Brasil Celina

Diversidade de gêneros é tema de debate da plataforma 'Celina'

Evento do GLOBO discute equidade no mercado de trabalho e militância por representatividade
Seminário lotou uma sala de cinema para debate sobre mercado de trabalho e gênero Foto: Arte sobre foto de Alex Ferro
Seminário lotou uma sala de cinema para debate sobre mercado de trabalho e gênero Foto: Arte sobre foto de Alex Ferro

RIO — Como a diversidade e a inclusão impactam o desempenho das empresas? Qual é o papel dos homens na luta por equidade de gênero dentro e fora do mercado de trabalho? Como trazer para o debate quem ainda não se engajou nessa discussão?

Na terça-feira, uma plateia ocupou uma sala do Espaço Itaú de Cinema, no Rio, para participar do debate “Gênero e mercado de trabalho”. A iniciativa foi promovida por Celina , plataforma de gênero e diversidade do GLOBO, e teve o patrocínio da White Martins.

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Dois CEOs compartilharam suas experiências no tema: a presidente da L'Oréal Brasil, An Verhulst-Santos, e o presidente da White Martins, Gilney Bastos. Também participaram a diretora de RH da McKinsey, Andrea Waslander; a gerente de Projetos da ONU Mulheres, Adriana Carvalho; o cantor e ator Leo Jaime; a consultora Sandra Vale, do Instituto Promundo; a diretora das empresas Mynd8 e Music2, Fatima Pissarra; a colunista da revista Ela e diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil, Luana Génot. O evento foi mediado pela editora executiva do GLOBO Maria Fernanda Delmas e pelo editor de Sociedade, Eduardo Graça.

A seguir, as principais conclusões dos debates:

Diversidade é um bom negócio

Os participantes relataram como a diversidade nas empresas, além de refletir melhor a sociedade, melhora os lucros. A relação está constatada no estudo “Delivering through diversity”, feito em 2018 pela consultoria americana McKinsey. A pesquisa ouviu representantes de mais de mil empresas e indicou que aquelas com maior diversidade de gênero têm em média rentabilidade 21% maior. Já quando comparadas as companhias quanto à diversidade racial, a vantagem sobe para 33%.

Segundo outro estudo da McKinsey, de 2015, empresas com equipes mais diversas também são mais eficientes em reter talentos e em tomar decisões, têm mais capacidade de motivar seus funcionários e de entender a necessidade de seus clientes, e tendem a fortalecer sua imagem e relevância no mercado.

Mas nem todas as empresas já enxergaram os benefícios:

— A gente poderia dizer que todas essas razões já seriam suficientes para que as empresas queiram investir em diversidade e inclusão. Infelizmente isso não é necessariamente verdade. Ainda existe um certo ceticismo com relação ao tema — disse Andrea Waslander.

Como incluir quem não está no debate

“Quando os homens vão entender que precisam participar desse debate?”, questionou Leo Jaime, ao notar que a plateia era composta quase somente por mulheres, num momento em que a conversa era sobre o papel dos homens na luta por equidade.

O músico provocou a plateia ao responder à pergunta sobre qual tinha sido a última vez em que, no seu cotidiano, teve que lidar com o machismo:

— Estava num jogo de futebol. Quando o juiz fez uma besteira em campo, a torcida falou: “ei, juiz, vai tomar no c...” Eu me senti mal com aquilo. Porque quem vai tomar ou é um homem gay ou é uma mulher. Quem está nessa posição (parece que) é inferior, é incompetente e merece o ódio.

Sandra Vale, do Promundo, acredita que a sociedade tem uma questão posta de masculinidade extrema que precisa ser mudada:

— Nossos estudos já comprovam que os homens estão morrendo mais e mais cedo, e os custos dessa masculinidade extrema são prejudiciais à sociedade e ao PIB dos países. Se você incorpora novas práticas e uma nova norma social onde todos nós temos direitos iguais, é bom para todo mundo — diz Sandra.

