Educação
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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 04/08/2024 - 04:30

Popularidade das escolas cívico-militares no Brasil: disciplina e controvérsias.

Escolas cívico-militares ganham popularidade no Brasil, com 569 unidades em 16 estados. Apesar do apoio da população, há casos de excessos. A militarização reflete visões conservadoras e traz disciplina, mas gera controvérsias e episódios polêmicos. Resultados positivos no Enem são destacados, enquanto críticas apontam privilégios e seleção de alunos. O modelo combina aspectos militares e educacionais, despertando tanto apoio quanto questionamentos.

A cada troca de aula a cena se repete. O professor entra na sala e os alunos se levantam. Um deles, o “xerife” do dia, dá o comando: “Sentido”. Todos fazem continência. O estudante que deu a ordem, na função de chefe de turma, relata se alguém faltou ou se há alguma outra excepcionalidade no dia e em seguida diz aos colegas: “Descansar”. Todos se sentam, e o professor toma a palavra. Essas formalidades típicas dos quartéis foram reproduzidas em colégios brasileiros. Diversas na estrutura, as escolas cívico-militares replicam práticas difundidas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro que ganharam o apoio da população, mesmo com casos de excessos contra alguns estudantes.

Criado no final da década de 1990 em Goiás, o modelo virou política pública nacional em 2019 quando Bolsonaro criou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), que foi adotado por mais de 200 unidades. Em 2023, o governo Lula determinou o fim do programa, mas estados e municípios criaram leis locais para seus projetos.

Levantamento do GLOBO em todas as redes estaduais de ensino mostra que atualmente há 569 colégios cívico-militares em 16 estados. Na lista estão as unidades em que atuam policiais militares ou bombeiros e que não reservam matrículas para filhos de servidores. Segundo a pesquisadora Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília, o número passa de mil, contando as que têm reserva de vagas e as unidades criadas por prefeituras.

De acordo com a pesquisa “A cara da democracia”, feita pelo Instituto da Democracia, que reúne especialistas de UFMG, Unicamp, UnB e Uerj, 60% da população apoiam a militarização das escolas e só 30% são contra. Em 2021, esse número era de 57% e 35%, respectivamente, com margem de erro de dois pontos percentuais.

— Em 2019, não havia nem 200 escolas militarizadas. Hoje, só a Bahia tem 15 escolas da PM que reservam parte das vagas para filhos de militares e mais de cem nas redes municipais — compara Catarina.

Há, contudo, episódios controversos de atuação dos militares. Pelo menos três deles foram gravados no celular por estudantes em Brasília e no Paraná. No Distrito Federal policiais jogaram no chão e imobilizaram estudantes em um dos casos, e, noutro, um PM ameaçou “arrebentar” um adolescente de 14 anos. Questionado, o governo do DF afirmou que “adota medidas rígidas para casos que envolvam agressão”.

No Paraná, que tem o maior número de unidades no país, um aluno foi retirado da escola por militares por se recusar a tirar o boné em Apucarana. Ironicamente, a cidade tem o acessório para cabeça como símbolo, como prova o “Bonezão”, escultura de nove metros de altura no município.

Punição a estado

Em Goiás, o estado foi condenado em maio a pagar R$ 15 mil à família de um jovem autista levado para casa pelo diretor da escola, um policial militar, exigindo um novo corte de cabelo para se adequar ao modelo da unidade. Segundo o Ministério Público estadual, a mãe do adolescente foi coagida a assinar uma carta de autorização para que o colégio aparasse o cabelo do jovem, sob a ameaça de que perderia a guarda do filho se não o fizesse.

Aos promotores, a mãe contou que ele ficou desesperado quando se viu no espelho com o novo corte. Por isso, mudou de escola. A secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli, diz que foram tomadas medidas na unidade depois desse caso.

— Um procedimento é aberto toda vez que acontece um episódio desse, e o gestor é trocado. Mas diretores que não são militares também têm esse tipo de comportamento. Quando é um professor, ninguém fica sabendo. Quando é um militar, vira página de jornal — rebate Fátima, acrescentando que a demanda pelo modelo continua alta no estado. — Se fosse abrir todas que me pedem, teríamos mais de 300.

Na avaliação de Catarina, esse apoio massivo se dá por uma combinação de fatores, como a tradição dos colégios do Exército que apresentam alto desempenho nas notas, a ideia do controle escolar sobre os jovens, da segurança e do reflexo de uma sociedade com posições conservadoras.

Hino é cantado

Em comum, as escolas cívico-militares têm rotinas inspiradas nos quartéis. Quando chegam, os alunos fazem uma primeira formatura com cerimônia de hasteamento da bandeira e cantam o Hino Nacional. Há padrões estéticos: as meninas não podem usar os cabelos soltos além dos ombros, e os meninos precisam fazer corte estilo militar. Acessórios como brincos são liberados só para as alunas. Mesmo assim, precisam ser discretos. Todos esses aspectos contavam no Pecim.

— O sucesso desses colégios se dá pelas convenções que ele impõe no regimento e na sua lei. A primeira é a disciplina — resume Fátima.

Secretário de Educação do Paraná, Roni Miranda afirma que só não fica na cívico-militar o aluno ou pai que não quer mais disciplina.

