A ex-modelo Katiuscia Torres Soares, de 34 anos, está presa no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, na Penitenciária Belo Horizonte I, em Minas Gerais, desde o último sábado (19), quando foi cumprido um mandado de prisão preventiva expedido contra ela pelo juiz Rodrigo Boaventura Martins, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, pelo crime de reduzir pessoas a condições análogas à escravidão. Já há alguns anos, Kat Torres vinha oferecendo pela internet consultas espirituais e de "bruxaria" dos Estados Unidos, onde vivia, prometendo dinheiro, sucesso e até a pessoa amada por meio de rituais e hipnotismo. Mas, para além do charlatanismo, a Polícia Federal apura indícios de que a seita exótica, da qual ela se diz líder, poderia ser, na verdade, uma nuvem de fumaça para o cometimento de crimes graves, ligados a tráfico internacional de pessoas e prostituição.
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Em três semanas, a rotina de Kat se transformou por completo. A realidade na volta ao Brasil será, ao menos por enquanto, bem diferente da vivida por ela nos últimos anos de Estados Unidos – quando ostentou presença em casarões e hotéis de luxo. O Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, para onde foi levada, tem capacidade para 426 presas e é a maior unidade prisional exclusivamente feminina de MG, mas a ocupação atual não é divulgada por questões de segurança. De acordo com a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do estado mineiro, as detentas recebem quatro refeições diárias – café da manhã, almoço, café da tarde e jantar –, e têm direito a banho de sol diariamente, além de atividades de estudo e trabalho, a depender do perfil da detenta. No ingresso à cadeia, elas por uma equipe multidisciplinar responsável pelo atendimento e direcionamento conforme demandas e aptidões.
Inquérito apura esquema de prostituição
O caso de Kat ainda está em fase policial. O inquérito corre sob sigilo na superintendência da Polícia Federal de Minas Gerais, que não se posiciona oficialmente, e é acompanhado pelo Ministério Público Federal (MPF). Conforme antecipado pelo GLOBO, o MPF ouviu – e ouve – diversas mulheres brasileiras que dizem ter sido vítimas de Katiuscia. As queixas envolvem extorsão, falsas promessas para convencê-las a ir aos EUA, além de prostituição. A reportagem apurou com uma fonte que procuradores devem apresentar, após a conclusão das investigações policiais, ao menos duas ações públicas contra Kat reunindo o relato dessas possíveis vítimas.
Além da prisão, a Justiça Federal expediu ainda um mandado de busca e apreensão contra a coach e determinou a quebra de sigilo telefônico, de dados telemáticos de aparelhos, e documentos pertencentes a ela.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Katiuscia Torres. A guru não informou sua defesa à Justiça num primeiro momento, o que fez com que um defensor público federal da Defensoria Pública da União (DPU), da seccional de Minas Gerais, fosse nomeado para defendê-la. O advogado, no entanto, decidiu arquivar sua participação pelo fato de o mandado de prisão preventiva ter sido expedido em São Paulo. Nos próximos dias, o caso deve ser redistribuído para outro defensor, caso Katiuscia não contrate alguém para representá-la.
Em nota, o TRF3 reforçou que o processo corre sob sigilo, e confirmou que o mandado de prisão preventiva foi cumprido no fim de semana. Polícia Federal e Ministério Público Federal não se posicionaram oficialmente.
Sobre a deportação ao Brasil de Kat Torres, o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) afirmou que, por meio de sua área consular, "acompanhou a situação da nacional brasileira, em interlocução com as autoridades norte-americanas competentes, e prestou a assistência cabível à nacional, em conformidade com os tratados internacionais vigentes e com a legislação local".
Letícia e Desirrê seguem aguardando deportação nos EUA
Enquanto isso, Letícia Maia Alvarenga, de 21 anos, e Desirrê Freitas, de 26, continuam presas na Georgia (EUA), em presídio da Polícia de Imigração americana. Há expectativa de que nos próximos dias aconteça uma audiência com o setor de imigração e as famílias almejam que elas voltem deportados ao Brasil o mais breve possível. Os parentes mantêm a posição de que elas são vítimas.
