Política Coronavírus

Bolsonaro volta a criticar isolamento total e diz que governo não pode impedir ambulantes de trabalhar

Presidente sugeriu que quem tiver menos de 40 anos poderia se infectar agora com a Covid-19 para no futuro não transmitirem o vírus aos mais idosos
O presidente Jair Bolsonaro, em cerimônia no Palácio do Planalto Foto: Jorge William / Agência O Globo
O presidente Jair Bolsonaro, em cerimônia no Palácio do Planalto Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro questinou mais uma vez nesta quarta-feira o isolamento total adotado por estados e municípios, em resposta ao novo coronavírus , e afirmou que o governo não pode proibir alguém de vender "churrasquinho" e "biscoito na praia". As declarações foram dadas em entrevista por telefone, do Palácio do Planalto, ao jornalista José Luiz Datena, do Brasil Urgente, da Band.

— Como é que nós podemos proibir que essas pessoas se locomovam? Como é que você pode proibir que uma pessoa pegue e vá numa praça vender teu churrasquinho de gato? Ou vender o teu biscoito na praia? É isso que ele se referiu — argumentou ao citar as declarações, de segunda-feira, do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.

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— Alguns setores da imprensa falaram que eu omiti uma passagem dele. Não, não omiti nada. Ele mesmo disse que é da África, país pobre, e que cada país tem a sua realidade. O país que pode, por exemplo, pagar 2.500 libras para o teu desempregado, tudo bem. O Brasil nós fomos no limite aqui de R$ 600 por cada um dos aproximadamente 54 milhões que podem se beneficiar desse projeto nosso aqui, desse nosso abono, vamos assim dizer. E podemos resistir por três meses. Se passar disso, a nossa dívida vai ser enorme, e a gente começa a ficar preocupado como é que a economia pode se recuperar lá na frente. É essa a grande preocupação, esse foi o recado — afirmou.

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Na sua explicação, no entanto, Bolsonaro repetiu que o diretor da OMS "falou que esse pessoal tem que trabalhar". Mas o que o dirigente da entidade manifestou foi a preocupação com pessoas isoladas em lugares mais pobres do mundo que têm que trabalhar diariamente para ganhar o "pão de cada dia". Ele cobrou ainda dos governos que adotem medidas para garantir a renda da população mais pobre com a crise do coronavírus.

Ao criticar o isolamento total, Bolsonaro sugeriu que quem tiver menos de 40 anos poderia se infectar agora com a Covid-19 para no futuro não transmitirem o vírus aos mais idosos. No meio de sua fala, o presidente comentou que, com a chegada do frio ao país, "vai morrer mais gente por haverá um pico de ida aos hospitais". E propôs uma solução:

— A garotada abaixo de 40 anos, a princípio, contraindo o vírus, não vai ter problema. Agora essa garotada, vamos supor, se infectando agora, ela seria uma barreira no futuro para não transmitir o vírus aos mais idosos. É uma conta que você bota na mesa e você vê que as medidas por parte de alguns governadores e alguns prefeitos foram excessivas porque atingiram a roda da economia — declarou.

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Questionado se poderia tomar alguma medida contra algum Estado da Federação, depois de criticar chefes de Estado estaduais e municipais, Bolsonaro negou:

— Não existe uma hierarquia entre presidente da República, governadores e prefeitos. Não existe. Os governadores e os prefeitos têm uma liberdade para tomar providências. O que eu critico são alguns prefeitos, alguns governadores que ministraram uma dose de remédio excessiva, e isso acaba se transformando num veneno.

Citando "uma superexposição da mídia" que segundo ele deixou o pessoal "preocupado", Bolsonaro reiterou que "às vezes tem muita coisa no mundo que mata muito mais das consequências do pânico do que daquele mal em si".

— E a população não pode viver esse clima de pânico. Até porque o que a população tem que ser informada é que o vírus é igual a uma chuva, ele vem e você vai se molhar. Você não vai morrer afogado. Em alguns casos, lamentavelmente, haverá afogamento. Aquelas pessoas que, não é porque têm mais de 60 anos, é porque têm um problema a mais - disse o presidente.

