas.

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