Para Adriana Carvalho, a participação dos homens e de quem não gosta de falar do assunto é essencial no debate. Ela lembrou a campanha #HeForShe, da ONU, que há cinco anos incentiva o comprometimento de homens e corporações na luta pela igualdade de gênero:

— A gente precisa que todo mundo se transforme. Não adianta mexer com metade do planeta e não mexer com a outra metade. A gente quer os homens como aliados, mas a gente também quer que todo mundo entenda que a desigualdade afeta a todos.

Militância conjunta

Essa busca por igualdade não deve se limitar a uma única luta. Para Adriana Carvalho, é importante conjugar as militâncias, mesmo que uma das causas fale mais ao coração. Um dos grandes problemas do país é o racismo, destacou Luana Génot, para quem é necessária uma visão interseccional sobre o tema. Ou seja, é preciso considerar como gênero, raça, classe e orientação sexual muitas vezes constituem sistemas de opressão que se encontram e se sobrepõem.

— A gente precisa pensar em políticas efetivas para lidar com essas masculinidades. A gente precisa criar recortes e pensar tudo no plural. Quando a gente fala hoje sobre igualdade de gênero nas empresas, ainda fala de mulheres brancas.

Adriana Carvalho corroborou a necessidade de se pensar a interseccionalidade:

— Toda vez que a gente faz um recorte apenas, acaba destacando o grupo mais forte daquele recorte.

Mostrar o que é bom

Leo Jaime contou o caso de amigos brasileiros que moram na Suécia. Lá, é comum encontrar homens que cuidam da casa e das crianças, enquanto as mulheres têm suas bem-sucedidas carreiras profissionais. Algo, segundo ele, estranho para o Brasil:

— Tenho conhecidos que moram na Suécia. Os parentes brasileiros se referem a esses homens como aqueles encostados que vivem às custas da mulher.

Sandra Vale, do Promundo, avaliou que o problema é que os homens se retraem quando sua postura é criticada. A aproximação, para ela, deve ser pelos bons exemplos.

— Quando você aponta questões positivas no processo de transformação, eles se abrem e escutam mais.

Paternidade e educação

A educação dos filhos é essencial nesse processo de mudança. Leo Jaime disse que recentemente seu filho perguntou se deveria fazer balé ou capoeira na escola. O músico — que é aluno de balé — recomendou: fazer os dois e permanecer no que preferir.

— No dia seguinte, ele disse que não faria o balé, porque os meninos todos iriam fazer capoeira, já que os pais disseram que balé não seria coisa de menino — contou, acrescentando que as meninas acabaram escolhendo a capoeira também.

Mãe de um casal de gêmeos, Fátima Pissarra também relatou sua experiência com esse tipo de viés inconsciente sobre o que é “de menino” ou “de menina”.

— Quando fui pintar a unha da menina pela primeira vez, o irmão disse que também queria. Mas minha filha disse que não podia, porque ele era menino. Eu nunca disse isso para ela, tive que explicar que não havia problema. E pinto a mão dos dois.

Veja o documentário “Novas masculinidades”

O poder da representatividade

Hoje, nas empresas de Fátima Pissarra, 50% dos funcionários são negros. Mas não era assim há alguns anos. A mudança veio como uma regra implementada após a executiva perceber que só trabalhavam ao lado dela pessoas brancas:

— Eu chamei todo mundo e falei que não dava mais. Então decidi que 50% das vagas seriam para negros. Não é preciso tanto esforço, só é preciso uma regra.

A regra por si só, no entanto, não altera a cultura de uma empresa. Luana Génot destacou que é necessário buscar sempre essa igualdade no dia a dia.

— É um processo de aculturamento. E cultura é cultivo, dentro da empresa ou dentro de casa. Sem o processo de aculturamento, talvez uma regra não surta efeito. Tem que combinar os dois — afirmou. — É importante que essas pessoas sejam bem recebidas e que se vejam no topo da empresa, representadas.