Ele apontou ainda que pessoas que têm "uma imunidade pequena" são"mais fracas" e suscetíveis a sofrer mais com a doença. E citou quem vive na miséria ou pobreza extrema ao descrever a quem se referia:

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— Quem são essas pessoas mais fracas? A pessoa às vezes vive na miséria, pobre ao extremo, então é fraca por natureza, vamos assim dizer, né?, dada a falta de uma alimentação mais adequada. Então essas pessoas é que sofrem mais com esse vírus que chegou, mas eu tenho certeza que vai embora um dia — comentou.

Pronunciamento da véspera

Questionado sobre o que provocou a mudança no tom de seu discurso e se mudou alguma coisa com relação ao que pensava sobre a doença, Bolsonaro disse que seu pronunciamento foi "totalmente" suas palavras, mas contou que colocou no papel o que queria transmitir e teve ajuda de pessoas do Planalto "que ajudaram a amenizar nas palavras".

— O objetivo é o mesmo. Se eu não me engano, eu falo nesse meu pronunciamento de ontem três vezes a palavra "emprego". Alguns falam "ah, o cara tá preocupado com o emprego e não com a vida". Agora um país de desempregados, de pobres, a quantidade de pessoas que vêm a morrer por falta de renda, de alimentação, entre outras coisas, é enorme. É muito maior do que a própria doença em si. Então, com outras palavras ontem, eu basicamente dei esse recado.

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Sobre sua posição no pronunciamento da terça-feira, Bolsonaro foi enfático, e citou repercussões econômicas do isolamento adotado por governadores, como o do Rio Grande do Sul:

— Eu não mudei nada. Ele mudou. Agora eu, sim, reconheço a você que suavizei nas palavras. Mas quem pegar e prestar atenção em cada frase nossa continuamos dando o recado: se o Brasil continuar dessa forma, desse isolamento horizontal, como se eu não me engano o Rio Grande do Sul anunciou mais 30 dias. Eu não vou criticar o governador, agora será que a população aguenta mais 30 dias sem trabalhar? Porque o elemento, o empresário, o comerciante, vai ter que demitir, porque não está vendendo, vai ter que demitir — afirmou.

Ao falar sobre a defesa da volta ao trabalho, o presidente defendeu que cada pessoa cuide do idoso com o qual tem mais proximidade e citou a própria mãe.

— É muito problema, mas todo grande problema você começa mexendo com uma caneta ali na primeira linha do seu caderno. Temos que ter uma maneira de começar a fazer com que as pessoas voltem ao trabalho, aquelas que ainda não foram abatidas por essa onda de desemprego que aconteceu no momento. Agora vai morrer alguém? Vai, lamento. A minha mãe está com 93 anos de idade, aí no Vale do Ribeira. Ela pode ser acometida, pela idade dela, pela fragilidade, problemas que ela tem de saúde, ela vai ter dificuldade para vencer essa onda aí. Agora a gente vai ter que fazer uma opção. Cuida do teu ente querido mais velho e vamos voltar ao trabalho, pelo menos paulatinamente num primeiro momento — afirmou.

Doria

O presidente afirmou que aceitaria debater novamente a crise do coronavírus com o governador de São Paulo, João Doria, com quem teve um embate na semana passada. Mas voltou a atacar o desafeto:

— Aceito conversar com ele. Agora, é uma pessoa que sempre quando precisa, ele busca. Igual um mau marido, quando tem interesse na esposa, ele faz carinho. Quando não tem interesse, ele se afasta. Então o Doria quando precisou usar o meu nome para a campanha, bacana. Tudo bem, tá certo? Acabou a eleição, o elemento começou já a dar alfinetada. Então esse é o problema dele. Subiu à cabeça dele 2022.(...) Olha, vou dizer para ele uma coisa: eu vou para o meio do povo. Eu não tenho medo de vírus nem de estar no meio do povo. Agora duvido que ele faça o que eu faço, afinal de contas ele cercou aí com grade a sua casa aí em São Paulo, não sei que bairro é. Cercou com grade. Então é uma pessoas completamente diferente de mim. Está com problema agora, vai ter problema, é o Estado mais rico do Brasil, mas eu converso com ele. Agora, logicamente uma conversa de alto nível. Se vier aqui para aparecer numa foto, etc., e falar o que bem entender como se fosse o presidente, daí não vai ter espaço para conversar comigo não.