Política

Caso Miguel: polícia indicia ex-patroa por abandono de incapaz

Delegado considerou que a atitude de não impedir o fechamento das portas do elevador foi dolosa
Sari Corte Real, acusada pela morte do menino Miguel Otávio, é mulher do prefeito de Tamandaré (PE) Foto: Foto: Reprodução
Sari Corte Real, acusada pela morte do menino Miguel Otávio, é mulher do prefeito de Tamandaré (PE) Foto: Foto: Reprodução

RIO — Sari Corte Real, ex-patroa da mãe de Miguel, menino de 5 anos que morreu ao cair do 9º andar de um prédio de luxo em Recife no dia 2 de junho, foi indiciada pela polícia por abandono de incapaz nesta quarta-feira. Ela é a primeira-dama da cidade de Tamandaré, em Pernambuco, e empregava a mãe de Miguel, Mirtes Souza, como funcionária da casa. No dia em que Miguel morreu, Mirtes o levou consigo para o trabalho, e o deixou aos cuidados da ex-patroa enquanto passeava os cachorros dela. Nesse período, Miguel foi parar no elevador, desacompanhado. Quando Mirtes voltou, encontrou o corpo do menino estirado no lobby do prédio.

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De acordo com o inquérito, a moradora do prédio cometeu um "crime preterdoloso", quando o indiciado executa um crime diferente daquele que havia planejado cometer. A pena pode ser de quatro a 12 anos de prisão. Agora, cabe ao Ministério Público (MP) apresentar ou não a denúncia à Justiça.

Segundo o delegado Ramon Teixeira, responsável pela investigação, o ato de permitir que a porta do elevador se fechasse foi doloso, mesmo que Sari não imaginasse que isso pudesse resultar na morte da criança.

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Para Ramon Teixeira, outra razão para o indiciamento é o fato de Sari Corte Real sequer ter acompanhado a movimentação do elevador pelo visor eletrônico. Ela retornou imediatamente ao apartamento, onde estava fazendo as unhas com uma manicure.

— Ela não fez o acompanhamento, ela própria admite isso. A isso, somados a outros elementos de prova, como o depoimento da manicure, de que a moradora retorna ao seu apartamento para retomada dos serviços de manicure, o tratamento e embelezamento de suas unhas. Frases consignadas nos autos de que não teria responsabilidade sobre a criança, que deixou a criança ir passear. Uma infinidade de elementos de convicção reunidos que nos fez considerar o dolo de abandonar — declarou o delegado em entrevista coletiva transmitida pela internet nesta quarta-feira.

O perito André Amaral, do Instituto de Criminalística (IC), também participou da ocasião. Uma do IC constatou que, instantes antes da morte de Miguel, Sari acionou a tecla da cobertura (C), e saiu em seguida.

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Teixeira também afirmou que o abandono de incapaz foi intencional, o que configura dolo. A morte do menino, porém, poderia resultar não só de uma queda, como de fato ocorreu, mas de qualquer outra possibilidade de risco no prédio.

O delegado disse ainda que, ao abandonar Miguel, Sari também violou uma lei municipal, que proíbe a presença de menores de dez anos desacompanhados em elevadores.

— A criança (...) tinha 5 anos de idade, ela sequer poderia ficar desacompanhada no elevador. Pelo acervo probatório dos atos, teve, sim, uma etapa de cogitação. Teria ocorrido por uma irritação ou cansaço de retirar o menino do elevador. Sete vezes, segundo ela. Duas em um outro elevador, que não possui imagens — completou o advogado.

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Segundo o laudo do IC, Miguel chegou a acionar a tecla de alarme antes chegar ao 9º andar, de onde caiu. A queda foi considerada um acidente pelos peritos.

De acordo com o delegado, há três hipóteses para explicar a participação de Sari na morte de Miguel. A primeira, sustentada pela defesa da indiciada, é de que Sari teria apenas simulado o ato de apertar o botão. A segunda supõe que Sari teria de fato pressionado o botão, e o sistema do elevador não teria dado resposta. A terceira é de que Sari teria pressionado o botão e efetivamente acionado o elevador para a cobertura. A perícia mostra, no entanto, que o elevador não chega a estacionar nesse andar. Segundo o perito André Amaral, o IC confirmou que a queda do menino foi um acidente e que não houve a influência de nenhuma outra pessoa no caso, uma vez que o menino entrou sozinho no elevador.

— Verificamos que, naquele andar, a janela estava aberta e, mesmo tendo 1,10m, ele teve acesso. Uma criança de até 90 cm conseguiria fazer aquela escalada. Estivemos mais duas vezes no local, com total de cinco peritos no local, mais cinco no IC, fazendo cruzamento das informações. Conseguimos visualizar a dinâmica do evento em si e perceber o tempo de queda da criança. Desde a saída do nono andar até a queda, levou em torno de 58 segundos, que fizeram que a gente considerasse inviável outra pessoa participar do evento — disse o perito.