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Política

Em evento, Bolsonaro chama população a participar de manifestações originalmente contra Congresso

Em viagem, presidente afirma que 'quem tem medo de movimento de rua não serve para ser político'. O discurso aumentou tensão entre Poderes
No evento em Boa Vista, Bolsonaro discursou em defesa das manifestações e compartilhou o vídeo em suas redes sociais Foto: Reprodução
No evento em Boa Vista, Bolsonaro discursou em defesa das manifestações e compartilhou o vídeo em suas redes sociais Foto: Reprodução

BRASÍLIA - Em escala em Boa Vista (RR), a caminho dos Estados Unidos , o presidente Jair Bolsonaro convocou neste sábado a população a participar de manifestações de rua a favor do governo, e afirmou que "quem tem medo de movimento de rua não serve para ser político". Bolsonaro, porém, disse que os atos não são contra o Congresso e nem contra o Judiciário . O chamado de Bolsonaro intensificou o ambiente de tensão entre os três Poderes.

Originalmente, o alvo dos protestos era o Congresso e o STF.  Porém, a repercussão negativa após Bolsonaro compartilhar, por um aplicativo de celular, no fim do mês passado, uma mensagem de convocação às manifestações o teria influenciado a tentar mudar o viés dos atos.

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No evento em Boa Vista, Bolsonaro discursou em defesa das manifestações e compartilhou o vídeo em suas redes sociais.

— Dia 15 agora, tem um movimento de rua espontâneo e o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político. Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil. É um movimento que quer mostrar pra todos nós, presidente, Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, que quem dá o norte para o Brasil é a população — afirmou.

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Em outro trecho, o presidente afirma que o movimento não é contra a democracia.

— Quem disse que é um movimento contra a democracia está mentindo e tem medo de encarar o povo brasileiro — disse.

Tensão intensificada

O discurso de Bolsonaro irritou as cúpulas do Congresso e do Judiciário — ainda mais porque a declaração acontece depois de uma semana em que parlamentares e ministros dos tribunais superiores trabalharam para distensionar o clima político em Brasília.

O GLOBO apurou que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ), ficou especialmente incomodado com as falas de Bolsonaro. Líderes do Legislativo dizem que o chamado deste sábado soa como provocação, por ter acontecido dias depois de o próprio presidente ter dito a Alcolumbre que "nunca jogou a população contra o Congresso". Na reunião de cerca de uma hora na última segunda-feira, no Palácio do Planalto, Alcolumbre cobrou uma posição de Bolsonaro em relação ao mais recente conflito entre Legislativo e Executivo.

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Durante toda a semana, caciques partidários atuaram para restabelecer a relação entre o Planalto e o Congresso. Segundo relatos feitos ao GLOBO, tanto Alcolumbre como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), concordaram que, às vésperas dos atos, a melhor estratégia era a de evitar declarações públicas e atuar nos bastidores pela pacificação.

Desde que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, qualificou parlamentares como "chantagistas" , a tensão entre os dois Poderes aumentou. A crise culminou com a divulgação da informação de que Bolsonaro havia compartilhado, pelo WhatsApp, uma convocação dos protestos , que tem o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) como alvos.

Reação

Após a fala de Heleno em fevereiro, parlamentares e lideranças políticas de diversos partidos reagiram com críticas. O ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) ressaltou que é "criminoso" incitar a população com "mentiras contra as instituições democráticas" e pediu reação do Congresso.

No evento deste sábado, Heleno também discursou e afirmou que o governo tem sido alvo de retaliações por estar atuando contra a corrupção.

— A rede de corrupção que se criou nesse país e está sendo desbaratada nesse governo tem prejudicado planos espúrios — afirmou o ministro.

Inicialmente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardos classificou o episódio envolvendo Heleno como "uma crise institucional de consequências gravíssimas". Neste sábado, no entanto, ele afirmou que manifestações não representam um risco para o país.

— Estamos vivendo uma onda conservadora e reacionária. Eu sou partidária da liberdade e da democracia, qualquer manifestação é válida — defendeu FH neste sábado durante o evento Canabbis Thinking, em São Paulo. Ele também disse que o risco para o país "não são as manifestações", mas "os que tomam decisões ficarem com medo de afirmar os seus valores".

Para opositores, o discurso de Bolsonaro pode atentar contra a democracia, na medida em que o líder de um poder convoca a população a protestar em atos originalmente convocados contra integrantes de outros poderes. Para bolsonaristas, o ato não é contra instituições mas contra atitudes de alguns de seus atuais ocupantes, e estaria abarcado  no direito de manifestação e à liberdade de expressão.

Sobre o discurso mais recente de Bolsonaro, Fernando Henrique preferiu não se manifestar:

— Eu sempre fui cuidadoso e continuo sendo — afirmou o ex-presidente.