Brasil Celina

Pobreza menstrual: jovem britânica convence parlamento a distribuir absorventes em escolas

Amika George fez campanha para evitar que meninas sem condições de comprar o item de higiene perdessem aulas
Protesto. Amika George durante um ato da campanha #freeperiod (menstruação livre), em Londres Foto: Arte de Lari Arante sobre foto de Dave Benett/Getty Images/20-12-17
Protesto. Amika George durante um ato da campanha #freeperiod (menstruação livre), em Londres Foto: Arte de Lari Arante sobre foto de Dave Benett/Getty Images/20-12-17

LONDRES — Amika George tinha 17 anos quando leu uma notícia que a chocou: uma em cada dez britânicas entre 14 e 21 anos não tinha condições de comprar absorventes íntimos e 49% já deixaram de ir à escola por estarem menstruadas.

Moradora de Londres, Amika nunca imaginou que isso pudesse acontecer na segunda maior economia da Europa. Também se perguntou o motivo de o assunto não ser discutido abertamente nem entre governantes nem entre a sociedade civil.

A estudante, hoje aluna da Universidade de Cambridge, lançou uma campanha contra a pobreza menstrual — termo até então pouco empregado nas discussões sobre desigualdade social.

Nos últimos dois anos, mobilizou ativistas pelos direitos da mulher, criou petições e reforçou uma onda que começa a fazer diferença.

No mês passado, o movimento conquistou sua primeira grande vitória: o governo anunciou que distribuirá absorventes para escolas secundárias e instituições de ensino superior na Inglaterra.

A campanha liderada pela jovem inglesa ajudou a popularizar a hashtag #freeperiod (menstruação livre) e mostrou que a questão é um fator de exclusão que extrapola as barreiras entre países pobres e ricos.

Estima-se que metade da população feminina de países em desenvolvimento seja afetada pela falta de acesso a produtos para o período menstrual. Como alternativa, usam panos, meias, papel higiênico, jornal.

Mitos e tabus complicam o debate sobre a relação entre menstruação e evasão escolar — mais uma expressão da desigualdade de gênero que afeta principalmente mulheres em situação de pobreza.

As organizadoras da campanha #freeperiod fizeram as contas: mulheres gastam 13 libras (R$ 67) por mês no Reino Unido com produtos para menstruação. Ao longo da vida serão 18 mil libras (R$ 97 mil). Amika defende que, para início de conversa, é preciso quebrar o silêncio que ronda o tema.

— Temos que parar de ficar constrangidas. Menstruação é só um processo natural, e não devemos nos desculpar por isso. Precisamos falar sobre menstruação mais abertamente.

Ela continua pressionando o governo britânico para que escolas primárias também recebam absorventes.

— As meninas estão começando a ficar menstruadas muito mais cedo. É importante que todas tenham acesso a esses produtos. Isso significa assistir à aula sem preocupação ou ansiedade.

Aos poucos, iniciativas que falam em “libertação menstrual” ganham espaço. A última cerimônia do Oscar ajudou a fortalecer vozes como a de Amika, premiando o documentário “Absorvendo o tabu”, sobre o preconceito num vilarejo rural da Índia, onde mulheres se uniram para fabricar absorventes de baixo custo, deixando de tratar a menstruação como se fosse doença.

Câmara do Rio vota lei sobre tema

Um projeto de lei (PL) que determina a distribuição gratuita de absorventes para alunas da rede municipal do Rio está previsto para ser votado na quarta-feira (10), na Câmara de Vereadores.

Segundo o vereador Leonel Brizola Neto (Psol), autor do PL 798/2018, muitas mães de alunas de escola pública queixam-se por não ter dinheiro para comprar absorventes e percebem que suas filhas têm vergonha de ir à escola durante o período menstrual.

As questões foram levantadas nas reuniões da Comissão da Criança e do Adolescente, a qual o vereador preside.

— Vai muito além da questão econômica. A menstruação é um tabu na nossa sociedade — afirmou Brizola Neto. — Assim como papel higiênico, no banheiro também tem que ter absorvente. É um item básico de higiene.

O vereador diz que pretende ampliar a distribuição para que ela ocorra também nos postos de saúde do município.

Um projeto de lei semelhante já havia sido proposto em São Paulo, em 2013, pelo vereador Laércio Benko (PHS).

Ele previa a distribuição de absorventes internos para mulheres com renda familiar menor que dois salários-mínimos, com o objetivo de evitar constrangimentos às que não têm condições financeiras de comprá-los e, por isso, acabam utilizando materiais prejudiciais à saúde.

O projeto foi vetado pelo prefeito Fernando Haddad em 2016, sob a justificativa de que o oferecimento de absorventes "por si só é insuficiente para a precaução de enfermidades".

A prefeitura também afirmou que o critério de renda que norteava a distribuição "não se afigura adequado tendo em vista os princípios da universalidade" do Sistema Único de Saúde, previstos na Constituição, e que a logística para armazenar e distribuir os materiais acarretaria "significativas despesas ao erário público".

Oferta para moradoras de rua

A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio distribui kits de higiene pessoal contendo absorventes para mulheres em situação de rua e vulnerabilidade social nos seus 32 abrigos conveniados e particulares.

Da mesma forma, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo oferta diariamente os kits nos mais de 20 centros de acolhidas do município.

Esses projetos são voltados apenas para moradores de rua, e não existe no país um trabalho de atenção a mulheres de baixa renda e suas necessidades fisiológicas.

Procurados, o Ministério da Saúde e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disseram não ter conhecimento de algum projeto de distribuição de absorventes de forma gratuita. O Ministério da Educação também não soube informar sobre distribuição de absorventes em escolas públicas.

* Estagiária, sob supervisão de Eduardo Graça