Katiuscia e as jovens Letícia e Desirrê foram presas no estado de Maine, nos EUA, no Dia de Finados, quando tentavam entrar no Canadá com documentação irregular. O último paradeiro conhecido de Katiuscia, até então, havia sido justamente a cadeia de Cumberland, em Maine. As outras duas garotas foram transferidas para a prisão da Polícia de Imigração (ICE), Stewart Detention Center, no estado da Georgia, onde seguem custodiadas. O fato de a guru ter sido deportada dá indícios de que ela tinha situação irregular nos EUA, ao contrário do que dava a entender há anos nas redes sociais.
O caso de Kat ficou conhecido depois que as famílias das jovens Letícia e Desirrê denunciaram que as garotas teriam desaparecido após terem se envolvido com Torres, e que estariam sendo vítimas de um possível esquema de tráfico internacional de pessoas. Também foram encontrados perfis das garotas em sites de prostituição. Não se sabe se manipuladas ou não pela mentora, as duas passaram a negar todas as acusações nas redes sociais após a divulgação feita, dizendo que estavam bem e ordenando que parentes e amigos parassem de procurá-las imediatamente.
Ataque a Yasmin Brunet
Katiuscia publicava vídeos onde Letícia aparecia visivelmente drogada, como um onde a garota corre sem direção por um hotel, levanta a saia em um chafariz e depois fica no chão, sem condições de ficar de pé. A gravação foi o estopim para que a família ficasse preocupada. Desirrê, por sua vez, aparecia em vídeos sem nexo; em um deles, convida Vladimir Putin para conversar sobre a guerra na Ucrânia.
A história ganhou novos contornos, inclusive, quando Letícia, em um vídeo publicado, fez graves acusações contra o próprio pai, dizendo que ele teria abusado dela e dos irmãos na infância, o que foi negado pela família inteira, mas rendeu um inquérito em Minas Gerais.
Em seguida, passaram a atacar a modelo brasileira Yasmin Brunet, que estava tentando ajudar a localizar Letícia nas redes, com ameaças e falsas acusações de que ela estaria promovendo tráfico de pessoas. Brunet, então, registrou o ocorrência na Polícia Civil de São Paulo por injúria, difamação e ameaça.
Katiuscia chegou a admitir, em vídeo, que as acusações eram falsas. Letícia e Desirrê chegaram a simular que estavam sendo mantidas em cativeiro por Yasmin Brunet, brincadeira de mau gosto que não convenceu nenhum seguidor e, muito pelo contrário, deu tons ainda mais graves ao caso.
Meme e falso affair com DiCaprio
Katiuscia Torres tem 34 anos e, por muito tempo, mentiu ter 5 anos a menos. Seus primeiros minutos de fama aconteceram quando apareceu em fotos numa balada de Los Angeles ao lado do ator Leonardo DiCaprio. Na época, chegou a dar entrevistas como affair do futuro vencedor do Oscar, mas depois acabou desmentindo. Em seguida, acumularia milhões de seguidores nas redes ao criar memes com fotos próprias, onde reagia com diferentes expressões a problemas cotidianos: o “Coisas de Kat”.
Em 2017, lançou o livro “A Voz”, de autoajuda, que diz ter sido narrado por uma voz em sua cabeça. Em entrevista ao programa de Amaury Jr., onde falou sobre sua obra, ela contou que, àquela altura, já atuava como “médium” de uma seita que trabalha por meio do uso do chá de Ayahuasca – de efeitos psicodélicos, semelhantes ao do chá de Santo Daime. Ela disse que não recomendava aos seguidores, mas que usava “frequentemente”. No site onde oferece seus serviços de bruxaria, ela promete atrair marido, promover sucesso financeiro e profissional, entre outras coisas, por meio de técnicas como hipnose.