— Os estudantes têm um regramento e princípios básicos: respeitar uma fila, entrar de forma organizada na sala de aula, respeitar a ida do banheiro, não matar aula. Agora os professores conseguem dar aula, sentem -se realizados — argumenta.

Um professor do Paraná, que pediu para não ser identificado, confirmou a avaliação de Miranda:

— Quando acontece alguma briga, os professores encaminham os alunos para os militares. Essas confusões continuam acontecendo, mas o ambiente é melhor. A escola precisa ser cívico-militar para ser organizada? Não. Mas muitos colégios, pela falta de recursos, de funcionários e de pessoal trabalhando nessas questões, acabam sendo.

Diferentes gestões

O que passou a variar mais em relação ao programa criado pelo governo Bolsonaro foi a atuação dos militares. Em Goiás, os diretores são militares, mas os outros funcionários são civis. No Rio, PMs e bombeiros atuam em aulas específicas. No Paraná, os militares são responsáveis por manter a ordem da escola e atuam como inspetores para casos de indisciplina.

Para Almeida, essas escolas são normalmente tratadas como vitrines de governos conservadores. Por isso, diz, costumam contar com uma gama de privilégios. Muitas passam por reformas antes da militarização, não é comum haver falta de professores e alunos mais desafiadores — que não se adaptam a um modelo mais rígido de disciplina — acabam se transferindo por conta própria ou são aconselhados a mudar de escola.

— Há uma seleção indireta de alunos e um conjunto de privilégios que podem levar a ter resultados nos processos de avaliação, o que nem sempre acontece — diz.

Secretários de Educação e governos estaduais negam privilégios. Roni Miranda reforça que o modelo é uma opção que o estado dá às famílias.

— Por isso não vamos criar mais unidades — diz. — A gente dá opção. Quer estudar na regular? Tem vaga. Na integral? Também tem. Na cívico-militar? Ele pode escolher. Mas temos hoje nas cívico-militares uma longa fila de espera, diferentemente de outras escolas — afirma.

Da falta de mestres a boa nota no Enem

O Ciep 403 estava para fechar as portas. Quase sem quadro de professores, o colégio do Açude II, um bairro periférico de Volta Redonda (RJ), se tornou cívico-militar em 2019, no governo de Wilson Witzel, e foi renovado: trocou o tradicional azul do projeto de Leonel Brizola pelo vermelho dos Bombeiros. Durante a pintura, uma parede com uma frase do educador Paulo Freire foi apagada e um bombeiro passou a comandar a unidade.

Novos professores foram contratados e uma equipe diretiva completa foi montada. Leonardo Valente, que chegou para dar aulas de Matemática, conta que o colégio foi montado do zero numa reunião entre professores e bombeiros.

— Quando fui chamado, não quis vir por preconceito. Pensei: se eu precisar falar que em 1964 houve um golpe militar, não vou poder, porque os militares estão lá. Mas não é assim — conta.

Em 2022, o governo Cláudio Castro decidiu levar as escolas cívico-militares para a Secretaria de Educação. A direção do colégio, até então sob a responsabilidade do Corpo de Bombeiros, passou às mãos de quatro professoras civis.

— Aqui não tem essa de não gostar de Paulo Freire. A gente pega o melhor da educação e o melhor dos bombeiros para os alunos — conta a vice-diretora Danielli Deoscanio.

Nessa combinação, os militares são responsáveis por três aulas: prática esportiva; período de instrução (aulas de técnicas como rapel e salvamento); e educação cívico-militar, quando os bombeiros ensinam a filosofia do meio, como a ideia de ordem unida, os símbolos nacionais e as canções da corporação.

Na manhã de última segunda-feira, O GLOBO assistiu a uma dessas aulas. O bombeiro ensaiava a turma de 1º ano para o desfile de Sete de Setembro. Em meio às explicações do ritmo correto da marcha, ele orientava os alunos.

— Vi que alguns alunos estão ainda com nota baixa, mas melhoraram de um bimestre para o outro. Isso é um bom sinal — discursava.

Distribuídos em três fileiras, os mais altos na frente dos mais baixos, os jovens escutavam de cara fechada (como se esperava, já que o momento era de seriedade) até que uma pergunta do militar foi respondida com uma brincadeira de um dos meninos. O bombeiro riu com a turma.

A avaliação da direção e dos professores é que os militares que atuam na escola criam conexões com os alunos atraídos pelo modelo cívico-militar, e isso resulta em uma escola com menos bagunça, o que permite que os professores ensinem melhor.

— Consigo avançar muito no conteúdo. Mas o estado não pode abrir muitas escolas desse modelo. Tem aluno que quer, vem e gosta. Mas não seria correto obrigar a estudar numa cívico-militar. Alguns não se adaptam — reconhece Valente.

Com apenas uma turma de 3º ano, quadro de professores e de direção completos, além de aulas em tempo integral, o Ciep 403 conseguiu, em 2023, a melhor nota entre as escolas estaduais do Rio no Enem. A média de redação foi de 888. Um aluno que fez a prova no 2º ano tirou 940 no teste de escrita. Neste ano, começa uma obra geral que reformará espaços ainda fechados dos tempos de abandono.

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