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Pratos da fome no Brasil são feitos de carcaças de peixe, sobra de gordura e legumes descartados

Com pandemia e inflação alta, brasileiros sobrevivem com alimentos doados ou encontrados no lixo
Ossos de costela, que iam para o lixo, viram pirão em Cuiabá (MT) Foto: José Medeiros / Agência O Globo
Ossos de costela, que iam para o lixo, viram pirão em Cuiabá (MT) Foto: José Medeiros / Agência O Globo

SÃO PAULO, CUIABÁ, MANAUS E FORTALEZA - Maria, Jaqueline, Vânia, Regina. Em várias regiões do do Brasil, essas mulheres têm em comum uma realidade que voltou de um passado recente: a fome sobre a mesa. Banida do mapa brasileiro, em 2013, ela retorna com mais força na pandemia. Em Cuiabá, no Centro-Oeste, uma longa fila de pessoas que raspam ossos doados por um açougue chocou o país. Lá, o GLOBO descobriu histórias como a de Maria, que duas vezes por semana caminha 4Km para buscar os restos de carne das entranhas de costelas para alimentar a família. No litoral do Ceará, Vânia cozinha o pouco que recolhe em sinais de trânsito para fazer o almoço sob uma tenda plástica onde passou a viver desde que perdeu o trabalho e a casa. Na Ceagesp, grande atacadão de frutas e legumes frescos de São Paulo, Regina garimpa restos em caçambas de lixo que lhe garantirão uma sopa com carne de segunda moída e fracionada para o mês, comprada quando chegam os R$ 150 do Bolsa Família. Em Manaus, nas franjas da Amazônia, que guarda uma das maiores riquezas em biodiversidade do mundo, a mesa de Jaqueline não tem peixes de igarapés, mas o pouco que chega em doações da igreja Deus é Amor. Na terça-feira, teve macarrão com salsicha: um luxo, já que moradores da cidade vasculham o chão coberto de restos de peixe nas feiras Manaus Moderna e Panair.

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Os pratos que saem desse garimpo diário por comida estão longe de satisfazer as necessidades mínimas do corpo humano. Somando-se a vergonha da falta de dinheiro para comprar o que comer, o custo que essas refeições passam a ter é ainda mais alto. A mãe de Regina, aos 80 anos, pediu que o almoço, da semana passada, vindo do refugo de feirantes e supermercados, não fosse fotografado.

Regina dos Passos, de 45 anos, faz a feira duas vezes na semana nas lixeiras.  
Regina dos Passos, de 45 anos, faz a feira duas vezes na semana nas lixeiras.

De 2014 a 2019, o número de pessoas que dizem não ter dinheiro para comida subiu de 17% para 30%. A proporção entre mulheres chega a 33%. Elas predominam nas longas e muitas vezes frustrantes buscas por comida nas ruas. Para o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, o Brasil já voltou ao mapa da fome. Só falta a ONU dizer isso.

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—Nossos indicadores, que já eram ruins, despencaram com a pandemia — afirma.

A renda média do trabalho, incluindo desempregados e informais, caiu 11% de 2020 a 2021. Para os pobres, como Maria, Vânia, Jacqueline e Regina, a queda foi de 21%. Para eles, a inflação nos últimos 12 meses foi de 10%, segundo Neri, três pontos acima da que afeta os mais ricos. São quase 30 milhões de pobres, e o número não para de crescer.

Leia aqui a reportagem completa com as histórias de Maria, Jaqueline, Vânia e Regina