Educação
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Por Paula Ferreira — Brasília

Aos 6 anos, Rayca Santos sonhava em se tornar dançarina. Dez anos depois, agora seu maior desejo é criar um software de inteligência artificial. A mudança radical de perspectiva tem explicação: o incentivo de professores em sua nova escola, o Centro de Ensino Médio 111, no Recanto das Emas, em Brasília. Rayca é uma das bolsistas de ensino médio de um projeto desenvolvido pela UNB (Universidade de Brasília) para atrair meninas para a carreira de Física e contemplado com financiamento do programa "Meninas na Ciência" do CNPq.

— É necessário mais incentivo para crianças e adolescentes, porque somos influenciadas pelo que assistimos. Quando eu era criança, não sentia vontade de ser cientista e trabalhar na área de tecnologia, porque nos filmes eu sempre via homens nessas funções — conta Rayca.

Dados dos dois principais órgãos de fomento à formação de profissionais, a Capes, e ao financiamento de pesquisas, o CNPq, mostram que o Brasil ainda precisa avançar para garantir a entrada e manutenção de mulheres na Ciência. Embora elas recebam a maior parte das bolsas de mestrado e doutorado concedidas pela Capes, no mais alto nível a realidade é diferente. Apenas 35% das bolsas de produtividade, concedidas no topo da carreira, são concedidas às pesquisadoras.

Em um ano, de 2020 para 2021, enquanto 593 novas bolsas de produtividade foram concedidas a homens, apenas 80 passaram a beneficiar mulheres. Os números revelam que elas são maioria entre os beneficiários de bolsas de iniciação científica — 60% — , concedidas pelo CNPq na graduação, além de angariar 52% das bolsas no mestrado, passando para 50% no doutorado.

Um exemplo do longo caminho das mulheres para ocupar posições de liderança é o fato de que, pela primeira vez, somente agora uma mulher assume a chefia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A engenheira Luciana Santos, que foi vice-governadora de Pernambuco, foi a escolhida por Luiz Inácio Lula da Silva.

Ciente do quadro, a ministra afirmou ao GLOBO que a pasta pretende lançar neste ano um edital específico para promover estudos sobre gênero. O MCTI também vai criar uma plataforma para reunir e monitorar as iniciativas de inclusão de meninas e mulheres na ciência. Santos afirma que o país tem experiência na promoção da igualdade de gênero, mas é preciso avançar.

— Cada mulher que ascende na hierarquia da carreira científica é exemplo e inspiração para outra mulher— diz. — Hoje, o Brasil vive o que chamamos de fuga de talentos, jovens cientistas que buscam no exterior a oportunidade que não encontram em seu próprio país. No caso das mulheres, vemos muitos casos de abandono da carreira científica em decorrência de um sistema constituído por critérios de ingresso e avaliação cujo desenho é masculino. Como resultado, uma grande desigualdade no acesso das cientistas às bolsas de estudo e pesquisa. As consequências disso vão além dos prejuízos à igualdade de direitos e oportunidades que defendemos. É uma questão de excelência. Ao perder talentos femininos, o país perde também a diversidade de olhares que enriquece a sua produção científica.

Em 2005, durante o primeiro mandato de Lula, o CNPq instituiu o programa Mulher e Ciência para fomentar a igualdade de gênero na área. Desde então, além de chamadas específicas para financiar projetos de mulheres, o órgão instituiu medidas como a prorrogação das bolsas em caso de gravidez das mulheres, além de incluir um campo no currículo Lattes para que as pesquisadoras insiram o nascimento dos filhos.

A pesquisadora Lillian Maria Uchôa defendeu sua tese de doutorado em nanotecnologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) enquanto estava grávida de sete meses da filha Isadora. Ela conta que ao longo da carreira viveu inúmeras situações de machismo inclusive dentro do próprio departamento de pesquisa. Além da vida acadêmica, Lillian decidiu criar uma empresa após participar do Catalisa ICT, programa do Sebrae para pesquisadores. A "4WBIOTECH", cuja equipe é exclusivamente feminina, desenvolve cosméticos que aliam estética e saúde, como um batom desenvolvido para combater os efeitos causados pelo herpes.

— No ano em que uma mulher tem filho observamos uma queda de produtividade nas publicações e, às vezes, as pessoas não entendem por que ela ficou um ano sem publicar. Isso impacta no currículo, porque dependemos de produtividade nessa área. Atualmente, o CNPq tem um campo no Lattes para indicar o ano do nascimento de um filho. Na minha época não teve essa opção. Foi um desamparo muito grande — relata. — O machismo está em todos os níveis. Dentro da universidade eu vivo isso, pessoas que têm nível de escolaridade altíssimo, que convivem com alunas, professoras e ainda têm uma limitação no pensamento sobre como melhorar a igualdade de gênero.

Nas bolsas da Capes, mulheres dominam

Responsável pelos programas de pós-graduação de todo país, a Capes tem em seu corpo de estudantes maioria de pesquisadoras. Dentre os 112.911 bolsistas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) da CAPES no Brasil, as mulheres representam 58,2%, segundo dados de 2022. Considerando cada uma das modalidades, no mestrado, as mulheres totalizam 59,1% dos bolsistas, e, no doutorado, 57,3%.

Entre os 405 mil alunos de pós-graduação, incluindo os que não recebem incentivo financeiro, 221 mil (cerca de 54%) são mulheres. Em áreas onde a presença de pesquisadoras costuma ser reduzida, elas também têm assumiu protagonismo. De acordo com a Capes, as mulheres já são maioria em duas das quatro áreas das engenharias: Engenharias I (52%) e Engenharias II (50,6%). Ainda assim, a presidente da instituição defende que é preciso avançar.

— Apesar desses dados positivos, as mulheres enfrentam uma série de barreiras e obstáculos para ascender aos níveis mais altos da carreira. Isso constitui o que a gente chama do famoso “telhado de vidro”, ou seja, quando temos uma dificuldade de ascender às etapas posteriores apesar da competência e da qualificação técnica. Neste sentido, é muito importante que a sociedade, as agências de fomentos e os sistemas educacionais e de ciência e tecnologia se mobilizem para favorecer a ascensão das mulheres por meio de atividades afirmativas para que possam galgar espaços de liderança — afirma Mercedes Bustamante, presidente da Capes, ao GLOBO.

De acordo com ela, sua gestão à frente da Capes estará comprometida em auxiliar pesquisadoras a traçarem sua carreira. Mercedes cita, por exemplo, que o órgão pretende desenvolver estratégias para apoiar sobretudo pesquisadoras mães, que "muitas vezes precisam adiar seus projetos no momento da gestação e para cuidar dos filhos", diz ela.

— É importante que os vários entes federativos, as agências federais, como CAPES e CNPq, e as fundações estaduais de apoio à pesquisa se mobilizem pra construir ações que favoreçam a entrada, a permanência e ascensão das mulheres na carreira acadêmica.

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